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A Amazônia Legal é mais isolada economicamente que o restante do Brasil. Os dados indicam que o município típico da Amazônia tem mercado potencial 2,1 vezes menor que o município típico das demais regiões do país. A maior parte do isolamento da Amazônia Legal é consequência da precária e escassa rede de rodovias, ferrovias e hidrovias existentes na região.

Diante desse cenário, investimentos em infraestrutura logística são considerados fundamentais para melhorar a conexão da Amazônia Legal com mercados domésticos e internacionais, impulsionando o desenvolvimento econômico da região. Entretanto, a experiência das últimas décadas sugere que investimentos em logística na Amazônia Legal enfrentam desafios de implementação e geram consideráveis danos socioambientais. Esses custos modificam a análise de custo-benefício de projetos de logística na região. Por exemplo, somente o custo do carbono liberado pelo desmatamento decorrente da implementação de projetos de infraestrutura logística na Amazônia, frequentemente supera o próprio custo fiscal de implementação dos projetos.

Nesse contexto, é fundamental desenhar políticas públicas que melhorem a acessibilidade na Amazônia Legal sem gerar expressiva degradação ambiental. Esse documento discute como melhorias na delimitação da área de influência de projetos de infraestrutura logística podem ajudar a mitigar os riscos socioambientais desses projetos. Inicialmente, discute-se problemas nos procedimentos comumente utilizados para delimitar a área de influência de projetos de logística. Em seguida, é introduzida uma nova metodologia de delimitação de área de influência, a abordagem de acesso a mercado, comumente utilizada na literatura de comércio internacional. Depois, discute-se como a melhor delimitação da área de influência contribui para a antecipação e mitigação de riscos socioambientais. Conclui-se com recomendações de política pública. 

Custos Socioambientais de Investimentos em Logística

Melhorias na infraestrutura logística são fundamentais para diminuir o isolamento e facilitar o fluxo de pessoas e mercadorias entre Amazônia Legal e outras regiões do Brasil e do mundo. Todavia, os projetos de infraestrutura logística implementados na região trouxeram grandes custos socioambientais sem gerar benefícios significativos para a população local.

Esse é o caso dos investimentos típicos em infraestrutura logística implementados na Amazônia Legal ao longo das últimas três décadas, especialmente no setor rodoviário. A evidência empírica existente indica que esses investimentos induziram aumentos da produção agropecuária concentrados em poucas regiões (muitas vezes localizadas fora da Amazônia) ao passo que geraram um custo socioambiental difuso para as populações localizadas nas proximidades do projeto e um custo global devido às emissões de carbono.

Uma importante dimensão desse custo socioambiental é o aumento do desmatamento. Melhorias de acessibilidade induzem a grilagem ao incentivarem produtores rurais a expandirem a fronteira agrícola e aumentando consideravelmente o desmatamento na Amazônia Legal. A expansão da fronteira tem um impacto global sobre as emissões de carbono e perda de biodiversidade.[1] Além disso, o desmatamento afeta a sobrevivência e a qualidade de vida da população por inúmeros caminhos. O desmatamento gerado por tais projetos possui consequências para o regime de chuvas local,[2][3] enquanto o fogo comumente utilizado no processo de desmatamento afeta a mortalidade infantil via poluição.[4][5] Como grande parte desse desmatamento é ilegal, os projetos possuem efeitos diretos na criminalidade[6] e geram pressão em territórios de povos e comunidades tradicionais.[7] Esses resultados sugerem que mudanças no desenvolvimento de infraestrutura logística na Amazônia são fundamentais para permitir a região conciliar desenvolvimento econômico, conservação de florestas e proteção de povos e comunidades tradicionais.

Área de Influência e Mapeamento de Riscos Socioambientais

A área de influência é a área cuja dinâmica econômica, social e ambiental é impactada pela implementação de projetos de infraestrutura logística. Ela estabelece quais comunidades devem ser consultadas sobre os projetos e que deveriam ser objeto de medidas de mitigação e compensação socioambiental – medidas fundamentais para minimizar os custos socioambientais dos projetos de infraestrutura logística na Amazônia Legal.

Dessa forma, a sua definição correta é um instrumento importante para melhorar a gestão socioambiental dos projetos de infraestrutura logística implementados na região. Entretanto, os critérios utilizados em projetos passados não são consistentes e tipicamente se baseiam em critérios geográficos não necessariamente relacionados com o impacto dos projetos na dinâmica econômica, social e ambiental das diferentes localidades. Os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) realizados para a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO ou EF 354), por exemplo, delimitam a área de influência baseada unicamente na distância geográfica para o projeto. Já os EIA elaborado para a Ferronorte (EF 364) delimita a área de influência com base nas microbacias que seriam cruzadas pelo empreendimento[8] Diante disso, é essencial desenvolver metodologias que levem em conta os desdobramentos econômicos da implementação de projetos de infraestrutura logística interligando múltiplos mercados.

