Absurdo: Estações de Teleférico Vão Virar Base de UPP! [Transcrição de Vídeo]

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O texto abaixo é a transcrição da transmissão ao vivo no Facebook de Raull Santiago em 29 de março de 2017 às 12:15.

Boa tarde galera, estou abrindo esse ao vivo aqui para trocar uma ideia, uma parada urgente que acabamos de descobrir aqui no Complexo do Alemão. As estações de teleféricos no Complexo do Alemão possivelmente irão se tornar bases da UPP. É inaceitável esse tipo de situação. A polícia que entrou aqui em 2010 como solução para a situação da violência e agravou ainda mais a realidade que a gente vivia aqui dentro, agora com a falência do estado, com a falência do país apenas nas áreas pobres, e o fechamento da grande obra que era tão vendida no mundo inteiro–o teleférico do complexo do Alemão, que está há mais ou menos um ano parado–agora a gente descobre que esses espaços poderão se tornar base de UPP.

Sabe o que é bizarro? Quando algumas pessoas se reuniram para tentar ocupar um terreno vazio, onde antes era moradia, o estado removeu as pessoas desse terreno, não garantiu a casa para essas pessoas, e quando elas tentaram recuperar esse terreno no espaço da Poesia, o governo mandou a polícia na base de porrada, expulsar todo mundo. No meio disso, todas as estações do teleférico, com várias salas e uma ótima estrutura, estavam vazias.

Vários projetos aqui do complexo do Alemão, incríveis, maravilhosos, como da Mariluce Mariá que trabalha com crianças e o próprio Papo Reto, e uma série de outros projetos, não têm uma sede própria. Não tem uma base para trabalhar. Tem que depender da ajuda das pessoas que tem laje, tem que fazer seus trabalhos nas ruas ficando super alertas em meio a situação de tiroteio. Enquanto isso, essas salas de teleférico fechadas e vazias.

Agora, todo mundo que trabalha lá, as seguranças que são daqui do morro, que estavam empregado nas estações do teleférico, receberam aviso prévio que vão ser demitidos. A galera vai ficar sem emprego. Por quê? Porque as estações do teleférico, construídas com seu dinheiro público que era para mudar a realidade do Complexo do Alemão, tentar incentivar o turismo e a redução de violência… O teleférico que era pensado para a mobilidade além de não ter comprido seu papel, além de estar mais de um ano fechado, agora vai virar mais uma base militar. Ou seja, a única política pública que chega de forma constante que permanece hoje no Complexo do Alemão, é a polícia.

O governo, o estado, só esta olhando para dentro da favela nos observando a partir da mira do policial. Isso tem ficado cada vez mas grave. É absurdo isso que está acontecendo. É uma situação extrema. A sociedade não pode ignorar essa militarização da vida cotidiana. Essa não valorização do dinheiro público. O investimento milionário com esquemas diversos e essa corrupção gigante que vai virar apenas mais uma base da Policia Militar tão duvidosa, tão corrupta, tão violenta e tão problemática.

A gente não pode se calar diante dessa situação, a gente tem que se organizar, fazer mobilizações diversas, porque não! A UPP já tem as suas bases construídas em parceria com o excelentíssimo Eike Batista. A UPP está no alto da Alvorada invadindo e expulsando moradores das suas casas. A UPP está em uma loucura absurda, arrancando contêiner, aqueles contêineres blindados, e jogando para dentro da favela e agora vão dominar as estações do teleférico. E pasmem, este era um acordo que já estava iniciado. Na estação do teleférico das Palmeiras por exemplo, tinha uma Clínica da Família, tinha uma biblioteca, e a polícia estava começando a invadir para trocar tiro lá de dentro. A polícia invadiu a estação de teleférico tendo uma base ali em frente. A polícia invadia a estação do teleférico, dava tiro de lá de dentro, fazia aquele local virar alvo. E com medo, a biblioteca fechou. Com medo, a Clínica da Saúde fechou. Com medo, toda atividade cultural e de saúde que existia aí dentro, foi abafada. A policia já estava ocupando aquele espaço.

