quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Comentando Valérian e a Cidade dos Mil Planetas (França, 2017)


Sexta-feira passada, fui com meu marido assistir Valérian e a Cidade dos Mil Planetas (Valérian et la Cité des mille planètes), produção francesa falada em inglês e baseada nos quadrinhos Valérian and Laureline, de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières.  Gostei.  O filme funcionou em quase todos os aspectos.  É uma boa ficção científica, passa uma mensagem otimista em relação ao futuro da humanidade, tem ação, sem se focar somente nas cenas de correria, algum romance, e, bem, você consegue ver exatamente onde cada um dos 200 milhões de euros foi gasto.  Os defeitos, sim, existem alguns, não conseguem diminuir o espetáculo e o prazer em assistir ao filme.

Em 2740, Valérian (Dane DeHaan) e Laureline (Cara Delevingne) são dois agentes espaço-temporais à serviço do Governo dos Territórios Humanos. Enquanto se dirigem para uma missão em um planeta no qual existe um Grande Mercado turístico, Valérian acaba sendo recebendo uma mensagem vinda do planeta Mül, que havia sido destruído fazia 30 anos.  Curiosamente, a missão de Valérian e Laureline é recuperar um animal valiosíssimo chamado conversor Mül, capaz de replicar qualquer  coisa.  Ele seria o último de sua espécie.

Alpha no seu auge.
Cumprida a missão, eles se dirigem para Alpha, uma evolução da estação espacial internacional que, no passado, orbitara o nosso planeta.  Agora, o lugar, a tal cidade dos mil planetas do título, abriga mais de 17 milhões de pessoas de todos os cantos do universo e cerca de 800 espécies diferentes.  Em Alpha, eles precisam investigar o motivo de uma área da estação ter se tornado radioativa.  O comandante da estação, Arün Filitt (Clive Owen) guarda um terrível segredo e para mantê-lo será capaz de qualquer coisa, inclusive matar os heróis do filme.

O filme de Luc Besson abre com uma belíssima sequência ao som de Space oddity, de David Bowie.  Enquanto a música toca, podemos observar a estação internacional evoluindo e se tornando a cidade dos mil planetas.  Primeiro, americanos e soviéticos se cumprimentam, outros terrestres, chineses, indianos, vão se juntando aos que estão na estação.  A estrutura cresce, se sofistica, aparecem várias raças extraterrestres até que a estação se torna grande demais para orbitar nosso planeta e é lançada no espaço profundo.  Temos um curta metragem redondinho e que nunca, jamais acontecerá, porque, bem, nós, humanos, vamos nos destruir antes.  Depois da música, ou no final dela, o discurso do presidente terrestre encarnado por Rutger Hauer, que me pareceu muito bem com seus 70 e poucos anos.  Da última vez que o vi, ele parecia meio destruído.

Todos são militares no filme.
O futuro de Valérian e Laureline foi forjado em 1967 e é quase contemporâneo ao de Jornada nas Estrelas (Star Trek).  Curiosamente, eles têm em comum o otimismo em relação ao futuro da humanidade.  Conseguiríamos não destruir nosso planeta, nos civilizar, travar contato com outras espécies e nortear de alguma forma esse conglomerado de povos que habitam a tal estação.  O segredo do vilão, que não quer dominar o universo, e poderia ser comparado a líderes de nosso planeta hoje, tem a ver com manter essa hegemonia – aparentemente moral – dos humanos nesse arranjo inter-racial.  Ele cometeu um crime de guerra, que pode se desdobrar em sanções para todos os humanos.  Em Valérian, temos um vilão possível e coerente, não um louco insano.

O tal planeta Mül era pacífico, ainda que tecnologicamente atrasado, mas não foi poupado pelo vilão.  Um efeito colateral de uma batalha, destruiu toda uma civilização. Por qual motivo se preocupar com eles?  A guerra é mais importante, vencê-la significa mais.  Quantas vezes vilas, hospitais, escolas são atingidas em ações militares desastradas ou que, bem, não se importam com as baixas civis?  Quem nunca ouviu falar de corporações que poluem rios, destroem florestas, está Mariana aí para ilustrar, sem grandes problemas de consciência, ainda que tenham destruído o ganha pão, ou mesmo a vida das pessoas?  Em certos casos, os reais motivos são escondidos, diminuídos.  É de algo assim que Valérian e a Cidade dos Mil Planetas trata.

Os Mül
Em termos de efeitos visuais, Valérian é brilhante.  A sequência mais elaborada é a do Grande Mercado, quando a ação se dá em vários planos dimensionais, no entanto, a estação, o planeta Mül, tudo foi muito bem apresentado.  Os recursos tecnológicos foram explorados ao máximo e, como pontuei no primeiro parágrafo, nem um euro foi desperdiçado.  O visual, no entanto, está à serviço da história e ela funciona quase que o tempo inteiro.  O que, afinal, incomodou tantos críticos, especialmente, quando temos tanta complacência com filmes que se valem somente da tecnologia e não contam uma história decente?  Será que o fato de não ser uma produção americana pesou?

Li que o filme não tem roteiro.  Ele tem, sim e muito bem estruturado.  Agora, se a idéia era ter um super-vilão, lamento, o que temos é um militar e político capaz de tudo.  Talvez, com a eliminação de um miolo desnecessário, feito para promover Rihanna, que interpreta a extraterrestre Bubble, o filme ficasse mais redondinho, só que os vinte minutos não destroem o filme e ainda temos a sequência com Laureline e seu imenso chapéu indo servir laranjas, ou limões (*era o que ela pensava*) para o líder de um dos povos que habitava a estação. Por essa sequência até dá para quase perdoar a quebra de ritmo que o filme teve.  

