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PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL DO PONTEIO Nº 1 DE PEDRO MIGUEL A PARTIR DA MODELAGEM DO PONTEIO Nº 11 DE GUARNIERI PEDRO MIGUEL DE MORAES Universidade Federal de Campina Grande pedromiguelmusica@hotmail.com LIDUINO PITOMBEIRA Universidade Federal de Campina Grande pitombeira@yahoo.com 136 136||REVISTA REVISTA MÚSICA MÚSICA ||v.v.13 13||nno o1,1,p.p.136-154, 136-154,ago. ago.2012 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... RESUMO Este artigo trata da modelagem do sistema composicional do Ponteio Nº11, de Camargo Guarnieri, e tem como objetivo identiicar, com base na análise de certos parâmetros musicais desta peça, um conjunto de prescrições hipoteticamente utilizadas em sua construção. Tais prescrições, devem, posteriormente, viabilizar a composição de peças originais. A modelagem de sistemas composicionais é, dessa maneira, um trabalho de reengenharia, no qual se busca realizar o caminho inverso da composição, isto é, partindo da obra, chega-se a um conjunto de deinições que possam ter sido um ponto de partida para sua construção. Assim, o sistema modelado a partir do Ponteio Nº11 de Guarnieri foi utilizado na composição do Ponteio Nº 1, de Pedro Miguel, a im de veriicar a capacidade do sistema composicional modelado de captar certas peculiaridades estéticas e preceitos de conexão paramétrica, bem como os aspectos micro e macroestruturais da peça em estudo. palavras-chave: Sistema Composicional; Camargo Guarnieri; Ponteio Nº 11; Ponteio Nº 1. REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 137 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA COMPOSITIONAL PLANNING OF PEDRO MIGUEL’S PONTEIO Nº. 1 BASED ON THE MODELLING OF GUARNIERI’S PONTEIO Nº. 11 ABSTRACT his article deals with the modeling of the compositional system of Ponteio Nº 11, by Camargo Guarnieri, and aims at identifying, based on the analysis of certain musical parameters of this piece, a set of prescriptive rules hypothetically used in its construction. hese requirements should then enable the composition of original pieces. hus, the modeling of compositional systems is a work of reverse engineering, in which one tries to follow the reverse path of composition, i.e., starting from a piece, we arrive at a set of deinitions that may have been a starting point for its construction. hus, the system modeled ater Guarnieri’s Ponteio Nº 11 was used in the composition Pedro Miguel’s Ponteio Nº 1, in order to verify the ability of the modeled compositional system to capture certain aesthetic peculiarities and precepts of parametric connection as well as micro and macro-structural aspects of the analyzed work. keywords: Compositional System; Camargo Guarnieri; Ponteio Nº 11; Ponteio Nº 1 138 | REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... E sta pesquisa trata da modelagem do sistema composicional utilizado pelo compositor Camargo Guarnieri (1907-1993), na criação do Ponteio Nº 11, que se encontra no segundo caderno de sua série para piano denominada Ponteios. O sistema modelado será utilizado, em uma segunda fase, no planejamento composicional de uma obra original para piano. A pesquisa foi realizada a partir da observação detalhada da estrutura da obra (em níveis macro e micro) bem como da sistemática utilizada pelo autor no tratamento dos parâmetros musicais altura e ritmo. Com base na observação quantitativa e qualitativa de como as diversas unidades estruturais da obra se inter-relacionam, progridem e se transformam no decorrer do tempo musical, foi proposto um sistema composicional, inde- pendentemente da intencionalidade autoral, que permitiu deinir uma sintaxe de conexão paramétrica do Ponteio Nº 11, com ins analíticos e prescritivos. Ao propor uma modelagem sintática desta peça, esse estudo visa contribuir não só para a compreensão da linguagem guarnieriana, mas também colaborar no avanço da deinição de uma sintaxe repleta de ambiguidades, que se situa no limiar entre o tonal e atonal, e que está presente em diversos repertórios a partir do início