domingo, 1 de junho de 2014

Novelando: Algumas considerações sobre o que está, ou estava no ar


Antes de desembestar falando, esclareço que estou acompanhando mal e mal somente uma novela: Meu Pedacinho de Chão.  Só que assisti nesta última semana uns fragmentos de Pecado Mortal.  Por que nunca acompanho as novelas contemporâneas da Record?  No fim das contas, elas acabam me parecendo sempre muito boas, tanto ou mais que alguns produtos globais.  No entanto, os horários das tramas e a minha falta de paciência com as mudanças de horário que a emissora promove não ajudam em nada... E estou assistindo A Sucessora.  Comentarei rapidamente algumas das minhas impressões sobre as três obras.

Confirmei a minha impressão inicial, trata-se de uma novela muito gostosa de se assistir.  Com falhas, sim, mas poética, encantadora.  Só para citar um momento meio mágico desta semana, foi magnífica a seqüência toda do Zelão indo comprar tecidos para fazer um terno “moderno”.  A movimentação da câmera, o olhar do Irandhir Santos, o recorte de revista dos anos 1950 com o modelo de homem bem vestido e, depois, todo o clima de magia no ateliê da costureira.  Não vi o capítulo de hoje, não sei se ele já vestiu o terno, mas essas cenas sintetizam tudo o que Meu Pedacinho de Chão tem de melhor.


Agora, apesar de todo o clima maravilhoso-fantástico que circunda a história, é possível perceber a grife do Benedito Ruy Barbosa.  O Coronel Epa, interpretado de forma magistral por Osmar Prado, já começou a sair do lugar de vilão, que talvez passe para o prefeito, para o batidíssimo de coronel modelo, isto é, ele pode parecer malvado, pode parecer duro, mas é somente o paizão que sempre sabe o que é melhor para todos.  O elogio ao patriarcado, mas quem, como eu, acompanhou sabe-se lá quantas novelas desse homem, sabe que isso é padrão.  

Mas estamos em ano eleitoral e nada como jogar com isso dentro das novelas.  Foi bem reacionária a fala do Ferdinando sobre o voto dos analfabetos, pintando-os como massa de manobra eleitoral.  Talvez, ela fizesse sentido lá nos idos de 1970, como as da professora e do médico, depreciando os saberes tradicionais, como se conhecimento de verdade só viesse nos bancos das escolas, mas, hoje, é reforçar (pre)conceitos.  Acredito que todo mundo conhece pelo menos um analfabeto mais sábio que um doutor – e falo de doutor com doutorado mesmo – e que questionar o direito de voto dos analfabetos, ou dos pobres, ou dos jovens, é estratégia utilizada pelos setores mais retrógrados da sociedade.  Pior é que o alvo de várias falas é a Mãe Benta.  Será que ela vai deixar de partejar, benzer, e fazer seus chás, porque, bem, isso tudo é superstição?  Espero coisa melhor.


Enfim, amo meu Pedacinho de Chão, amo o conjunto da obra, que caiu nas graças dos críticos, só que outra coisa que está me irritando é o encaminhamento do romance entre Gina e Ferdinando.  Que estava óbvio desde o início que a moça iria ser transformada para se enquadrar dentro dos estereótipos de gênero, não questiono, mas o desenrolar do romance dela com o Ferdinando me incomoda bastante.  A dinâmica estabelecida é menos de sedução, ainda que ela esteja lá, mas de demonstração de quem é mais forte.  Ferdinando mostra que não é covarde, que é homem "de verdade", beijando Gina à força.  A cena escamoteia a violência, porque sinaliza o tempo inteiro que era isso o que ela queria, que é assim que ela vai se tornar finalmente uma mulher.  E contará para isso com a ajuda da professora Juliana, que é linda como uma boneca e vazia tal e qual quando a questão é discutir esses papéis de gênero massificados.  Poderiam fazer melhor, mas parece que Gina vai virar mocinha convencional mais cedo ou mais tarde.

Falando em A Sucessora, sempre quis muito assistir esta novela e fui lá e comprei o box.  Para quem não sabe, A Sucessora é baseada em um livro de Carolina Nabuco, que foi plagiado pela britânica Daphne Du Maurier.  Rebecca, o fruto desse plágio, rendeu um filme de mesmo nome que venceu o Oscar de Melhor Filme em 1941.  Curiosamente, e isso daria um excelente estudo, bebe no filme tanto quanto no livro, especialmente, para compor a governanta Juliana, a vilã representada por Nathalia Timberg.  


Tal como em outros produtos da Globo, o tratamento dado ao material foi ruim.  Cortes mal feitos, cacos aqui e ali, com a referência à cenas que pareciam importantes para o andar da trama – ou não seriam referenciadas em outras – que simplesmente não estão lá.  Enfim, mas pelo menos tenho o gostinho da trama.  A novela é boa e o figurino é espetacular.  Confirma-se, também, o quanto as tramas das seis eram mais complexas e inteligentes do que são hoje em dia, com sua limitações dramáticas impostas pela classificação indicativa e pela falta de sutileza e inteligência dos autores.  enfim, é complicado perceber que, pelo menos neste aspecto, estávamos melhor no final da ditadura.  É possível perceber, também, na trama algumas das marcas da obra de Manoel Carlos – sim, ele assina A Sucessora – como aqueles papinhos vazios elitistas, a tentativa de trazer notícias contemporâneas para dentro da trama e as sugestões de leituras diversas marcadas pelas falas das personagens.  

