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Em defesa da lista tríplice

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Por Fábio George Cruz da Nóbrega
Atualização:
Fábio George Cruz da Nóbrega. Foto: ANPR

No artigo intitulado "A investidura na Procuradoria-Geral da República", publicado no site do Estadão, nesta terça-feira (30), o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Luciano Anderson de Souza defende, com o devido respeito, tese absolutamente insustentável de que o procurador-geral da República pode ser nomeado entre os integrantes de quaisquer das quatro carreiras do Ministério Público da União. Para tanto, ignora texto, expresso, da Lei Complementar 75/1993 e promove interpretação heterodoxa da Constituição Federal.

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A tese do professor não se sustenta, se confrontada com a própria Constituição Federal e a LC 75/1993. Na CF, o artigo 128, § 1º diz que o "Ministério Público da União tem por chefe o procurador-geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal". Ocorre que não há uma carreira do Ministério Público da União, mas quatro carreiras distintas: Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios.

Sendo assim, a carreira, no singular, a qual se refere a CF só pode ser a do Ministério Público Federal. Até porque todos os outros três MPs que integram o MPU têm seus respectivos procuradores-gerais. Ainda, a LC 75/1993, ignorada pelo autor, sacramenta, no artigo 43, inciso I, que "o procurador-geral da República é órgão do MPF". Observe-se que nem uma única palavra foi dita pelo professor sobre o texto expresso da sobredita lei complementar.

Não é só. Os fatos históricos afastam, por si sós, a compreensão manifestamente equivocada que foi apresentada pelo citado professor ao se referir ao processo de consulta para a formação da lista tríplice que é adotado perante a carreira do MPF. O autor chega a taxá-la de "corporativista e antidemocrática".

Ora, exatamente a mesma sistemática é adotada, atualmente, para 29 dos 30 Ministérios Públicos do país. Nos 26 ministérios públicos estaduais, no Ministério Público do Trabalho, no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e no Ministério Público Militar esse é o mecanismo legalmente estabelecido.

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Apenas para o Ministério Público Federal (MPF) a lista não foi expressamente prevista. Apesar disso, em razão da simetria com os demais ramos do Ministério Público, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) desenvolve, desde 2001, o mesmo processo de consulta à classe.

Nos últimos 16 anos, a lista vem sendo continuamente encaminhada ao Presidente da República e respeitada, com a escolha de um dos três candidatos mais votados. Consolidou-se, assim, como um importante costume constitucional, que propiciou significativos avanços institucionais.

A lista se constitui, inequivocamente, em uma garantia de autonomia, independência e estabilidade para a atuação do MPF, ao propiciar a escolha de alguém com representatividade e liderança na carreira.

Também propicia o acompanhamento e o escrutínio da imprensa e da própria sociedade sobre quem se dispõe a exercer esse que é um dos cargos mais importantes da República, na medida em que a postulação pública dessas candidaturas permite, por meio das campanhas, entrevistas e debates realizados, uma avaliação crítica do preparo, das opiniões e dos seus compromissos.

De 2003 para cá, com o funcionamento do mecanismo da lista tríplice sob condução da ANPR, o MPF alcançou um nível de independência e de eficiência institucional sem precedentes. Não foi por acaso. A lista tem contribuição decisiva nesse processo.

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Neste ano, por exemplo, foram realizados seis debates públicos, nas cinco regiões do país, abertos à cobertura da imprensa e à participação da população. É por meio dessa sistemática que os candidatos, com total transparência, podem expor suas propostas e projetos, bem como responder a questionamentos, submetendo-se, enfim, à avaliação não apenas da carreira, mas de toda a sociedade. Como resultado desse processo, mais de 82% dos membros do MPF, em participação histórica, indicaram os subprocuradores-gerais da República Mário Bonsaglia e Luiza Frischeisen, e o procurador regional da República Blal Dalloul ao posto de PGR, em exemplo de processo democrático.

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Em caminho diametralmente oposto, o professor chega a questionar a existência do próprio mecanismo democrático, olvidando que uma instituição que tem entre as suas missões fundamentais a defesa do regime democrático não pode menosprezar, desprestigiar ou mesmo desconsiderar a importância da democracia interna. A propósito, é sempre bom lembrar esta que é uma das maiores lições da história: democracia não é um regime perfeito, mas ainda não foi possível inventar outro melhor.

No artigo, o autor mostra, ainda, absoluto desconhecimento de causa quando imputa à referida consulta um caráter corporativista. Quem acompanha, minimamente, o histórico de realização da lista tríplice no MPF sabe que é uma completa falácia essa correlação do procedimento com o atendimento de demandas eminentemente internas pelos procuradores-gerais que acabaram sendo eleitos e nomeados.

Do procurador-geral Cláudio Lemos Fonteles para cá, passando pelos procuradores-gerais Antônio Fernando Barros de Silva e Souza, Roberto Monteiro Gurgel, Rodrigo Janot Monteiro de Barros e Raquel Elias Ferreira Dodge, todos indicados em lista tríplice, nenhum deles, sem exceção, ostentou no exercício de suas funções esse perfil corporativista.

Para a classe, entretanto, é muito importante ter a oportunidade de participar desse processo, ser ouvida, dar a sua contribuição, enfim, sobre os principais desafios institucionais enfrentados e como poderemos superá-los.

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O único fato realmente inquestionável é o de que a lista tríplice contribuiu e muito para o aperfeiçoamento do Ministério Público Federal nos últimos anos, ao conferir caráter público à escolha do(a) PGR, em processo que serve, a um só tempo, ao fortalecimento da democracia interna e da transparência externa, possibilitando que tudo seja desenvolvido sob a luz solar -- como deve ocorrer com todos os assuntos públicos importantes em uma República --, e não apenas a partir de conversas reservadas realizadas em gabinetes fechados da capital federal.

Fábio George Cruz da Nóbrega, procurador-regional da República e presidente da ANPR*

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