A abordagem de acesso a mercado, amplamente utilizada em estudos de comércio internacional,[9][10][11] oferece critérios de delimitação da área de influência de projetos de infraestrutura logística. O ponto de partida dessa abordagem é a ideia que todos os impactos de projetos de infraestrutura logística sobre a dinâmica econômica, social e ambiental de uma região podem ser resumidos em uma métrica de acessibilidade denominada acesso a mercado. Essa métrica resume como o projeto modifica custos de transporte em trechos importantes para a entrada e saída de mercadorias daquela região e pode ser computada a partir de estimativas de custos de transporte entre as diferentes regiões e informações do tamanho dos seus mercados. Consequentemente, é possível delimitar a área de influência simplesmente observando as regiões cujo acesso a mercado é significativamente influenciado pela implementação daquele projeto. Dessa forma, a abordagem de acesso a mercado fornece um ponto de partida transparente e abrangente para delimitação da área de influência que pode ser construído logo no início do projeto.

Ainda que essa área de influência possa ser modificada à medida que estudos detalhados do projeto sejam concluídos, a definição de uma área de influência a partir de critérios que levem em conta os desdobramentos econômicos desde o início do projeto traz importantes benefícios para a minimização dos seus riscos.

Em primeiro lugar, essa delimitação da área de influência, utilizando a abordagem de acesso a mercado, possibilita a antecipação de discussões sobre medidas de mitigação e compensação que hoje em dia ocorrem somente durante o licenciamento ambiental dos empreendimentos. Em posse de informações acuradas sobre a área de influência e os riscos do projeto é possível antecipar essas discussões e aprofundar o debate sobre a viabilidade de cada projeto. Essa antecipação pode acontecer na fase de viabilidade, já prevista no ciclo de projetos de logística, ou em um passo anterior a viabilidade, o que tem o potencial de reduzir conflitos e permitir modificações do projeto que reduzam seus impactos socioambientais.

Em segundo lugar, no lugar de critérios que tipicamente se baseiam apenas na distância geográfica, a delimitação da área de influência utilizando a abordagem de acesso a mercado facilita o processo de consultas das populações potencialmente impactadas pelo projeto. Previsto tanto na legislação brasileira quanto em convenções internacionais, esse processo é fundamental para dar voz às comunidades afetadas, reduzir conflitos e permitir que elas proponham modificações nos projetos que mitiguem e compensem seus impactos.[12]

O caso da BR-319

A BR-319, que liga os municípios de Porto Velho (RO) e Manaus (AM), foi construída nos anos 1970. Entretanto, devido à falta de manutenção, longos trechos não asfaltados dessa rodovia se tornaram intrafegáveis a partir do final dos anos 1980. Nos últimos anos, a reconstrução dessa rodovia se tornou um dos investimentos previstos do governo federal na Amazônia Legal.

A abordagem de acesso a mercado pode ser utilizada na delimitação da área de influência desse empreendimento. O caso da BR-319 é exemplo do potencial dessa metodologia para identificar riscos, orientar processos de consulta e promover debate sobre medidas de mitigação de impactos dos projetos de infraestrutura logística. Os dados indicam que a construção da BR-319 afetará um total de 9 municípios localizados no estado do Amazonas.[13] Esses municípios tem uma população de mais de 320 mil habitantes e possuem uma área de mais de 300 mil km2. Se um critério de distância fixa do traçado do projeto fosse utilizado, a área de influência poderia variar entre 7,600 km2 – se a distância fosse de 10km como estabelecido no EIA da EF-364 – a 38,000 km2 – se a distância fosse de 50km como estabelecido no EIA da EF-354.

Os impactos do asfaltamento desse projeto sobre o acesso a mercado mudam não linearmente com a distância do empreendimento e não são uniformes ao longo de todo o projeto (Figura 1). Isso significa que a abordagem de acesso a mercado permite não somente delimitar de forma mais realista a área de influência como também identificar localidades mais e menos impactadas dentro da área de influência.

Figura 1. Acesso a Mercado na Área de Influência da BR-319

Fonte: CPI/PUC-Rio a partir de dados do Ministério da Infraestrutura, Censo Demográfico (IBGE) e SIFRECA/ESALq, 2022

No total, a área de influência da BR-319 tem sobreposição com 49 territórios indígenas, com 49 unidades de conservação e com mais de 140 mil km2 de florestas públicas não destinadas (Figura 2). Esses dados demonstram a importância de consultar as populações potencialmente atingidas, a importância de destinar as florestas públicas não destinadas e de implementar medidas de governança territorial e comando e controle que fortaleçam a proteção das unidades de conservação existentes na região. Em todos os casos, a possibilidade de identificar riscos, populações afetadas e potenciais medidas de mitigação logo no início do ciclo de projetos é uma oportunidade para melhorar decisões de investimento em infraestrutura logística, diminuindo riscos, evitando conflitos e garantindo um bom uso dos recursos públicos.