Valérian ama Laureline, mas será que ela está interessada?
A dinâmica entre Valérian e Laureline é boa, mas meu marido ficou pontuando que a relação dos dois estava menos parecida com a dos quadrinhos e muito mais pautada no desenho animados.  Valérian nos quadrinhos não é mulherengo, nem fica de birras com Laureline.  Aliás, o objetivo maior do Valérian do filme é casar com a parceira.  O resto é detalhe.  Laureline, entretanto, apesar de se preocupar com Valérian, gostar dele, mantém melhor o foco na missão e dá uma memorável surra no vilão já no final da película.  Sabe, depois de tudo que o monstro fez, foi muito bem feito.  

Algo a se pontuar, é que o filme não é uma adaptação de um dos álbuns, ou mesmo dos quadrinhos, mas um apanhado de elementos que compõe a série.  Há extraterrestres, referências do universo das personagens que ajudam a compor o filme.  Algumas mudanças, porém, incomodaram e se eu não visse tantas qualidades no filme, elas seriam fatais, porque repercutem especialmente na forma como as mulheres são representadas.

O herói.
Primeira coisa, Valérian e Laureline são agentes espaço-temporais, não militares.  A militarização da agência me pareceu algo estranho e desnecessário.  Segunda coisa, Laureline e Valérian estão no mesmo nível, ele é mais experiente, mas ele não é major e ela sargento.  Aliás, nem se tocou na origem de Laureline, ela veio do século XI para o século XXVIII e conseguiu, com sua inteligência e talentos, se inserir muito bem no futuro.  O filme estabeleceu uma hierarquia inexistente entre as protagonistas, inclusive omitindo Laureline do título.  Feio isso, não é?  Será que pensaram que iria espantar a audiência?  Mas não terminou ainda.

Todas as mulheres militares ocupam postos subalternos.  Usando minissaias, me lembraram, inclusive, as ordenanças de Jornada nas Estrelas, ou as tenentes bonitinhas da ponte de Macross.  Não é assim no quadrinho.  Todos os que comandam, ou tem patente mais alta são homens: o presidente (Rutger Hauer), o general Okto Bar (Sam Spruell), o ministro da defesa (Herbie Hancock), o lindinho do Capitão Neza (Kris Wu), o major Valérian, o vilão comandante Arün Filitt (Clive Owen) e por aí vai.  Parece que somente Laureline foge do estereótipo da ordenança decorativa.  Nesse aspecto, esperava muito mais do filme.  Aliás, esse tipo de arranjo parece tão ultrapassado quanto os quepes horríveis usados pelos militares, me lembraram os da Coreia do Norte e não estou brincando.

Um dos posteres do filme.
De resto, o povo Mül lembrava um tanto os de Avatar.  A relação do vilão com a espécie considerada primitiva era muito parecida com a do filme de James Cameron, também.  Só que o povo Mül com sua gentileza, perseverança e coragem conseguiu ganhar meu coração.  Em tempos violentos, eles foram apresentados como sendo capazes de perdoar, sem esquecer, dando exemplo de um futuro muito melhor que o nosso presente, ainda que personagens como Filitt, o vilão, estejam lá para nos lembrar da nossa Terra atual.  Ah, sim!  Se o filme cumpre a Bechdel Rule é por conta dos Mül e da interação das extraterrestres entre si e com Laureline.

Agora, uma questão, muito se tem falado das influências do quadrinho Valérian e Laureline em Guerra nas Estrelas.  Folheando os álbuns, há alguns aqui em casa, e pegando o verbete em francês da Wikipedia sobre a série, é citado que a nave de Valérian pode ter servido de inspiração para a Millenium Falcon.  Há, também, uma sequência na qual Valérian parece ter sido congelado em carbonite.  Bem, George Lucas pode ter usado Valérian como uma das suas referências? Sem dúvida, só que Guerra nas Estrelas foi para o cinema primeiro.

Valérian e Laureline no quadrinho.
O que eu quero dizer é que o filme Valérian - não os quadrinhos - pode ter sofrido influência da franquia Guerra nas Estrelas, porque a marca é forte e chegou antes aos cinemas.  O fato é que duas pessoas podem ter a mesma idéia, a referências circulam e são apropriadas de diferentes maneiras.   Isso não é sinônimo de plágio, tampouco de falta de imaginação.  Nem sempre é caso de tomar como referência, mas compartilhar o mesmo imaginário de uma determinada época, como o tal otimismo, esperança no futuro,que permeava parte considerável da  ficção científica dos anos 1960.  

Terminando, não sei se depois do fiasco nos EUA, Valérian irá ter uma continuação.  Uma pena, porque há muito o que explorar, especialmente, no aspecto viagem temporal, algo negligenciado nesse filme.  De qualquer forma, é um produto muito bem feito e que merece ser assistido.  Sério, a maioria das críticas ao filme me pareceram desproporcionais, especialmente, quando há tanta tolerância com Dunkirk, Doutor Estranho, Guerra Civil, o Estranho que Nós Amamos.  Veria de novo o filme e vou comprar o Blu-ray quando sair.


1 pessoas comentaram:

Olá Valeria! Faz muito tempo.
Não te vejo desde os bons tempos do shoujocast.
Concordo com muita coisa que disse.
Principalmente como a "Critica Especializada", pode ser dura com filmes que não fazem parte do Eixo Marvel/Disney/Star Wars ou DC/Warner

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