A mesma coisa…no teleférico do Alemão que fica ali na Central… Tudo que tinha de serviço, que era de utilidade para o povo da favela, que era para o uso das pessoas, para o público, saiu de lá. Porque a polícia invade para dar tiro do alto do teleférico e transformar aquilo em uma base de guerra… E traz violência para todos esses espaços, que eram de uma outra resistência, com cultura, com arte, com serviços e coisas diversas. E lá no Alemão também já faz anos que a polícia está usando a parte de baixo do teleférico como base de treinamento da polícia, como dormitório, como várias paradas para uso interno da corporação.

Então não é novidade, infelizmente, que logo logo–todo mundo já estava cantando essa pedra–que isso ia virar mais uma fase da militarização da vida cotidiana. Sinto muito dizer a todos que acreditam que isso é um caminho, (mas) não é. Isso só vai gerar mais violência, mais problema, essa polícia é problemática. A gente não discute redução de danos. A gente não discute política de drogas. A gente não discute a redução da desigualdade social. A gente não discute racismo, a gente não discute garantia de direitos que nem chegamos a ter. É realmente, lutar pela garantia, e nada disso está sendo discutido nessa sociedade. Apenas em nome das guerras às drogas, se manda caveirão, se manda polícia, se invade casa, se cria uma situação bizarra aqui dentro do Complexo do Alemão.

Este vídeo é mais para pedir ajuda, é um desabafo. A situação está muito complicada, até para quem é de movimento social, até para quem é ativista, até para qualquer pessoa.

Está muito difícil resistir em meio a essa situação que está acontecendo nessa cidade. E o não resistir é um problema porque as pessoas vão cada vez mais também pensar a partir do lado da revolta, a partir do ódio, e vai ser muito difícil construir algo diferente de problemas, dentro dessa situação. A gente precisa urgentemente de resgatar uma rede de afetividade. Uma rede de respeito. Uma rede de valorização da vida. Uma rede de valorização das pessoas. A gente precisa se unir, as favelas principalmente. As favelas têm que encontrar uma forma. Principalmente quem é ativista de favela que é comunicador independente, a gente tem que dar o jeito que for, em meio a dificuldade de se encontrar, de se unir, de construir juntos. Só na semana passada, em diferentes favelas, um monte de jovens foram mortos. Muitos jovens foram forjados, vendidos como traficantes. A mídia fez a matéria e ficou tudo bem. Diariamente a gente morre diversas vezes. Morre nosso corpo atingido pelo tiro, morre nossa imagem forjada e ligada a criminalidade. Morre toda a estrutura da nossa família quando nossa imagem é multiplicada pelo mundo como problemática. A partir de forjação, a mídia aceita e compra essa ideia.

Cápsulas de balas ficaram nas ruas do Complexo do Alemão após confronto em fevereiro de 2017. (Foto: Betinho Casas Novas/Voz das Comunidades)

Então a gente tem que se unir… como sociedade toda, porque nas favelas são quem está morrendo, quem está tomando tiro, quem está tendo a vida cotidiana militarizada, quem não está tendo suas crianças indo para a escola, quem não está podendo ficar na rua. Todo mundo refém de uma loucura chamada guerra às drogas que durante anos–durante os meus 28 anos–a polícia faz tiroteio, confronto, problema, pessoas morrem, quantidade ínfima de drogas presas, um gasto absurdo do dinheiro público, e nada se resolve. Por quê? Porque está errado, não é guerra às drogas, é guerra ao pobre, é guerra ao negro, é aprisionamento de corpos pobres e execução de corpos pobres e principalmente de corpos negros. Então a gente tem que entrar para o debate.

A gente tem que pegar a energia que ainda resta e os poucos que estão ainda vivos e nos unirmos para construir algo diferente disso. E tentar o máximo trazer a sociedade parar perceber a realidade e a gravidade do que está acontecendo dentro das favelas.

