Dezesseis

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PRÓLOGO

QUANDO EU ER A PEQUENA , achava que todas as meninas do mundo se pareciam comigo, porque é assim que são as coisas no jardim de infância. Os únicos rostos femininos vistos que eram diferentes do meu pertenciam às nossas babás, que se pareciam entre si, e eu acreditava que quando crescesse meu rosto ficaria igual ao delas. No dia em que passei de Dahlia 3 para Dahlia 4, minha classe foi morar no dormitório principal e pôde comer no refeitório com as outras crianças pela primeira vez. Fiquei boba. Não sabíamos ler ainda, mas todas nós reconhecíamos os nomes impressos nos uniformes das outras crianças porque já tínhamos olhado para eles em nossas próprias roupas durante toda a vida. Os nomes são todos os mesmos, é claro. São os números que importam. Os números e os rostos. Naquele primeiro dia no refeitório principal, a maioria de nós estava atordoada demais para comer bem. Poppy 4, minha melhor amiga, não parava de falar dos outros rostos. Todas as garotas do ano 5 tinham pele escura e longos cabelos pretos e lisos. As do ano 6 tinham cachos loiros e um punhado de pintinhas no rosto, que nossa babá chamava de sardas. Poppy queria muito ter sardas. 5


Lá também havia meninos. Nós víamos os garotos do ano 4 no jardim de infância, é claro, mas os 5 e 6 eram tão diferentes dos que conhecíamos quanto as meninas dos anos correspondentes eram de nós. Foi então que entendemos sobre a preservação e a distribuição uniforme dos traços genéticos. Tudo o que sabíamos era que num refeitório cheio de crianças de 4, 5 e 6 anos de idade, víamos seis tipos de rosto completamente diferentes. Nossa visão de mundo tinha simplesmente explodido. Mas enquanto Poppy observava rosto sardento após rosto sardento e Violet estendia a mão para tocar cada cabeça de cabelos lisos e macios que passava pela nossa mesa, eu estudava cada uniforme que podia ver, buscando uma série de letras que fossem as mesmas que as minhas. Em algum lugar na multidão de centenas de crianças do primário, havia uma garota chamada Dahlia 5. Ela não se pareceria comigo, é claro. Ela se pareceria com todas as do ano 5. Mas, mesmo tendo 4 anos, eu entendia que Dahlia 5 e eu éramos parecidas num nível muito mais fundamental. Pouco antes, ela tinha sido Dahlia 4, assim como eu. E, dentro de mais um ano, eu seria ela. Pensei que, se pudesse encontrá-la, poderia ver meu próprio futuro. Em toda a minha vida, nunca estive tão errada sobre alguma coisa.

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UM

MEUS TOMATES CHEIR AM tão bem. Eles estão vermelhos, maduros e firmes, e eu adoraria colher um do pé e mordê-lo como se fosse uma maçã. Mas não vou fazer isso, porque os agricultores hidropônicos plantam vegetais para a cidade, não para si. – Por que você sempre faz isso? – Sorrel 16 olha para minha mão esquerda, que está dobrada sobre a borda da mesa de irrigação, com os dedos dentro da água. Um teste de pH que parece uma caneta achatada está sobre a mesa, mas eu raramente o uso. – Dahlia acha que pode adivinhar o pH da água pelo toque – Poppy 16 responde por mim, inclinando-se sobre suas plantas para sussurrar enquanto nossa instrutora se aproxima. – Estou certa, não estou? Minha habilidade, porém, não vem de tocar a água, mas de olhar as plantas com atenção. Eu não deveria me orgulhar do fato de os meus tomates serem os frutos mais brilhantes e firmes da classe, mas não consigo evitar. O melhor que posso fazer é tentar esconder minha satisfação na frente da nossa instrutora. E das câmeras. Meu favorito entre os tomates que plantamos até agora é o ­tomate-­caqui, gordo e vermelho, que implora para ser fatiado e colocado sobre um hambúrguer de soja ou um sanduíche de peru. Mas também tenho um carinho pela variedade italiana e pelos vibrantes tomates-pera-amarelos, que têm o tamanho do meu polegar, mas são bulbosos na extremidade.

