19 de maio de 2013

Debate feito pelo Jornal O Cidadão ganha matéria internacional

Acompanhe a matéria feita pela Organização Rio On Watch sobre o Debate "Vida na Favela e Segurança Pública" com realização do Jornal O Cidadão, que aconteceu dia 11 de Maio de 2013.

“Que pacificação é essa que está vindo?” Desafiaram os moradores, no último sábado 11 de maio, em um debate sobre a segurança pública na Maré. Durante semanas, o complexo de favelas vem passando por batidas diárias feitas pelo BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), em um esforço do governo de preparar a área para a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). O processo inclui buscas ilegais em domicílios sem mandados e operações envolvendo helicópteros e tanques blindados.
“O discurso do estado, da mídia comercial é uma grande mentira”, explica Gizele Martins, coordenadora e jornalista do jornal da comunidade da Maré, O Cidadão, existente há 13 anos. O debate organizado pelo jornal teve como objetivo reunir os moradores das favelas da cidade para trocar experiências sobre as UPPs e para ser “protagonistas de suas realidades”. A discussão levantou questões mais amplas sobre a natureza da cidadania e do processo de gentrificação no Rio de Janeiro.

O primeiro dos quatro palestrantes, Francisco Marcelo, morador da Maré com mestrado em Educação, expressou firme oposição às UPPs porque, em suas palavras, não podem existir duas políticas de segurança diferentes na cidade. No Leblon e Ipanema, seria impensável para a polícia entrar arbitrariamente em casas particulares, destruir a propriedade pessoal, ou usar de violência contra os moradores em nome da “segurança pública”. Gizele reiterou: “Porque eles estão invadindo nossas espaços, nossos lugares? E não em outras partes da cidade?!”


Marcelo observou que durante a instalação da UPP, o estado levanta uma bandeira para mostrar “domínio de território”, e divulga que trouxe a paz, segurança e cidadania à favela. “Não entendo, UPP vem para garantir nosso direito ao território? Ou garantir nosso direto de finalmente ser um cidadão completo?”.
Repper Fiell, MC de funk e ativista do Santa Marta, riscou a palavra “pacificação” no quadro-negro e substituiu com a palavra “militarização”, argumentando que o projeto de segurança da UPP não é de paz e integração, e sim, um que perpetua sistemas antigos de violência e dominação enquanto debilita as possibilidades para ação coletiva.
Marcelo também reconheceu vários benefícios das UPPs, como minimizar a presença ostensiva de armas e drogas e, eventualmente, diminuir os tiroteios e mortes que ocorrem regularmente na Maré. “Isso é legal… Eu não posso ser contra isso”, ele explicou. No entanto, o Repper Fiell desafiou ao afirmar que isso por si só não deve ser o padrão para o sucesso depois de cinco anos da presença da UPP no Santa Marta. “Melhorou, meu filho pode correr. Isso é direito dele! Não é favor!”
Vários palestrantes argumentaram que a pacificação da polícia não foi acompanhada pelos investimentos prometidos em programas sociais e melhorias de infra-estrutura. Cilene Vieira, graduada em Serviço Social e moradora de Cidade de Deus, afirmou que o programa UPP Social, que visa trazer os serviços públicos em falta, além da segurança, deixou “muitas coisas a desejar” tanto em termos de implementação do projeto como em relação a participação dos moradores. André Constantino, morador da Babilônia e integrante do movimento Favela Não Se Cala, descreveu favelas com ratos enormes e sistemas de esgoto abertos anos depois da chegada da UPP. O Repper Fiell exclamou que os bilhões de reais investidos na suposta pacificação só resultaram em “falta da cidadania” e “controle social, controle cultural”. Ele citou a Resolução 013que proíbe festas e eventos em comunidades pacificadas.
O debate levantou questões sobre a qualidade de vida nas favelas; vários palestrantes apontaram para o absurdo da pintura das fachadas das casas enquanto a saúde pública e educação são negligenciadas. Repper Fiell argumentou que na verdade a qualidade de vida piorou devido a custos de vida mais altos associados às favelas controladas pelas UPPs, que não se alinham com os salários dos moradores (por exemplo, em vez de contas de energia elétrica de taxa fixa, alguns moradores afirmaram que recebem contas com valores de até R$900 por mês).
Os palestrantes também afirmaram que as UPPs estão ligadas a um projeto mais amplo que, efetivamente, deixa “uma cidade mercantilizada e elitizada“. André argumentou que o projeto de segurança visa “integrar” os pobres urbanos através do consumo material, ou expulsá-los por meio da gentrificação ou remoções forçados.
Repper Fiell argumentou que as pessoas trocam ou confundem “cidadania” com “consumo”, e que é fácil os moradores das favelas confundirem seus “direitos” para a compra de bens com seus direitos humanos. Do seu ponto de vista e de André também, a UPP é uma protagonista nesse processo para “explorar a favela e criar mais um espaço para lucrar”. O papel da UPP em aumentar valores de propriedade, tanto dentro das comunidades pacificadas como nos bairros ao redor, também foi citado.
Além das criticas, a discussão também cobriu possibilidades de ação política. Repper Fiell mostrou os panfletos que ele e outros distribuíram no Santa Marta em cerca de 2.000 casas, explicando aos moradores seus direitos e deveres em relação à polícia, um projeto que reduziu significativamente as violações da polícia. Ele brincou que, se a polícia estivesse realmente lá para “pacificar” e “criar cidadãos”, teria ajudado a distribuir os panfletos. Em vez disso, eles o prenderam.
Vários participantes aplaudiram o evento pela criação de um espaço explicitamente para as vozes dos moradores das favelas, dada a ausência de tais perspectivas em muitas discussões sobre a pacificação por toda a cidade. “A gente tem que ocupar esses espaços sim!”, disse André sobre universidades, fóruns e audiências públicas. Ele criticou o paradigma em que pesquisadores acadêmicos entram na favela e usam as histórias dos moradores–”Eu me sinto um rato num laboratório”–e em seguida os moradores nunca mais veêm o trabalho que é produzido e os benefícios permanecem fora da comunidade. Ele disse: “Favelados tem que falar por favelados, e tem que falar pela favela.”
O Cidadão está planejando continuar este debate com outros eventos em diferentes locais da Maré sobre outras questões importantes da favela, e os moradores estão incentivados a participar e debater a cidade e suas comunidades.
Conheça a Rio On Watch
Fonte:
http://rioonwatch.org.br/?p=5786
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RioOnWatch (Rio Olympics Neighborhood Watch = Comunidades do Rio de Olho nas Olimpíadas), é um projeto da organização Comunidades Catalisadoras (ComCat) para dar atenção local e global para os pontos de vista oriundos das favelas do Rio de Janeiro até 2016. É o único site de notícias em inglês que publica as perspectivas de líderes comunitários, moradores de favela, e observadores internacionais, em relação as rápidas transformações urbanas que atualmente caracterizam Rio.
O projeto RioOnWatch também trabalha para ampliar a participação de jornalistas comunitários e observadores internacionais que estão fazendo relatos sobre as recentes transformações da cidade, e para dialogar com a grande imprensa e mídia alternativa, com o objetivo de gerar uma imagem mais precisa e verdadeira sobre as favelas, sua contribuição à cidade, e as opiniões que dali saem.

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