imprimir
PARECER Órgão: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
Número: 138679 Data Emissão: 2012
Ementa: O médico assistente, responsável pela paciente e líder da equipe multidisciplinar, deve ser o responsável por relacionar-se com a paciente, buscando sempre o melhor interesse da mesma. Tem o compromisso e o dever de vigilância, de informação e de obter consentimento para todos os atos praticados. A família pode e deve ser informada, mas o compromisso primeiro do médico e da equipe é com a paciente, inclusive na proteção da privacidade do mesmo. A família deve ser informada do referencial bioético do sigilo a que a paciente tem direito e que a família poderá ter restrição de acesso ao prontuário, se assim for vontade da paciente. Se autorizado pela paciente esse acesso deve ser liberado aos familiares. Se a paciente, por qualquer motivo, perder totalmente ou parcialmente sua autonomia, e o médico assistente a considerar incapaz de tomar decisões autônomas, que represente a paciente junto à equipe, e informe e discuta as propostas terapêuticas com essa pessoa.

Consulta    nº  138.679/11

Assunto: Família frequentemente questiona o tratamento dispensado à paciente internada com quadro grave de saúde.  Equipe médica deseja orientação quanto ao seguimento do caso, e se vindo a paciente a falecer, o médico assistente do momento deverá assinar o atestado de óbito ou encaminhá-la para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO).

Relator:  Conselheiro José Marques Filho.

Ementa: O médico assistente, responsável pela paciente e líder da equipe multidisciplinar, deve ser o responsável por relacionar-se com a paciente, buscando sempre o melhor interesse da mesma. Tem o compromisso e o dever de vigilância, de informação e de obter consentimento para todos os atos praticados. A família pode e deve ser informada, mas o compromisso primeiro do médico e da equipe é com a paciente, inclusive na proteção da privacidade do mesmo. A família deve ser informada do referencial bioético do sigilo a que a paciente tem direito e que a família poderá ter restrição de acesso ao prontuário, se assim for vontade da paciente. Se autorizado pela paciente esse acesso deve ser liberado aos familiares. Se a paciente, por qualquer motivo, perder totalmente ou parcialmente sua autonomia, e o médico assistente a considerar incapaz de tomar decisões autônomas, que represente a paciente junto à equipe, e informe e discuta as propostas terapêuticas com essa pessoa.

O Dr. V.F., médico devidamente inscrito neste Regional, Presidente da Comissão de Ética Médica de grande hospital da cidade de São Paulo, solicita parecer do CREMESP, vazado nos seguintes termos:

"Esta Comissão solicita o seguinte esclarecimento:
Estamos com uma paciente de 65 anos internada há três meses, inclusive várias semanas na UTI.

Tem como diagnósticos: insuficiência renal crônica, diabetes e infecção de repetição, inclusive sepse (por fungos). Faz três vezes por semana hemodiálise. A família praticamente todo dia questiona o tratamento e fotografa o prontuário.

Os médicos envolvidos com o tratamento no hospital estão preocupados com o desfecho do caso, porque existe esta eterna desconfiança quanto ao tratamento e a família coloca em tom ameaçador, que o ex-marido da paciente é advogado.

Fomos procurados, na Comissão de Ética Médica, para orientarmos os colegas quanto ao seguimento do caso, porque se a mesma vier a falecer, o médico assistente do momento deverá assinar o atestado do óbito ou encaminhá-la para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO)". 

PARECER

A situação descrita pelo consulente, infelizmente não é fato isolado e, inclusive, parece bastante freqüente em nossos hospitais, tanto nos serviços públicos, quanto privados.

A Medicina, a prática médica e, principalmente, os profissionais que exercem essa sagrada atividade são alvos da mídia quase diuturnamente.

Existem inúmeras razões que poderíamos enunciar e discutir para explicar esse fenômeno, mas citaremos pelo menos duas: a Medicina é uma das áreas que mais influencia a vida humana e o tema vende e rende muitos lucros para os veículos de comunicação.

Lamentavelmente, a mídia frequentemente vende ilusões, representadas por tratamentos milagrosos, divulgados por laboratórios farmacêuticos.

Semanalmente temos o anúncio de terapias milagrosas e curas de doenças, que todos que exercemos essa nobre profissão, sabemos,  estão longe de ocorrer.

Este cenário leva, por vezes, uma situação de desinformação pública, dando a impressão que a Medicina tudo pode e tudo cura, e que não há limites para a intervenção médica.

Nada mais longe da realidade.