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Às vezes, eu gostaria de poder dizer aos cozinheiros que os tomates não são todos parecidos. Mas meu trabalho não é criar receitas nem fazer comida. Meu trabalho é cultivar plantas comestíveis. Pelo menos, será esse quando minha classe se formar e entrar na Divisão de Trabalho Profissional. Como integrantes da Seção dos Agricultores Hidropônicos, vamos cultivar alimentos para a cidade de Lakeview. Esse é o nosso destino desde que nosso genoma foi encomendado pela Liderança. – Está bem, gênio. – Violet olha para mim por entre suas plantas. Sua estação fica na diagonal da minha, ao lado da de Poppy e de frente para a de Sorrel, em nosso cubículo de trabalho. – O que eu estou fazendo errado, então? – ela sussurra. As folhas dela estão enrolando nas pontas e os caules têm um pálido matiz avermelhado. – Deficiência de magnésio. Seu pH está muito baixo. – Isso é impossível, eu conferi o pH ontem – sussurra Violet. – Confira de novo. Entreguei a ela o teste de pH e ela o mergulhou na água de sua bandeja de irrigação. Ela espremeu os olhos e apertou o maxilar. Eu reconheço sua frustração porque vejo aquela mesma expressão no espelho todos os dias. Não que eu precise de um espelho para ver meu rosto. Basta olhar em volta no quarto. Todas as vinte alunas da classe de cultivo hidropônico do ano 16 têm o mesmo cabelo castanho, olhos castanhos e pele clara. Somos todas destras. Todas nós temos os lóbulos da orelha proeminentes e o segundo dedo do pé mais longo que o dedão, e todas nós enrolamos a língua. Se eu entrasse em qualquer uma das outras classes profissionalizantes – elétrica, hidráulica, cozinha, costura, carpintaria, mecânica, paisagismo e muitas, muitas outras –, veria mais vinte rostos e corpos idênticos, diferentes de mim apenas pelos códigos de barra nos pulsos e pelos nomes nos uniformes. Nomes como Anise e Julienne. Cornice e Fascia. Gusset e Muslin.

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Todas as garotas da Divisão de Trabalho Profissional do ano 16 foram clonadas de um único genoma, criado por um engenheiro genético para serem saudáveis, fortes e inteligentes. E nós somos tudo isso. Mas algumas também são preguiçosas. Por exemplo, a Violet. – Dahlia 16! – chama nossa instrutora, Sorrel 32, do outro lado da sala. Fico paralisada enquanto seus sapatos padrão de instrutora se aproximam ruidosamente. Suas mãos pousam em meus ombros e eu prendo a respiração. Nós não devemos conversar com nossas amigas durante as aulas. – Estes tomates italianos estão lindos! Quando você começou a cultivá-los? – Sorrel 32 levanta a etiqueta pendurada em uma das minhas plantas e seus olhos se arregalam. – Isto está certo? – Ela aponta para a data na etiqueta. – Estas plantas não podem ter apenas seis semanas. – Elas têm. Eu as plantei no mesmo dia que todo mundo. – E ela deve saber isso, pois esteve esteve nas aulas todos os dias, inclusive no dia em que começamos esta unidade de tomates. – Nenhuma das outras estão prontas para colher. – Seu olhar percorre a estufa hidropônica, passando por tomates em vários estágios de crescimento. Os meus são os mais maduros. – Ótimo trabalho, Dahlia 16. – Eu trabalho pela glória da cidade – digo a ela. Mas, por dentro, estou inebriada de um orgulho tóxico. Os tomates são os meus favoritos e, evidentemente, eles gostam de mim tanto quanto gosto deles.

Quando a instrutora nos libera do período de trabalho-estudo, limpo a minha estação e guardo meus mantimentos, então me esgueiro até a sala da sementeira para checar minhas cenouras e beterrabas. Essa fileira de quase dois metros de plantas é só uma versão em miniatura daquela