Figura 2. Área de Influência, Áreas Protegidas e Florestas Públicas Não Designadas na BR-319

Fonte: CPI/PUC-Rio a partir de dados do Ministério da Infraestrutura, Censo Demográfico (IBGE), SIFRECA/ESALq e Ministério do Meio Ambiente, 2022

Conclusão e Recomendações de Política Pública

Esse estudo discute como melhorias na delimitação da área de influência de projetos de infraestrutura logística podem ajudar a mitigar os danos socioambientais gerados pela implementação desses projetos. Utilizando uma abordagem de acesso a mercado desenvolvida por pesquisadores do CPI/PUC-Rio, discute-se como o uso de metodologias transparentes podem ajudar a identificar riscos, orientar processos de consulta às populações potencialmente afetadas e a desenhar medidas de compensação e mitigação.

Mudanças regulatórias que tornem os critérios e as metodologias de delimitação da área de influência mais transparentes e que permitam a antecipação de discussões socioambientais podem ser instrumentos importantes para melhorar a governança de projetos de infraestrutura logística e assim melhorar a relação custo-benefício desses projetos para a sociedade. Especificamente, as três propostas abaixo ajudariam a melhorar a governança dos projetos:

  1. O Ministério da Infraestrutura deveria estabelecer que riscos socioambientais sejam dimensionados no início do ciclo de vida do projeto.
  2. Definir uma metodologia que permita o cálculo, a partir de informações de domínio público, da área de influência de projetos de infraestrutura logística. Essa metodologia deve possuir dados e códigos abertos ao público de forma a reduzir a discricionariedade atualmente existente na delimitação das áreas de influência direta e indireta.
  3. O Ministério da Infraestrutura e órgãos associados deveriam construir e manter atualizado um Sistema de Informações Geográficas (SIG) com todas as informações territoriais, de infraestrutura existente e de infraestrutura prevista necessárias para computar a área de influência de projetos de infraestrutura logística contemplados no Plano Nacional de Logística (PNL).

[1] Ferraz, Gonçalo, et al. “Rates of species loss from Amazonian forest fragments”. Proceedings of the National Academy of Sciences 100, nº24 (2003): 14069-14073.

[2] Spracklen, Dominick V., S. R. Arnold e C.M. Taylor. “Observations of Increased Tropical Rainfall Preceded by Air Passage Over Forests”. Nature 489, nº 7415 (2012): 282-285.

[3] Araujo, Rafael. Mapeando o efeito do desmatamento nas chuvas: um estudo de caso do estado de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021.

[4] Rocha, Rudi e André A. Sant’Anna. “Winds of fire and smoke: Air pollution and health in the Brazilian Amazon ”World Development 151 (2022).

[5] Rangel, Marcos A. e Tom S. Vogl. “Agricultural fires and health at birth”. Review of Economics and Statistics 101, nº 4 (2019): 616-630.

[6] Chimeli, Ariaster B. e Rodrigo R. Soares. “The use of violence in illegal markets: Evidence from mahogany trade in the Brazilian Amazon”. American Economic Journal: Applied Economics 9, nº 4 (2019): 30-57.

[7] Fetzer, Thiemo e Samuel Marden. “Take what you can: property rights, contestability and conflict”. The Economic Journal 127, nº 601 (2017): 757-783.

[8] Antonaccio, Luiza, Ana Cristina Barros, Arthur Bragança, Joana Chiavari. A importância de aprimorar a definição e a delimitação da Área de Influência de projetos de infraestrutura. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2020.

[9] Eaton, Jonathan e Samuel Kortum. “Technology, geography, and trade”. Econometrica 70, nº 5, (2002): 1741-1779.

[10] Redding, Stephen e Anthony J. Venables. “Economic geography and international inequality”. Journal of International Economics 62, nº 1 (2004): 53-82.

[11] Donaldson, Dave e Richard Hornbeck. “Railroads and American economic growth: A ´market access´ approach.” The Quarterly Journal of Economics 131, nº 2 (2016): 799-858.

[12] Por exemplo, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho. Veja mais em Garzón, Biviany R. et al. Recomendações para aplicação do direito de Consulta Livre, Prévia e Informada. Brasília: Instituto Socioambiental, 2021.

[13] Os municípios são: Anori, Beruri, Canutama, Carauari, Coari, Humaitá, Manicoré, Tapauá e Tefé.

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