Opinião

Adjudicação compulsória extrajudicial: inovação trazida pela Lei n° 14.382

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5 de novembro de 2022, 9h08

Em mais uma proposta de desjudicialização de demandas que podem ser sanadas no âmbito administrativo, a Lei Federal n° 14.382, de 27 de junho de 2022, trouxe uma relevante alteração à Lei de Registros Públicos (Lei Federal n° 6.015/73), com a inserção do artigo 216-B, que prevê a possibilidade de adjudicação compulsória pela via extrajudicial.

Como era antes e o que muda?
A adjudicação compulsória ordinariamente prevista pelo Código de Processo Civil como uma ação judicial como propósito de se obter o registro da transferência da propriedade de um bem imóvel — se satisfeitos os requisitos legais —, por meio de determinação judicial, com a consequente expedição de uma "Carta de Adjudicação", que pode ser apresentada ao Oficial de Registro de Imóveis da Circunscrição Imobiliária competente, para que se proceda a transferência da titularidade de um bem imóvel mediante registro do título (carta de adjudicação) na matrícula imobiliária própria. 

Em síntese, com fundamento nos artigos 1.417 e artigo 1.418 do Código Civil, a ação de adjudicação compulsória somente poderá ter êxito na condição de observância de dois critérios, além do cumprimento integral das obrigações do compromitente comprador e/ou cessionário do direito real, no âmbito do instrumento celebrado,  em especial ao que se refere ao pagamento do preço: 1) a aquisição do direito real sobre o imóvel mediante promessa de compra e venda (pública ou particular), em que se não pactuou arrependimento entre as partes, devidamente registrada na matrícula do imóvel objeto da transação; e 2) a recusa do "promitente vendedor", ou terceiros a quem os direitos deste forem cedidos, em outorgar a escritura definitiva de compra e venda ou título hábil à transferência do imóvel ao comprador.

 Muito embora o critério de "registro prévio" esteja previsto no ordenamento jurídico que embasa a propositura da ação, a súmula 239 do STJ determina que o direito à adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrito aos contratantes, gera pretensões de direito pessoal e não depende, para sua eficácia e validade, ser formalizada em instrumento público e condicionada ao registro do compromisso de compra e venda ou cessão junto à Circunscrição Imobiliária competente. O registro imobiliário, de acordo com o texto da Súmula, somente é necessário para a produção de efeitos relativamente a terceiros.

Por meio da Lei Federal nº 14.382/22, que incluiu na Lei de Registro Públicos, o artigo 216-B, agora é possível ao promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou, ainda, seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, requerer diretamente ao Oficial de Registro de Imóveis competente, a adjudicação compulsória extrajudicial, sem necessidade de propositura de demanda perante o Poder Judiciário.

O pedido deve ser instruído pelo instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, a depender do caso, prova da recusa da parte que deveria oficializar a celebração do título de transmissão da propriedade plena, pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), incidente na transação, assim como certidões dos distribuidores forenses — da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente —  que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o instrumento que é objeto da adjudicação.

Controvérsias
Não obstante a inovação seja de extrema relevância, é necessário pontuar alguns aspectos que devem ser considerados para a instrução do pedido ao cartório.

O primeiro é a necessidade de apresentar o instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, que permitem a adjudicação, ou seja, aqueles celebrados em caráter irrevogável e irretratável, sem admissão de arrependimento por qualquer das partes contratantes.

O segundo, é a via procedimental extrajudicial que determina ao Oficial de Registro de Imóveis o encaminhamento de notificação extrajudicial à parte inadimplente, para que se manifeste no prazo de 15 dias, contado da entrega da respectiva cientificação, que pode ser delegada ao oficial do registro de títulos e documentos.

Desse modo, caso o notificado não se manifeste no prazo legal ou, ainda, declare que não se opõe ao procedimento,  o oficial do registro de imóveis procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.

Por outro lado, caso o notificado manifeste-se, expressamente, contrário à adjudicação compulsória, de forma fundamentada, com base no princípio constitucional do contraditório e da boa-fé contratual, o procedimento extrajudicial não terá seguimento e deverá ser encaminhado à via judicial para a devida instrução e posterior decisão.

Considerando a inovação recente trazida Lei Federal nº 14.382/22, natural que surjam algumas controvérsias e discussões a respeito da aplicabilidade da adjudicação compulsória extrajudicial.

Há quem entenda que a manifestação positiva do vendedor/cedente em relação ao prosseguimento, pela via extrajudicial, da transferência dos direitos objetivados pelo título apresentado pelo comprador/cessionário, vai em contrapartida à própria natureza jurídica do instituto, que é pautada no dissenso das partes, de modo que, uma vez que a obrigação não é resistida, não haveria necessidade de supri-la.

Pautado neste entendimento, poderá o registrador decidir em não mais dar seguimento ao feito sem a lavratura da respectiva escritura pública, com fundamento na inexistência pretensão resistida e violação ao disposto no artigo 1.418 do Código Civil.

Em contrapartida, a mera ausência de manifestação do promitente vendedor, em tese, também não bastaria para dar seguimento ao procedimento, pois a Legislação Civil não confere o silêncio como absoluta anuência (artigo 111 do Código Civil), exceto em casos expressamente previstos em lei.

A perda da propriedade como efeito do silêncio de uma das partes é concebida e prevista no ordenamento jurídico, no caso específico de usucapião extrajudicial, para a qual é imprescindível a prescrição aquisitiva consubstanciada no lapso temporal.

A intenção do legislador em inserir na Lei de Registros Públicos o artigo 216-B, com a criação do procedimento da adjudicação pela via extrajudicial, na teoria, é uma excelente alternativa para a desjudicialização e desburocratização deste tipo de matéria, e certamente confere mais agilidade à resolução de conflitos em casos de inadimplemento de uma das partes em outorgar a escritura definitiva de compra e venda ou título hábil à transferência do imóvel ao comprador/cessionário dos direitos aquisitivos.

Contudo, na prática, a redação trazida pela Lei Federal nº 14.382/22 ainda precisa de mais aprimoramento e determinações mais claras quanto à condução do procedimento pelo Oficial de Registro de Imóveis e tratamento legal aplicável ao silêncio de uma das partes, que pode ocasionar, ainda, diversas discussões acerca da aplicabilidade e eficácia jurídica do instituto.

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