É inaceitável que uma obra tão cara, uma obra que foi vendida ao mundo inteiro, uma obra que foi construída com seu dinheiro, meu dinheiro, com uma ideia de mudança, foi apenas um discurso. A realidade foi apenas a militarização de espaço pobre, a realidade foi apenas uma contenção da camada popular. Foi mais uma forma de aumentar a desigualdade a partir da contenção da pobreza de forma armada e violenta. Isso está muito errado. A gente precisa discutir isso. A gente precisa se unir. A gente não pode aceitar que teleféricos virem base de polícia. Em frente a cada estação de teleférico já tem uma base de polícia.

Aquelas estruturas bonitinhas feitas em parceria com as empresas do Eike Batista, não era bonito? Não era legal em 2010? Todo mundo não abraçou? Não aplaudiu os novos momentos do Complexo do Alemão?

Pena que ficou só naquela pausa, naquela palma, pena que ficou só naquele discurso porque a realidade que falava sobre várias políticas públicas que chegariam na favela se resumiu apenas em polícia. A polícia que sempre foi o problema, mudou apenas o discurso e disseram, “agora a polícia é de proximidade, é legal, é boazinha, e vai ficar aí dentro”. Nada disso, ninguém engoliu isso e a prova, infelizmente, está aí hoje em dia: a falência de toda essa segurança pública que nunca nos envolveu. Quando se diz “segurança pública” é pensado da entrada da favela para fora e nós somos vendidos como problema. Isso está errado. Isso precisa mudar. A favela é solução.

Hoje quem estava assistindo o canal da Globo, viu lá na Fátima Bernades, o Luiz, bailarino incrível, maravilhoso. No meio de um espaço tão problemático como esse, dentro de um projeto, Vidançar, (ele) conseguiu entrar na escola do Bolshoi em Joinville. Em meio a isso (ocupação policial) tem um monte de coisas maravilhosas acontecendo aqui dentro. Têm pessoas incríveis. Têm projetos incríveis. Tem empreendedorismo de todos os tipos. Tem resistência de cultura, de arte, de várias formas. Só que tudo isso é silenciado quando nos observam de fora para dentro nos vendo como perigosos e achando que a única política pública que a favela merece é a polícia. Basta disso!

A gente precisa da ajuda de quem estiver afim, e essa ajuda vai muito além de rede social. A gente tem que pensar como! No nosso trabalho, nas nossas redes, aonde nossa voz alcança, aonde nós podemos fortalecer e disputar essa cidade, disputar esse problema e garantir direitos. Não apenas para a favela, mas para todo mundo. Pois não se engane que quando der ruim para a favela, isso não vai descer para o asfalto. Não se engane que os problemas no asfalto, não tem relação com a não valorização da vida dentro da favela e que não tem consequência com a não valorização da garantia de direitos aqui para dentro.

A gente precisa abrir o olho e entender que esse sistema está falido. Que tudo isso está errado e que as pessoas estão sangrando, morrendo, e que tem gente lucrando com essas mortes. A gente precisa frear isso. A gente só vai conseguir avançar com arte, cultura… Vamos resgatar a imagem do país no mundo se a gente garantir a vida aqui da base, a vida do pobre que é quem está morrendo, quem está sofrendo, vivendo todas as barbaridades possíveis, para que uma minoria viva no topo… enquanto a desigualdade social faz o nosso sangue derramar.

E torna cada vez mais difícil ver um caminho de luz em meio a toda essa situação. A gente precisa de ajuda, a gente precisa de todo mundo, ajuda a gente galera! Ver teleférico virar base policial aqui na Alvorada?! Quem está acompanhando o Papo Reto, quem está acompanhando a defensoria pública, sabe que policiais já invadiram mais de 10 casas, expulsaram pessoas, pessoas idosas, casas cheias de crianças. Policiais invadiram para fazer base militar, darem tiros de cima dessas casas e tornaram essas casas alvos. Está tudo errado, não tem uma mínima estratégia que seja de avanço em meio a a essa política falida de guerra às drogas.