do século XX, especialmente nas obras de compositores que utilizaram concomitantemente elementos nacionais e sonoridades atonais. Nessa introdução faremos uma breve fundamentação sobre sistemas, do ponto vista geral e musical, para em seguida analisar a peça, modelar o sistema propriamente dito e compor uma obra original a partir do sistema modelado. REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 139 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA SISTEMAS COMPOSICIONAIS “Um sistema é um complexo de elementos em interação”, assim airma Ludwig von Bertalanfy (2008, p.84), formulador da Teoria Geral dos Sistemas, considerando a música, as artes em geral e a linguagem, como parte de um nível hierárquico denominado sistemas simbólicos, onde os modelos se organizam a partir de “regras do jogo”, que são algoritmos simbólicos (p.53). Diferentemente dos sistemas naturais, os quais “não devem sua própria existência a um planejamento ou execução consciente do homem” (LAZLO, 1972, p.23 apud Vasconcellos), os sistemas musicais consistem em “conjuntos bem deinidos de operações realizadas em conigurações musicais” (WINHAM, 1970, p.43). Conigurações musicais se relacionam com a ideia de parâmetro musical, que, segundo Alves (2005, p. 23), “é uma variável ou constante à qual, em uma relação determinada ou em uma questão especíica, atribui-se um papel particular e distinto de outras variáveis ou constantes”. Tratando dessa maneira o sistema tonal, isto é, como um sistema 140 | REVISTA MÚSICA musical, Winham (p. 43) airma que este apenas versa sobre operações com relação aos parâmetros altura e ritmo, onde o primeiro é tratado com maior rigor do que o último. Uma visão pragmática de sistema composicional é dada por Herbert Brun (SMITH, 1979, p.68): “Se eu deinir um sistema a partir de seus elementos, digamos, as 88 teclas de um piano, cada um destes elementos podem estar em dois estados: on e of; eu vou então escrever uma série de instruções especiicando quando estes elementos devem mudar de estado, quantos deles devem mudar, em que sequência, e assim por diante”. Considerando esta visão, podemos entender a composição como “uma atividade criativa, onde o músico organiza estruturas que acionam processos físicos de produção sonora” (MANZOLLI, 2001, p.3), podendo estas estruturas serem concretas (sons gravados e manipulados) e abstratas (instruções paramétricas a serem executadas por instrumentistas), sendo esta última o tipo de estrutura aqui estudado. Para dar exemplos de sistemas, Ferraz (2008, p.32) cita: tonal, modal, atonal, atonal livre, serial, hiperserial, espectral, | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... minimal, etc. Para uma exempliicação mais especíica, Manzolli (2001, p.4) aponta sistemas composicionais baseados em recursos algorítmicos, incluindo Guido d’Arezzo, Mozart, Haydn, C.P.E.Bach e John Cage. Nosso propósito de pesquisa é modelar o sistema composicional que originou o Ponteio Nº 11 de Guarnieri. Se pensarmos em uma estrutura hierárquica onde um sistema composicional esteja em um nível arquetípico-gerativo, sendo seguido, nos níveis subsequentes, pelos possíveis planejamentos e pelas possíveis obras, como mostra o diagrama da igura 1, o ponto de partida composicional deve ser a elaboração de um sistema, mesmo que de forma intuitiva, isto é, sem uma formalização rigorosa conscientemente determinada pelo compositor. Em nossa perspectiva de modelagem, não há interesse em revelar historicamente se Guarnieri, de alguma forma, planejou a estrutura dos Ponteios, ou muito menos se partiu da elaboração de um sistema. A modelagem composicional funcionará aqui como uma reengenharia, onde tentaremos desvendar os gestos sintáticos e estéticos que conferiram à obra sua coerência e caráter singu- lares. Os resultados serão veriicados do ponto de vista estético pela paráfrase prescritiva, isto é, pela construção de uma obra original a partir do sistema modelado. Do ponto de vista sistêmico, busca-se chegar a uma série de deinições que possibilitem a reconstrução da obra original, através de algum tipo de