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pela qual eu serei responsável quando me formar, mas aqui também minhas plantas se destacam, mesmo nos estágios iniciais. Contudo, as beterrabas de Olive 16 também parecem fortes. A inveja é uma emoção infantil. A firmeza de nossa cidade depende da força de todos os seus integrantes trabalhando juntos – mesmo aqueles que só plantam verduras –, e será melhor para Lakeview se tanto Olive quanto eu formos boas em nosso trabalho. Mesmo assim quero ser a melhor agricultora. Tento afastar esse pensamento, mas não consigo expulsá-lo da cabeça. Quero ser melhor em tubérculos do que Olive, da mesma forma que eu queria ser melhor que todas as outras em grãos, vinhas e legumes. E não só pela glória de Lakeview. Com um pouco de vergonha ou não, sinto certa satisfação quando meus produtos são obviamente os melhores da classe, mas não porque forneci os melhores alimentos que consigo produzir para a cidade. Fico satisfeita porque os melhores alimentos que consigo produzir são os melhores alimentos que qualquer um poderia produzir. É uma satisfação egoísta estranha. Ser a melhor é muito bom. Na sequência desses pensamentos traiçoeiros, percebo que fiquei olhando para as plantas de Olive por tempo demais. Quem quer que esteja monitorando as imagens da câmera viu minha inveja e percebeu que ela é motivada por orgulho. Depressa, verifico o equilíbrio do pH da solução na bandeja de irrigação das minhas cenouras, então arrumo tudo e volto para a sala de aula. Poppy está esperando por mim na porta para irmos juntas ao refeitório. Em vez do avental verde de jardinagem, com poppy 16 bordado no centro, ela está usando agora o blusão verde de aula com poppy 16 bordado sobre o coração, porque depois do almoço temos um período de quatro horas de teoria. Ela também está segurando o meu casaco,

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mas, antes que eu possa pegá-lo, Sorrel 32 se coloca no meu caminho. Ela sorri para mim. – Dahlia 16, a Administração gostaria de falar com você. Minha garganta se fecha e quase não consigo respirar. – Tenho certeza de que você não tem motivo para se preocupar – diz ela. – Talvez tenham notado aqueles belos tomates italianos! Sorrel 32 é muito gentil, mas não sabe que eu observei as beterrabas de Olive 16 por tempo demais. Ou que a inveja talvez estivesse clara em minha expressão quando olhei para elas. – Agora? – Minha voz sai sussurrada e fraca. Ela faz que sim. – Você receberá um visto de atraso, então terá tempo de terminar seu almoço com a próxima classe. Eu vejo rostos que são diferentes do meu o tempo todo, mas nunca me sentei numa mesa cercada de pessoas que não se parecem exatamente comigo. Dessa forma, vou me destacar. Um arrepio de nervoso percorre minha espinha com esse pensamento, mas não há dúvida de que vou obedecer à intimação da Administração. Pego meu casaco com Poppy e ela parece estar quase tão ansiosa por ter de ir ao refeitório sozinha quanto eu estou por cruzar o gramado comunal sem companhia. As estudantes são encorajadas a permanecer juntas com suas idênticas para manter o senso de identidade e reforçar o propósito e a posição na estrutura da cidade. Lakeview é composta de cinco Departamentos, cada qual com responsabilidades distintas. Eu sou uma estudante do Departamento de Força de Trabalho, que é dividido ainda nos setores de trabalho profissional e trabalho braçal. O Departamento de Artes se encarrega da música e da arte em Lakeview, incluindo os murais que enfeitam as paredes de todas as Academias e as esculturas espalhadas pelo gramado comunal em intervalos medidos com exatidão. O Departamento de Especialistas nos

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oferece funcionários de saúde, cientistas e engenheiros. O Departamento de Defesa treina soldados para a proteção e fortificação da cidade, e o Departamento de Administração assegura que tudo funcione no ápice da eficiência, com o mínimo de desperdício possível. Eu faço minhas refeições, divido o beliche, trabalho e estudo com outras meninas do ano 16 da Divisão de Trabalho Profissional. E todas temos muita sorte de que existam tantas de nós. Tenho pena de algumas das unidades menores, porque poucos rostos que elas veem diariamente são parecidos com os delas. Deve ser difícil para elas saberem qual é o seu lugar. Embora o barulho dos talheres e o ruído de conversa me convidem para o refeitório, sigo em direção aos elevadores. Quando entro no primeiro a se abrir, percebo que nunca estive num elevador sozinha. Sou a única que está deixando a Academia no meio do dia e, quando atravesso o saguão do primeiro andar, sinto-me estranhamente exposta e em evidência. Do lado de fora, uma classe de jardineiros está ocupada tirando as flores do mês passado do canteiro amorfo que circunda a lateral da ­Academia, sob a supervisão de seu instrutor. Os jardineiros são meninos de pele clara com sardas e olhos castanhos, de cabelos castanhos curtos e ondulados. Os nomes familiares – Aspen, Linden, Oleander, Ash – costurados em seus uniformes, antecedem o número 13. Para além dos canteiros, outro instrutor guia uma classe de meninas com pele escura e cachos volumosos por uma calçada curva que leva a um playground num extremo do gramado comunal. O movimento à direita chama minha atenção e, ao me virar, vejo quatro soldados altos da Defesa, vestidos de preto, patrulhando o gramado comunal em passos sincronizados. Para além deles, um carro preto lustroso desce a rua, seguindo por uma faixa larga especial pintada no chão, com aparência metálica, chamada de faixa de cruzeiro, que guia todos os veículos da cidade. No banco da frente, dois homens de terno – obviamente da