É estranho ver Susana Vieira fazendo a mocinha ingênua.  Marina parece fragilizada demais, especialmente, quando se apequena diante da memória da falecida Alice Stein.  Mas Vieira consegue segurar bem o papel e convence como uma jovenzinha, mesmo beirando os quarenta na époc.  Rubens de Falco, que faz Roberto Stein, definitivamente era um ator excepcional.  Elegante, charmoso e cheio de recursos.  As últimas cenas que vi – estou no DVD 6 de 9 – com a personagem soltando os bichos em cima da governanta – que não sei se na novela é apaixonada por ele ou pela falecida, como no filme – e na esposa por conta da fixação por Alice foram ótimas.  Adoro o Rubens de Falco e ele não foi brilhante somente como Leôncio de Escrava Isaura.  Queria muito poder assistir Gaivotas, que é com ele, também, mas acho que esta novela é missão impossível.


Outro destaque de A Sucessora é a espevitada Adélia, de Liza Vieira, que apesar de deslumbrada e doida para agarrar um milionário, é simpática, pra cima e solidária com a prima.  Arlete Salles também está ótima como Germana, irmã de Roberto Stein, uma mulher fútil, vaidosa, autoritária, que comprou um marido – Kadu Moliterno na flor da idade – e faz gato e sapato dele.  Dá-se uma inversão dos papéis de gênero, com a mulher mais velha desfilando um marido troféu, só que o moço, que parecia ser vazio e acomodado, decide dar seu grito de libertação.  Aí, claro, os papéis de gênero começam a voltar ao “normal”, com Germana cada vez mais histérica e desesperada pela atenção do marido.

O malinha que amamos odiar da novela é o Miguel, de Paulo Figueiredo.  Ele ama Marina, era seu melhor amigo e sempre próximo por ser primo dela.  Sonhava em se casar com a prima, usava de sua ascendência intelectual sobre ela impondo-lhe leituras e acreditando, também, que sua visão de mundo.  Ele é machista e irritante, meio soturno, lembra-me um pouco outra personagem do Maneco, o psicopata do Laerte de em Família.  Só que Miguel se quebra legal quando Rubens de Falco aparece na vida de Marina e faz a moça chutar o pau da barraca e se rebelar contra o noivado imposto pela mãe e pelo primo.  


Só que a graça é que Miguel continua personagem importante, sempre perto de Marina, confidente e mais amargo a cada dia.  A mulherada cai em cima dele – Paulo Figueiredo estava bonitão na época – desde a solteirona deslumbrada até a feminista interessante, mas ele nada.  Daí, aparece uma mocinha da roça, como Marina era, sobrinha da dona da pensão onde ele mora.  Quero ver se dessa vez vai colar a estratégia machista de controle mental e dominação que ele tentou usar com a Marina... Aguardemos!  Depois faço uma resenha geral da novela.

E tem Pecado Mortal.  Não ia comentar nada da novela, mas gostei da entrevista com o Carlos Lombardi na UOL e acho que vale a pena escrever uns dois parágrafos.  Em primeiro lugar, Pecado Mortal tem a marca do autor, é bater o olho e ver que é produto do Lombardi.  E não falo isso somente por causa dos sujeitos descamisados, mas pelo tipo de humor mesmo.  No entanto, do pouco que vi, Pecado Mortal me pareceu mais madura que qualquer obra dele para a Globo.  A Record lhe deu mais liberdade, ao que parece, e o resultado foi bom.  E concordo com o Lombardi quando ele diz que há gente muito boa na Record que não se acha tão boa assim.  Imagino que ele falasse de gente como o Vitor Hugo, que interpretou o vilão Picasso.  


Acho que exageraram e escorregaram ao situar a trama nos anos 1970, mas não vi cena que não fosse pelo menos interessante.  Colocar o mocinho (Fernando Pavão) sendo obrigado a matar o próprio pai (*procurem a cena e assistam*) foi surpreendente e cruel, e, depois, ele confronta o vilão expondo a sua homossexualidade reprimida.  Foi, para mim, a seqüência ápice do último capítulo.  Afinal, quem nunca viu paixão enrustida na fixação de um vilão pelo herói da história?  Não precisa ser fujoshi para isso, eu asseguro!  

De resto, concordo com Lombardi que a Record trabalha contra a consolidação da sua dramaturgia.  Gostei das novelas de época da rede, mas elas foram abandonadas.  As outras novelas não têm horário fixo e há a rejeição do público simplesmente por ser um produto da Record.  Como a audiência só é satisfatória quando se trata de novelas e seriados bíblicos, o caminho da rede parece ser esse.  Enfim, não imagino Carlos Lombardi escrevendo novela ou minissérie bíblica... quer dizer, até imagino, mas não acho que iriam ter coragem de lhe dar espaço para transformar em herói bombadão alguma personagem bíblica... Sansão, talvez, mas já fizeram a minissérie. :P


Enfim, é isso.  O post não foi muito objetivo, mas não tinha fôlego ou tempo para fazer um para cada novela. 

6 pessoas comentaram:

Pretende assisti "Malévola"?

Não está nem dando uma espiada na novela das 7?
A novela que não desce de jeito nenhum é das 9. Dá sono rsrsrs

Sobre Meu Pedacinho de Chão, eu só vejo uns pedaços porque minha priminha adora. E só pelas chamadinhas e fragmentos ak e acolá, posso dizer que eu amo o Zelão. A questão da carteira de trabalho, a vontade de aprender a ler e escrever, as angústias e as belezas que o amor dele pela professorinha evocam...gosto mesmo dele.E não tenho dúvidas que a "perfessora" não merece um cara como ele. Vc falou bem, ela é vazia como uma boneca, eu achava a professorinha Helena do Carrossel muito aguadinha, mas peloamor ela dá de mil nessa daí.
A história da Gina nem se fala...

Saudade das suas resenhas, espero também uma resenha de Malévola. Tenho certeza que você vai amar. =*

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