Franklin Freitas

Magistrados, procuradores, promotores e outros membros de carreiras de Estado realizaram na tarde desta segunda-feira (19) um ato público em Curitiba, em repúdio à aprovação do PL 7596/17, que trata do abuso de autoridade.

Durante a manifestação, que começou às 15 horas, em frente à sede da Justiça Federal no bairro Ahú, organizadores pediram que faixas levadas por manifestantes de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro fossem retiradas. As faixas diziam traziam a mensagem “Mulheres do Paraná com Bolsonaro”. 

O ato é exclusivamente contra o projeto de lei do abuso de autoridade que foi aprovado pela Câmara Federal, na quarta-feira (14), em regime de urgência. Para a ANPR e outras entidades que compõem a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), “o aperfeiçoamento da legislação – em vigor desde 1965 – é necessário, mas deveria ter sido tratado com serenidade, a partir de um amplo debate, em tramitação ordinária, exatamente o oposto do que ocorreu”.

O PL foi encaminhado para a sanção do presidente da República Jair Bolsonaro (PSL), que pode chancelar ou não, o texto. A ANPR afirma que o projeto “mantém definições de diversos crimes de maneira vaga, aberta, subjetiva”.

Em nota, a Frentas ressaltou que “as entidades trabalharão para que excessos e impropriedades contidos no referido projeto de lei sejam vetados e, em caso de sua sanção, para que os referidos artigos sejam invalidados pelo Poder Judiciário, diante de manifestas inconstitucionalidades”.

Também há protestos marcados para ocorrer em Brasilia, Recife, João Pessoa, Belo Horizonte, entre outros. O ato foi organizado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e outras entidades do Ministério Público, da magistratura e de forças de segurança.

Violência contra criança

A promotora da Infância Mariana Bazzo diz que na área dela a lei dificultaria abertura de diversas investigações. “Tenho como falar da minha área de atuação especificamente, relacionada a violações de direitos de crianças. Há muitas crianças que sofrem violência sexual, todos os dias, dentro de casa. Nós, do MP, temos serviços que trazem para a Justiça, para o Ministério Público, para a polícia, a informação dessas violências, como o Disque 100, por exemplo, que é um serviço do governo federal. Essas notícias, inclusive, não raramente, são anônimas. Nós temos que iniciar a investigação com esse tipo de notícia. Não podemos deixar que haja risco de ser verdade que essa criança está sofrendo esse tipo de violência. Com essa lei vai existir uma dificuldade de se abrirem as investigações. Também incluo crimes contra mulheres que acontecem entre quatro paredes e que nós temos elementos às vezes menores, mas temos que iniciar pelo menos a investigação e em alta velocidade. Pode ser que esse tipo de crime de ‘aviso’ de violência contra mulher de que logo pode acontecer um feminicídio. Temos que correr e realmente exercer proteção rápida dessas vítimas, jamais com abuso de autoridade. Não é abuso, é simplesmente a possibilidade de iniciar investigações. Da maneira que a lei é escrita, é tão subjetivo, que traz o risco de alguém que for investigado processar o promotor e o policial por ter iniciado uma investigação”, argumenta.  

Justa causa

O promotor André Glitz, presidente da ANPR, destaca um ponto da lei que ele considera especialmente prejudicial ao MP. “A Justa Causa Fundamentada. O promotor só pode oferecer uma denúncia criminal, só pode iniciar um processo civil, ou processo administrativo, tendo justa causa fundamentada. Essa expressão nós não sabemos sequer o conceito dela porque ela não existe. Não sabemos o que é justa causa fundamentada. O que é prova suficiente para denunciar um traficante, para oferecer uma denúncia contra um traficante? A confissão? A apreensão da droga? Uma prova testemunhal? Nós não sabemos. Se o promotor oferece uma denúncia dessas e ao final o traficante vem a ser absolvido isso pode se voltar contra o promotor e ele ser responsabilizado por ter oferecido essa denúncia”, aponta.

Prerrogativas de advogados

Para o juiz Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais, um dos pontos mais sensíveis da lei é o que criminaliza a violação de prerrogativas de advogados. “Nós apresentamos no Senado algumas sugestões, houve uma melhora no texto original, mas ainda ficaram alguns pontos polêmicos. O artigo nono, o artigo décimo, que tratam da quesão da justa causa, da ‘manifestamente’, que são termos muito abertos que podem gerar algum problema de interpretação. Outro ponto sensível é a questão da criminalização da violação dos advogados, é o artigo 43. Nos manifestamos contrários a essa criminalização por uma razão muito simples: o advogado tem direitos e prerrogativos e qualquer juiz que violar essas prerrogativas pode ser punido do ponto de vista administrativo e isso já existe de 1996 no estatudo da Ordem. Quando se eleva as infrações à natureza criminal, você dá aos advogados uma proteção que nenhuma outra classe possui. Se um juiz tiver uma prerrogativa violada, quem violar não é considerado criminoso”, afirma.  

“Ninguém está acima da lei”

A Câmara Federal aprovou a urgência para o projeto de lei do ex-senador Roberto Requião (MDB) que trata da criminalização do abuso de autoridade por 342 votos a favor e 83 contrários. O projeto já foi analisado pela Câmara, mas como foi modificado pelo Senado em junho, os deputados tiveram que votá-lo novamente. Durante a análise do pedido de urgência, o PSL pediu a votação nominal e liberou a sua bancada. O Cidadania e o Novo encaminharam contra o pedido e os demais orientaram a favor. A proposta prevê punição a juízes e investigadores em uma série de situações e é considerada uma reação da classe política à operações recentes contra corrupção, como a Lava Jato.

Relator da lei de abuso de autoridade, o deputado federal paranaense Ricardo Barros (PP) afirmou na quinta-feira que a aprovação da proposta elimina da sociedade os inimputáveis e que “os bons servidores podem dormir em paz”. Segundo ele, “ninguém está acima da lei e todos os ocupantes de função pública tem que responder por suas atitudes”.