segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Comentando o volume #2 de O Marido do Meu Irmão: A Panini está de Parabéns


Em algum momento das últimas duas semanas terminei de ler o volume #2 de Otouto no Otto (弟の夫), aqui, O Marido do Meu Irmão.  Tinha começado a leitura ainda nas férias, mas o retorno para casa e para o trabalho descontrola tudo.  Se você chegou a esta resenha sem ter lido a primeira, ela está aqui, é importante dar uma olhadinha nela.  Otouto no Otto conta a história de Yaichi, sua filha Kana e Mike, o cunhado, casado com o irmão gêmeo do protagonista.  Trata-se de uma história que discute o sentido de família e como são possíveis vários arranjos desde que assentados no amor e no respeito.

Yaichi representa o japonês médio, que tem grande dificuldade em expressar seus sentimentos e questionar velhos hábitos e tradições, ainda que em uma situação inusitada, ele é divorciado, cuida sozinho da filha e vive de rendas de imóveis que herdou dos pais.  Já Kana é uma menina pequena, esperta e amorosa que compreende razoavelmente a situação de sua família, a mãe tem uma carreira, o casamento de seus pais deixou de funcionar e ela acabou ficando com o pai e encontrando a mãe sempre que possível.  Ela está em pleno processo de socialização e, no volume anterior, em alguns momentos o pai tentava inculcar nela o autocontrole em relação à expressão dos sentimentos e afetos.  A chegada de Mike na vida dos dois, que parece tão certinha, provoca uma revolução silenciosa e não se trata somente, como e fosse pouco, de compreender a diversidade sexual, mas de aprender a lidar com os sentimentos mais profundos.


O mangá tem ilustrações coloridas.
Yaichi termina por compreender o quão travado ele era em relação a uma série de coisas.  Mesmo sem perceber, ou aceitar, ele tinha se afastado do irmão, ao saber de sua orientação sexual. O personagem tem uma grande dificuldade em expressar sentimentos, seja de desaprovação, seja de afeto.  A presença de Mike, que faz um pouco a linha daqueles seriados em que um estranho, não raro uma criatura mágica, entra na vida de alguém, promove profundas mudanças e, do nada, vai embora, faz com que ele mude, repense seus valores e sua atitude diante da vida. 

Essa mudança em Yaichi pode ser percebida em vários momentos.  Ele passa a valorizar as memórias com o irmão.  Ele é capaz de acolher as pessoas que são diferentes dele mesmo sem julgá-las.  Ele consegue fazer as pazes com o passado, enfim.  Em uma das passagens mais importantes, ele é capaz de confrontar civilizadamente o professor homofóbico da filha. O mestre, imbuído das melhores intenções, tenta "dar um toque" em Yaichi.  Kana pode sofrer bullying por ter uma família diferente.  Yaichi consegue responder de forma madura que os culpados do bullying são os que o praticam, não as vítimas.  Quantas vezes endossamos a violência quando aceitamos que as pessoas sejam humilhadas por serem o que são?


Yaichi aprende a lidar com seu luto e muito mais.
Se no volume anterior, temos a história do menino que consegue ver em Mike um porto seguro, alguém a quem pode confiar que é homossexual.  Neste volume temos um amigo de Ryoji, o irmão de Yaichi, o único que sabia da homossexualidade do rapaz, se aproximando.  Ele quer entregar algumas coisas de Ryoji que estavam com ele ao saber da morte do amigo.  Conhecer Mike faz bem para o sujeito, ele continua no armário, mas saber que  que Ryoji pode se assumir publicamente é uma espécie de consolo.