planejamento composicional. Uma vez deinido o conceito de sistemas composicionais, introduziremos, a seguir, a análise dos aspectos macroestruturais (forma), das sonoridades (gestos harmônicos e melódicos) e de alguns aspectos relacionados à estrutura rítmica. A essa análise, e com base nela, segue-se a modelagem do sistema composicional, que numa fase posterior será utilizado para a elaboração do planejamento composicional de uma obra original. REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 141 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA figura 1: Hierarquia de modelagem composicional. MACROESTRUTURA A macroestrutura do Ponteio Nº 11, contêm mudanças sutis em relação à conforme se indica na tabela 1, con- exposição inicial desses temas. siste de três seções e uma coda, sendo a seção A formada por dois períodos separados por um conector (k) e diferenciados em seus elementos motívicos inais, como se pode ob- Tabela 1: Diagrama macroestrutural do servar na igura 2, que mostra as três Ponteio Nº 11, de Camargo Guarnieri ocorrências do tema a (duas na seção A e uma na seção A’). A escolha da dimensão do tema a, compreendido como a justaposição dos elementos motívicos x, y e z (mostrados na igura 2) e não apenas de x e y, como aparece na seção A’, se deve ao fato, observado por Fialkow (1995, p.93), de que as recapitulações temáticas na maioria dos Ponteios são reduzidas e 142 | REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... figura 2: Temas a1, a2 e a3 do Ponteio Nº 11 de Camargo Guarnieri Observamos também em a2, que o compositor cria ambiguidade no inal do período através da transposição do elemento z, uma oitava abaixo do esperado (uma vez que o tema do período a2 foi transposto uma oitava acima) e, ainda, adicionando uma linha simultânea que, por conta da proximidade de registro com o material temático, apresenta melhor continuidade melódica. Ao optarmos pela boa continuidade, percebemos coerência na construção da linha melódica a partir do modo Mi eólio destituído do 6º grau (Dó ). Se, por outro lado, optarmos pela recorrência, aparece uma exceção ao material escalar (Fá ), sugerindo uma rápida sonoridade Mi frígia. O Mi eólio sem o 6º grau pode ser ainda interpretado como uma série de quartas empilhadas (Fá - Si – Mi – Lá – Ré – Sol), que é uma escala pentatônica acrescida de uma nota (Fá inicial). A harmonia quartal é utilizada abundantemente por Guarnieri no Ponteio Nº 11, como veremos adiante, ao identiicarmos as sonoridades características da obra. É possível ainda observar uma linha cromática descendente, que pode ser detectada em um nível mais profundo do que a linha melódica e os arpejos harmônicos. Essa linha se apóia em notas estruturais a partir do REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 143 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA critério de alturas salientes. Na igura 3, temos um diagrama redutivo que inclui a melodia e essa linha estrutural que acompanha a1 e aparece em a2 e a3 de forma mais reduzida. Essa linha retorna em nível mais supericial na seção B, onde será uma das camadas estruturais. figura 3: Linha cromática descendente no Ponteio N°11, de Camargo Guarnieri 144 | REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... SONORIDADES Para classiicar o vocabulário harmônico do Ponteio Nº 11, utilizaremos a taxonomia sugerida por Pitombeira (2009, p.49-51), na análise do Concerto para piano e orquestra Nº 5, de Camargo Guarnieri, que consiste em agrupar sonoridades com alto grau de similaridade (como o tricorde [016]1 e [0167]) ou mesma origem tricordal (tricordes com sétima). Neste sistema classiicatório, o tipo 1 corresponde ao tricorde [016] ou ao tetracorde [0167], o tipo 2 é tipicamente associado com harmonia quartal, o tipo 3 consiste em tríades maiores (3a), menores (3b), o tipo 4 se relaciona com gestos cromáticos, e o tipo 5 é uma expansão do tipo 2a, através da justaposição de um trítono em uma das extremidades de um tricorde [027] disposto em quartas justas. Para a análise do Ponteio Nº 11, acrescentamos uma expansão nos tipos 2 e 