A gente tem que discutir outras formas, a gente tem que sair dessa linha enganadora de guerra às drogas como solução para alguma coisa. Pelo contrário, é isso que alimenta o problema. É isso que favorece as empresas das armas, que favorece a Secretária de Segurança, que favorece os empresários da guerra que lucram com o sangue. A gente precisa sair dessa linha. Guerra às drogas nada, vamos discutir políticas de drogas, vamos discutir garantias de direitos, vamos discutir racismo, vamos discutir redução da desigualdade social, vamos discutir o que for, mas sair dessa lógica de pensamento de guerra e militarização dos espaços populares, militarização da favela, militarização da vida cotidiana do pobre…

A gente precisa da ajuda de vocês, a gente precisa evitar que os problemas cheguem a níveis onde a gente não vai mais conter. A situação que está acontecendo, já é uma guerra, não é aceito esse nome aí fora, mas é uma guerra. Aqui se morre tantas ou mais pessoas do que na Síria, na Palestina. A gente está em guerra, o Rio de Janeiro executa pobre a níveis absurdos, todos os dias. O Brasil executa pobres todos os dias A gente tem…uma guerra do estado contra o pobre, uma guerra de quem tem muito dinheiro e não quer perder as regalias aumentando a desigualdade social que gera sangue dentro favelas e periferias do país inteiro.

A gente precisa se reestruturar, a partir da garantia de vida, da valorização das pessoas que estão aqui na base, principalmente trabalhando para acabar com o racismo e…o preconceito e para isso a gente tem que entender, respeitar, emprestar o ouvido a quem está aqui dentro da favela gritando essas barbaridades que estão acontecendo, expondo as violações do próprio estado. A gente precisa estar junto, a gente precisa encontrar alguma forma porque o caminho que está seguindo tem a tendência de ficar cada vez pior, a tendência é tornar a violência que já é em nível absurdo, ainda maior que isso. E não vai dar, não está dando. A gente precisa estar junto. A gente precisa encontrar o caminho e juntar todo mundo que está afim de construir além de rede social um caminho de verdade que torna possível essa mudança.

Fiz esse ao vivo, falei as pampas como desabafo, foi mal aí, mas é que a situação está absurda. A gente está morrendo todo dia, estamos sendo forjados todo dia, matam os nossos corpos, mancham a nossa imagem, detonam a nossa família, então não está dando. A gente precisa acabar com esse cenário de violência, a partir da garantia de vida, a partir de discutir políticas de drogas, racismo, desigualdade social. As garantias de direitos precisam avançar.

Guerra às drogas só está trazendo mais violência. Guerra as drogas é o combustível do mal. A gente precisa acabar com isso. Não à militarização das estações de teleféricos. Se é para trazer os teleféricos para a mão do estado, que seja para fazer ele funcionar novamente. Mesmo que não tivesse tanta utilidade para nós moradores, mas a proposta inicial era essa. Vamos democratizar o acesso daquelas salas com ocupação de quem está sem casa, com ocupação de projeto que está sem base, vamos fazer mudança com arte, cultura, e valorização de pessoas. Não à ocupação militar nas estações de teleférico do Complexo do Alemão. Estamos juntos. É nós!

Mano não compartilha só o vídeo, pega sua ferramenta de luta, pega todos os contatos que você tem aqui dentro da comunidade, Voz da Comunidade, Mariluce Mariá, Raízes em Movimento, EDUCAP, quem é seu parceiro, Ocupa Alemão, quem é sua parceria aqui dentro, procura os parceiros. Vamos ver como a gente pode dar suporte, vamos juntos resistir a esse absurdo que está acontecendo aqui dentro da favela e em tantas outras favelas do Rio de Janeiro. Procura os contatos que vocês tiverem, vamos trocar essa ideia, vamos pensar. Vamos pensar juntos como a gente pode sair dessa situação absurda que está acontecendo aqui dentro. É nós!

Agradecemos à Juliana Ritter pela transcrição.