Justiça determina o despejo de indígenas Terena de fazenda que sobrepõe 35% da TI Taunay/Ipegue

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

A Justiça Federal de Campo Grande (MS) determinou o despejo de 78 famílias Terena da Fazenda Esperança de propriedade da família da deputada federal ruralista Tereza Cristina (PSB/MS). A Fazenda possui 12 mil hectares sobrepostos à Terra Indígena Taunay/Ipegue, declarada em maio deste ano pelo Ministério da Justiça como de posse tradicional dos Terena. A área da Fazenda Esperança equivale a 35% do território autorizado pela Portaria Declaratória 497 a ser demarcado de maneira física, no município de Aquidauana, com marcos delimitando 33.900 hectares.

O despacho da Justiça é do último dia 16, com prazo estipulado de execução para dez dias, e foi publicada por pressão de determinação do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região de maio deste ano. Caso não seja realizada em dez dias, a Justiça Federal autorizou o uso de força policial para o despejo – fora multa de R$ 5 mil por dia revertida para os proprietários.

“Registro que ao proferir a r. decisão de fl. 719, objeto da Reclamação, este Juízo ponderou as peculiaridades do caso em apreço, especialmente o tempo decorrido desde o esbulho noticiado nos autos e desde a decisão reintegratória”, conforme trecho da decisão de reintegração. A Justiça Federal havia decidido ouvir a comunidade, mas os proprietários reclamaram ao TRF-3 que o juiz se negava a cumprir a decisão. Um despacho obrigou o magistrado a cumprir a decisão dos desembargadores.  

Lideranças do Conselho Terena afirmam que as famílias não irão sair da terra – usada para a produção de alimentos, criação de animais e reflorestamento. “O governo federal precisa concluir a demarcação. Pode mandar a polícia, a gente não sai. Do nosso direito à terra não abrimos mão”, diz uma liderança Terena. Em 30 de maio de 2013, a Fazenda Esperança foi retomada pelos Terena. A ação ocorreu um dia depois do assassinato de Oziel Terena, durante reintegração de posse na Terra Indígena Buriti, em Sidrolândia.

Quando os Terena ocuparam a Fazenda, a propriedade se encontrava vazia. Dos pouco mais de 5 mil indígenas, confinados em 6 mil hectares do que tinham da Taunay/Ipegue, e com severas dificuldades de garantir a alimentação das aldeias, 78 famílias se estabeleceram em uma porção do território tradicional recuperado. Já outra parte foi destinada ao plantio e criações para o sustento; uma terceira porção foi totalmente reflorestada.  

Taunay/Ipegue: um longo caminho

Os donos, porém, logo apareceram: Mirian Alves Correa e Monica Alves Correa, parentes da ruralista Tereza Cristina. “Ainda em 2013 a Justiça Federal concedeu liminar e mandou reintegrar. No entanto, a comunidade recorreu e o presidente do TRF-3 suspendeu a liminar. Então as fazendeiras recorreram”, explica o advogado Luiz Henrique Eloy, indígena Terena de Taunay/Ipegue.

Novamente no mês de maio, só que deste ano, o Órgão Especial do TRF-3, uma turma destacada de desembargadores, acatou o recurso e mandou reintegrar novamente.

“Essa decisão então chegou ao juiz de primeira instância. Só que ele entendeu que três anos se passaram das famílias no local e achou por bem ouvir a comunidade antes de qualquer decisão. As fazendeiras entraram com uma reclamação no TRF-3 dizendo que o juiz estava descumprindo a decisão e o TRF-3 despachou mandando o juiz cumprir a determinação dos desembargadores”, lamenta o advogado Terena.  

Sem ouvir a comunidade, a Justiça Federal de Campo Grande mandou reintegrar. “A existência de processo administrativo de demarcação e ampliação da Terra Indígena Taunay-Ipegue ainda em curso, não permite que o Poder Judiciário, antecipando-se a uma função própria do Poder Executivo, negue à parte autora seu legítimo direito de propriedade. (SIC)”, diz o juiz em trecho da sentença.

Taunay/Ipegue foi inicialmente reservada pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antes da década de 1970. Como toda reserva no Mato Grosso do Sul, os Terena ficaram confinados e viram os territórios tradicionais de onde foram retirados sendo ocupados por fazendas. Em 1984 a reserva passou a ser revista, com o processo se encerrando em 1991. No entanto, realizado sob vícios pré-Constituição de 1988.

Em 1999, os sucessivos erros passaram a ser reparados com uma nova revisão. Esse processo, que já dura 17 anos e teve como última movimentação a Portaria Declaratória, traz seguidas ameaças aos Terena. “Só nós sabemos o que passamos aqui. Dormimos num lamaçal todas as noites (…) O sonho dos nossos pais e avós era voltar pra essa terra, e seguimos adiante com esse sonho”, disse uma liderança Terena em julho de 2013, depois de ataques de pistoleiros na retomada da Fazenda Esperança.

Plantações de comunidade Terena na área alvo do despejo. Fotos: Luiz Henrique Eloy Terena

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