Direito da Insolvência

Alienação feita por preço vil nos processos de falência

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14 de novembro de 2022, 10h41

Tem-se observado nos últimos meses o intenso debate sobre a possibilidade da alienação de bem de sociedade falida por valor inferior a 50% do seu valor de avaliação, o que foi autorizado pela nova redação da letra V, do inciso 2º A do artigo 142 da Lei de Falências, a qual foi introduzida pela Lei 14.122/2020. Isto porque a alienação realizada por preço vil, além de gerar inúmeras impugnações dos falidos e dos credores, seria, em tese, vedada pelo artigo 891 do Código de Processo Civil [1].

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Este artigo não abordará a alienação de bens nos processos de recuperação judicial, posto que a alienação de um bem por valor inferior à 50% do seu valor de avaliação, desde que estabelecida no plano de recuperação judicial e aprovada pelos credores, ou ainda, pelo Comitê de Credores, é permitida pela nova redação do inciso 3º B do artigo 142 da Lei de Falências, o qual foi introduzido pela Lei 14.122/2020.

O tema em questão ganha importância nos processos de falência, nos quais os falidos e os credores, em grande parte das vezes, não participam ativamente da avaliação dos ativos da sociedade falida, sendo certo que a letra V, do inciso 2º A do artigo 142 da Lei de Falências é clara ao permitir que não se aplique o conceito de preço vil às alienações realizadas nos termos da lei [2].

As alterações promovidas pela nova redação do artigo 142 da Lei de Falências, as quais foram introduzidas pela 14.122/2020, certamente, decorrem da baixa efetividade dos leilões de bens realizados nos processos de falência. Com efeito, os dados levantados pelo Observatório da Insolvência, em estudo promovido pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), em março de 2022, mostra que "a proporção de itens que são efetivamente vendidos nos leilões é de 28,7% e os itens mais vendidos são veículos, enquanto os menos vendidos são carteiras de crédito" [3].

O brilhante estudo realizado pela associação ainda indica que "é possível notar que, após três anos do primeiro leilão, a probabilidade de venda estabiliza, indicando que nenhum item será vendido após esse tempo. O resultado poderia ser utilizado, por exemplo, para recomendar que não se realizem leilões após três anos da primeira tentativa de venda" [4]. Logo, se os bens não são vendidos após três anos do primeiro leilão, nada mais razoável do que se promover a alienação dos bens da sociedade falida pelo melhor preço.

Cumpre notar que a alienação de bem da sociedade falida pelo melhor preço deve seguir estritamente o inciso 3º A do artigo 142 da Lei de falências, o qual determina que o leilão eletrônico do bem pelo melhor preço só ocorrerá nos termos de edital publicado nos autos da falência. Este edital deverá indicar que a primeira chamada do leilão eletrônico terá como valor mínimo o valor de avaliação do bem, a segunda chamada do leilão eletrônico deverá ter como valor mínimo 50% do valor de avaliação do bem, ao passo que a terceira chamada do leilão eletrônico permitirá a alienação do bem pelo melhor preço.

Ainda que o estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria indique a baixa eficácia dos leilões que se iniciaram há três anos, a letra V, do inciso 2º A do artigo 142 da Lei de Falências permita o leilão de bens da sociedade falida pelo melhor preço, desde que esta alienação ocorra nos termos do inciso 3º A do artigo 142, o tema é polêmico.

Isto porque, ainda que se busque a maior celeridade nos processos de falência, o conceito de vedação da alienação de bens por preço vil é preceito muito difundido no processo civil brasileiro e a letra V, do inciso 2º A do artigo 142 da Lei de Falências nada mais é do que uma nova norma trazida, justamente, para testar os limites do conceito de preço vil.

O Superior Tribunal de Justiça, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.122, já vinha flexibilizando os critérios objetivos para a configuração de preço vil nos processos de falência, permitindo a arrematação de bens das sociedades falidas por preço inferior à 50% do valor de avaliação a depender do caso concreto [5].

O Tribunal de Justiça de São Paulo, através do julgamento do Agravo de Instrumento nº 2134903-69.2022.8.26.000, entendeu que "no regime falimentar, a noção do preço vil do CPC não se aplica, de modo que o comprador interessado pode pagar qualquer preço pelo bem, em homenagem à eficiência da realização do ativo" [6].

Como se vê, o TJ-SP, recentemente, concluiu que o conceito de preço vil não se aplicaria aos casos de alienação de bens de uma sociedade falida, nos termos da letra V, do inciso 2º A do artigo 142.

Ademais, o TJ-SP, no julgamento do AI nº 2134903-69.2022.8.26.0000, foi ainda mais claro ao determinar que "o controle efetuado pelo magistrado não se pautou pela estrita legalidade, mas sim por um critério de conveniência e de uma possível melhor vantagem econômica para a massa, o que não pode prevalecer. A decisão vai de encontro com a segurança jurídica e viola direito subjetivo" [7].

Ou seja, o julgado citado acima deixa claro que o dever do juiz nada mais é do que verificar se o procedimento de alienação judicial do bem se pautou pela estrita legalidade, e se o procedimento respeitou o inciso 3º A do artigo 142 da Lei de Falências, não devendo o juiz analisar as condições de mercado, ou ainda, eventual vantagem econômica à massa falida.

Contudo, aqueles que defendem a vedação da alienação dos bens da sociedade falida por preço vil nos processos de falência entendem que o artigo 891 do Código de Processo Civil vedaria a alienação de bens por valores inferiores a 50% do valor de avaliação.

Todavia, o TJ-SP entendeu corretamente que a letra V, do inciso 2ºA do artigo 142 da Lei de Falências é lei especial que derrogaria a lei geral, o que reafirmaria o afastamento do conceito de preço vil e do artigo 891 do Código de Processo Civil às alienações judiciais realizadas nos processos de falência [8].

Portanto, o que se conclui neste estudo é que o Poder Judiciário está afastando o conceito do preço vil em alienações realizadas nos processos de falência, entendendo que o que caberá aos juízes nada mais é do que verificar se o procedimento de alienação do bem seguiu as normas impostas pela Lei de falências, não sendo possível qualquer análise mercadológica, ou ainda, de eventual vantagem à massa falida pelo Poder Judiciário.


[1] Artigo 891 — Não será aceito lance que ofereça preço vil. Parágrafo único  Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido ficado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.

[2] A Alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades: 2º A – A alienação de que trata o caput deste artigo: V – não estará sugeita à aplicação do conceito de preço vil.

[3] Observatório da Insolvência, Fase3: Falências no Estado de São Paulo, Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), 23 de março de 2022, página 33 — https://abj.org.br/

[4] Observatório da Insolvência, Fase3: Falências no Estado de São Paulo, Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), 23 de março de 2022, página 38 — https://abj.org.br/

[5] Superior Tribunal de Justiça, Agravo em Recurso Especial número 542.564-Al., relator ministro João Otávio Noronha; Recurso Especial número 1.648.020-MT., relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino e Recurso Especial número 100.188-SP, relator ministro Costa Leite.

[6] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agravo de instrumento número 2134903-69.2022.8.26.0000, relator ministro Franco de Godoi. Ainda no mesmo sentido, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agravo de instrumento número 2007914-18.2022.8.26.0000, relator ministro Ricardo Negrão.

[7] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agravo de instrumento número 2134903-69.2022.8.26.0000, relator ministro Franco de Godoi.

[8] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, agravo de instrumento número 2158769-43.2021.0000, relator ministro Franco de Godoi.

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