Como heterossexual, considero muito ofensivo quando alguém fala em heterofobia.  Eu posso exibir a minha sexualidade e meus afetos sem problema.  Posso beijar meu marido em público, andar de mãos dadas com ele.  Ninguém nunca iria se espantar ao ouvir que eu sou casada.  Não seria atacada em discursos religiosos, ou políticos, por ter me casado com um homem e formado uma família heteronormativa.  Gays e lésbicas não tem esse direito, mesmo em ambientes inclusivos, acabarão tendo que explicar, ou acrescentar alguma informação.  Poderão ser alvo de preconceito, ou mesmo agressões.  Sim, eu sei, mulheres são alvo de violência por serem mulheres, mas estou falando de outras violências que estão presentes em nossa sociedade cada vez mais doente.


Mike veio ao Japão cumprir uma promessa.
Em O Marido do Meu Irmão somos levados a refletir sobre preconceitos e violências mesmo que elas não estejam registradas na história.  É um mangá muito leve, um slice of life que vai costurando discussões relevantes sobre sexualidade, família, sentimentos com questões banais do cotidiano.  Refeições, a prova de música de Kana, a amiguinha precoce que decide defender que o amor deve vencer sempre e dá Romeo e Julieta para que Kana leia etc.

Só que chega a hora de Mike ir embora e a data é anunciada de supetão. Sabemos que ele veio visitas, mas a pobre Kana nem tem tempo de digerir, aliás, nem nós mesmos.  Eu espero que o autor, Gengoroh Tagame, possa escrever um gaiden mostrando uma visita de Yaichi e Kana ao Canadá.  Eu leria, com certeza. E a passagem de Mike termina fazendo muita diferença na vida de pai e filha.  Kana termina ficando com um pai melhor do que era e ainda descobriu o tio canadense.  Já Yaichi conseguiu rever tantos conceitos que, com certeza, será um melhor pai e um homem mais feliz.  Eu fiquei com lágrimas nos olhos no fim do volume, porque as reflexões da personagem me tocaram como mãe de uma criança mais ou menos da idade da Kana.  O Marido do Meu Irmão é, no fim das contas, também um mangá sobre parentagem.


Kana desenvolve um forte laço com seu tio Mike.
No finalzinho, o autor agradece ao seu companheiro por ter assumido as tarefas domésticas, além de apagar o lápis dos originais, para que ele tivesse mais tempo de se dedicar a sua obra.  Há, também, agradecimentos de praxe para a editora e quem ajudou Tagame com a pesquisa.  Algo que me saltou aos olhos nesse último volume, que é a junção de dois originais, é que o fanservice, muito marcante no volume #1 é quase zero.  Terminando, queria registrar meu agradecimento à Panini por essa publicação.  Sei que ela já pisou na bola várias vezes (*vide, Peach Girl e Otomen*), mas tem feito um trabalho muito bom nos seus mangás atuais.  O texto flui bem, os honoríficos não são eliminados, a encadernação e o papel tem boa qualidade.  

2019 está sendo péssimo em vários aspectos, mas quando se trata de mangá, seja shoujo, ou seinen, só tenho a aplaudir.  Será que não está na hora de Fumi Yoshinaga, Panini?  Ela tem one-shots, não precisa ser uma série longa.  O Marido do Meu Irmão recebeu prêmios internacionais e certamente mereceu todos eles.  Foi lançado em muitos países e eu realmente não esperava vê-lo no Brasil.  Pena que uma obra como O Marido do Meu Irmão não seja lida por gente que realmente precisaria e nem estou pensando em desconhecido, estou falando de pessoas da minha família e amigos próximos, pois a obra tem um inegável caráter pedagógico.  Se alguém quiser comprar o mangá no Amazon é só clicar: Vol 1 - Vol 2.

1 pessoas comentaram:

Gostei muito da obra. Os fanservices realmente me chamaram a atenção no primeiro volume. Certos hábitos do autor devem ser difíceis de evitar.
Mas no geral, foi uma leitura agradável e interessante, embora no meu caso, acabe sendo "pregar para convertido". Realmente, seria interessante que mais pessoas lessem.
Na esperança de mangas mais interessantes sendo publicados, embora eu tenha cá minhas dúvidas.

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