Embora reconhecendo os extraordinários avanços das técnicas diagnósticas e terapêuticas das enfermidades que atingem a humanidade desde os primórdios do homem na terra, principalmente nos últimos cinqüenta anos, a Medicina ainda tem muitos limites, muito maiores que gostaríamos.

O famoso aforismo de William Osler,  continua mais atual que nunca (embora seja do início do século XIX):

"A Medicina é a Ciência das incertezas e a Arte das probabilidades".

Certamente, nós, que praticamos diuturnamente a Medicina, também temos nossa parcela de culpa nesse cenário, não exercendo a importante função de educar e explicar para nossos pacientes, no dia a dia, nossas, infelizmente, inúmeras limitações diagnósticas e terapêuticas.

No caso em tela, temos uma senhora, no início da terceira idade, com um quadro clínico caracterizados por múltiplas enfermidades crônicas, com complicações graves, que colocam em risco frequentemente a vida da mesma.

Uma das discussões mais atuais em Bioética e Ética Médica são  os relacionamentos médico-paciente e médico (ou equipe de saúde) e a família do paciente.

Já vão longe os tempos em que o paciente era tratado por um médico, isoladamente. Nos casos como o atual, uma equipe multiprofissional é indispensável para a atenção aos agravos da saúde da referida paciente.

Embora o relacionamento do paciente seja com uma equipe multiprofissional, a importância do relacionamento médico-paciente continua fundamental para a excelência da atenção à paciente.

Outra discussão muito atual relaciona-se ao referencial da autonomia, introduzido na relação médico-paciente na segunda metade do século passado e que transformou enormemente essa relação nos últimos anos.

Devemos lembrar também, o referencial do sigilo médico relativo ao paciente. O sigilo é do paciente, e para o seu bem, e deve ser protegido, inclusive algumas vezes, dos familiares.

Por último, devemos destacar que vivemos em plena era da comunicação e da informática, tendo o médico o dever de informar, de forma adequada, tanto o paciente, quanto seus familiares. E, esse é um direito consagrado tanto na Bioética quanto no Direito e nas legislações atuais.

Quanto ao caso real aqui discutido temos algumas orientações que consideramos importantes e deveriam ser lidas e refletidas por todos os colegas envolvidos no atendimento.

Em primeiro lugar nos parece fundamental que a paciente tenha um médico responsável desde sua internação. Essa providência não só é fundamental do ponto de vista técnico e ético, como é uma obrigação da instituição, como determina a Resolução CFM 1.493/98.

Esse médico, responsável pela paciente e líder da equipe multidisciplinar, deve ser o responsável por relacionar-se com a paciente, buscando sempre o melhor interesse da mesma. Tem o compromisso e o dever de vigilância, de informação e de obter consentimento para todos os atos praticados. A família pode e deve ser informada, mas o compromisso primeiro do médico e da equipe é com a paciente, inclusive na proteção da privacidade do mesmo.

A família deve ser informada do referencial bioético do sigilo a que a paciente tem direito e que a família poderá ter restrição de acesso ao prontuário, se assim for vontade da paciente. Se autorizado pela paciente esse acesso deve ser liberado aos familiares.

Se a paciente, por qualquer motivo, perder totalmente ou parcialmente sua autonomia, e o médico assistente a considerar incapaz de tomar decisões autônomas, o ideal é que a família escolha um membro, que represente a paciente junto à equipe, e informe e discuta as propostas terapêuticas com essa pessoa.

Evidentemente, todas as discussões, informações e consentimentos devem estar devidamente registrados em prontuário.

Por fim, deve ficar claro para a paciente e para a família, que do ponto de vista bioético, ninguém é obrigado a ser tratado por quem a paciente ou a família não queira, e portanto, têm a liberdade de escolher onde e por quem querem ser tratados. Esse referencial da autonomia deve ser amplo, e tutelar também a conduta do médico assistente ou a equipe médica. Nesse sentido o inciso VII do Capítulo I - Princípios Fundamentais - do Código de Ética Médica, garante esse direito ao médico, não sendo o mesmo obrigado a prestar atendimento a quem não queira, logicamente lastreado em razoes fundamentadas.

Acreditamos que agindo conforme essas orientações e praticando uma atenção médica seguindo preceitos técnicos e éticos de perícia, prudência e diligência pouco deverão temer aqueles que tratam a paciente, restando o risco do imponderável, que todos os que exercem essa sagrada arte e ciência inevitavelmente correm.

Este é o nosso parecer, s.m.j.


Conselheiro José Marques Filho

APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 13.01.2012.
HOMOLOGADO NA 4.463ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 17.01.2012.

imprimir