3. A expansão no tipo 2, consiste em incluir tricordes formados pela remoção de qualquer uma das notas interiores de um tetracorde formado por quartas justapostas ([0257]), o que produz um tricorde [025]. A expansão do tipo 3 ocorre pela inclusão de tétrades formadas pela justaposição de uma sétima, maior ou menor, aos tricordes da classe de conjuntos [037], o que produz os tetracordes [0258], [0158], [0148] e [0358]. A tabela 2 mostra a tipologia de sonoridades que serão utilizadas na modelagem do Ponteio Nº 11 e suas equivalentes formas primas, de acordo com a terminologia da Teoria dos Conjuntos e Classes de Notas de Allen Forte. Partindo da macroestrutura da obra, mostrada na igura 1, identiicamos os tipos de sonoridade das seções A e B, juntamente com o número de ocorrências. As iguras 4 e 5 exempliicam o processo de segmentação utilizado na identiicação dessas sonoridades, cuja quantidade é indicada entre colchetes. A tabela 3 indica as quantidades das sonoridades encontradas em toda a obra. Observamos nessa tabela, a preponderância da tríade menor 1 Neste trabalho, as classes de conjuntos de classes de notas (set classes) são representada pela forma prima entre colchetes e não pelo número de Forte (1973). Assim, a sonoridade Dó-Dó Ré, por exemplo, será rotulada de [012] e não 3-1. REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 145 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA (tipo 3a) e do tricorde construído por superposição de quartas justas (tipo 2a). Outra sonoridade utilizada consideravelmente durante a obra é o tipo 2c, também de características quartais. No total, temos, portanto uma predominância da harmonia quartal, evidenciada pela preponderância do tipo tabela 2: Tipologia de sonoridades utilizadas no Ponteio N° 11, de Camargo Guarnieri 146 | REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... ESTRUTURA RÍTMICA Uma iguração rítmica presente no acompanhamento, especialmente no período a1, conforme se pode observar na igura 4, é construída basicamente pela justaposição de dois padrões: um que consiste numa iguração de síncope, formado por colcheia + semínima + colcheia e outro formado por quatro colcheias consecutivas. Este arquétipo rítmico está presente em toda obra, mas, nos co- nectores, uma nova intenção rítmica se origina pela reorganização métrica, que transforma esses conjuntos de quatro colcheias em grupos de três, assim percebidos por conta do contorno melódico desenhado e pela articulação, como pode ser observado na igura 6, onde também se indicam os tipo de sonoridades utilizados no conector k. tabela 3: Quantidade das sonoridades utilizadas no Ponteio N° 11, de Camargo Guarnieri. REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 147 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA figura 4: Tipologia de sonoridades do período a1 do Ponteio N°11, de Camargo Guarnieri. figura 5: Tipologia de sonoridades do período b do Ponteio N°11, de Camargo Guarnieri. 148 | REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... figura 6: Estrutura rítmica e tipologia de sonoridades do conector K do Ponteio N°11, de Guarnieri. CONCLUSÕES ANALÍTICAS O Ponteio Nº 11 de Camargo Guarnieri tem as seguintes características: a) Um tema, construído a partir do Mi eólio eclesiástico incompleto (sem o Dó). b) A estrutura é organizada na forma A B A’ + coda, tendo a seção A duas frases ligadas por um conector (K). O tema aparece somente nas seções A e A’. c) As sonoridades (gestos horizontais e verticais) consistem em sua maioria nos tipos 3a, 2a e 2c, em ordem hierárquica, sendo os demais tipos utilizados em menor quantidade. colcheia+semicolcheia+colcheia e a segunda de uma série de colcheias agrupadas. Uma característica que se observa ao compararmos os dois conectores (K e K’) é que a iguração rítmica de colcheias é remetriicada nesses conectores, que têm o seguinte princípio de construção complementar: na seção A, que tem mais ocorrências do tipo 2 (25) do que do tipo 3 (12), a mão esquerda do conector arpeja o tipo 2, em colcheias e delineia o tipo 3, em semínimas pontuadas; na seção B, ocorre o inverso, ou seja, o conector arpeja o tipo 3 (que tem 10 ocorrências) e delineia o tipo 2 (que tem 6 ocorrências). d) A estrutura rítmica do acompanhamento é construída, em sua maioria, pela combinação de duas células: a primeira consiste de REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 149 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA DEFINIÇÃO DO SISTEMA COMPOSICIONAL DO PONTEIO Nº 11 A tabela 4 mostra o sistema composicional que tem o potencial de gerar o Ponteio Nº 11. Proporemos um sistema que focalize unicamente na estrutura e no parâmetro altura, considerando que a descrição analítica da peça se concentrou preponderantemente nessas características, com um mínimo detalhamento sobre o ritmo. O sistema será elaborado a partir de um conjunto de deinições, que serão fechadas o suiciente para caracterizar a obra com a maior idelidade possível e abertas o suiciente para possibilitar a elaboração de obras diferenciadas, porém com o mesmo fundamento sistêmico. Isto será demonstrado na próxima seção, onde será realizado o planejamento composicional de uma obra original, a partir do mesmo sistema hipoteticamente utilizado na composição do Ponteio Nº 11. tabela 4: Sistema Composicional do Ponteio N°11, de Camargo Guarnieri 150 | REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... PLANEJAMENTO DO PONTEIO Nº 1, DE PEDRO MIGUEL O planejamento do Ponteio Nº 1, de Pedro Miguel está situado num nível hierárquico inferior ao sistema composicional, obedecendo assim às prescrições deste, e trazendo determinações que possam estar de acordo com a ilosoia proposta pelo sistema. O planejamento versará sobre a macroestrutura, incluindo a dimensão de suas partes, sobre os tipos de sonoridades presentes em cada seção dentro dessa macroestrutura, e sobre o material escalar utilizado na construção do tema. O aspecto rítmico, que não é abordado no sistema composicional previamente deinido, será tratado de forma livre. A forma será articulada a partir do diagrama da tabela 5, onde se observam as seções, suas divisões em períodos e conectores, com as respectivas quantidades de compassos e tipos de sonoridades empregadas. O tema será construído a partir do Fá jônio incompleto (faltando o Mi). tabela 5: Forma da obra original Ponteio Nº 1, de Pedro Miguel REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 151 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA Como resultado, certas semelhanças podem ser percebidas entre o Ponteio N° 1, de Pedro Miguel, e o Ponteio Nº11 de Guarnieri. Na igura 7, que mostra os quatro compassos iniciais de ambas as peças, pode-se observar, por exemplo, uma melodia simples de caráter modal acompanhada por uma harmonia cujas sonoridades intrínsecas remetem aos tipos deinidos no sistema, tais como acordes quartais e derivados, e tríades puras e com sétima. Mesmo com esta forte semelhança estrutural, podem-se perceber diferenças na superfície de ambas as obras, algo que se dá pela lexibilidade do próprio sistema composicional. Assim, de acordo com o trecho mostrado na igura 7, no Ponteio N° 11, de Guarnieri, o acompanhamento harmônico dos dois primeiros compassos é espalhado no tempo, enquanto nos dois primeiros compassos do Ponteio N° 1, de Pedro Miguel, os acordes são basicamente atacados em blocos. Observa-se também que Guarnieri utiliza uma segunda voz homorritmicamente conectada à melodia principal, um recurso que não foi utilizado por Pedro Miguel. figura 7: Comparação entre os quatros compassos iniciais do Ponteio Nº 1, de Pedro Miguel e o Ponteio Nº 11, de Camargo Guarnieri 152 | REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 PLANEJAMENTO COMPOSICIONAL... figura 8: Página inicial da obra original Ponteio Nº 1, de Pedro Miguel REVISTA MÚSICA | v. 13 | no 1, p. 136-154, ago. 2012 | 153 PEDRO MIGUEL DE MORAES E LIDUINO PITOMBEIRA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, J. Orlando. Invariâncias e Disposições Texturais: do Planejamento Composicional à Relexão sobre o Processo Criativo. 210 páginas. 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