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Administração – leem em seus tablets, clicando em menus e mensagens enquanto o automóvel os conduz ao trabalho. Todo mundo tem um lugar onde estar e algo a fazer. Inclusive eu. Então engulo seco e me direciono para o caminho sinuoso que leva ao portão de saída da ala de treinamento. Passei minha vida inteira na ala de treinamento, dividindo meu tempo entre a Academia de Força de Trabalho e meu dormitório – primeiro o jardim de infância, depois o primário, agora o dormitório secundário. E, embora eu esteja a menos de dois anos de me formar, nunca vi a ala residencial, onde minhas idênticas e eu viveremos como integrantes adultas do Departamento de Força de Trabalho. Na verdade, só estive fora da ala de treinamento duas vezes. No portão, um soldado chamado Eckhard 24 observa enquanto eu estendo o braço sob um scanner. A luz vermelha passa sobre o código de barras no meu pulso e uma voz eletrônica lê as instruções que aparecem na tela. – Dahlia 16. Siga para o Departamento de Administração. – Você sabe qual é o prédio? – o soldado me pergunta. – Sim. Eu nunca fui ao Departamento de Administração, mas o vi uma vez. É o menor dos Departamentos, porque a liderança requer um pessoal relativamente pequeno. São tão poucos os estudantes treinando para serem administradores que a Academia deles tem apenas três andares. Em contraste, a Academia de Força de Trabalho é o maior prédio de Lakeview. Tem de ser. Embora talvez existam apenas vinte meninas em toda a classe de administração do ano 16, há cinco mil estudantes de cursos profissionalizantes de 16 anos que têm o mesmo rosto que eu. É por isso que é tão estranho deixar a ala de treinamento sem uma multidão delas ao meu redor. O soldado pressiona um botão e o portão se abre com um ruído pesado de arrastar.

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– Obrigada por seu serviço – digo enquanto deixo a ala de treinamento. – Seu trabalho honra a todos nós – responde ele. O portão desliza e se fecha atrás de mim, e relaxo um pouco enquanto passo pelo Centro de Agricultura Hidropônica, onde minhas idênticas e eu vamos trabalhar quando nos formarmos. Poppy espera que sejamos designadas para a unidade de grãos e gramíneas, porque é mais espaçosa, mas eu gostaria que fôssemos para vinhas e trepadeiras. Ou qualquer coisa exceto os tubérculos, na verdade. Atrás do CAH ficam o Centro Médico e o Centro de Artes. Então chego à fileira bem organizada de escritórios dos Departamentos, no que deve ser o coração da cidade. O Departamento de Defesa é um prédio de concreto sem características marcantes, baixo, com apenas dois andares, mas largo e profundo. O Departamento de Força de Trabalho é uma estrutura funcional de aço com janelas, e atrás dele fica o Departamento de Administração, uma torre estreita de vidro espelhado que reflete a luz do sol para o resto do mundo como se fosse a verdadeira fonte dessa energia vital. Subo correndo as escadas da sede da Administração e estendo o pulso debaixo de um dos scanners do saguão. A luz vermelha se move sobre o código de barras no meu braço, e a mesma voz eletrônica lê as instruções na tela. – Dahlia 16. Siga para o Conjunto 4C, sala 27. A administradora de agricultura Cady 34 a espera. Entro no elevador mais próximo, no qual minha imagem olha para mim nas portas espelhadas e, por um segundo, sinto a companhia do meu reflexo. Quando a porta se abre no quarto andar, entro num saguão de piso branco onde uma placa me dirige para a esquerda, para o Conjunto C, que abriga a Unidade de Administração da Agricultura.

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Bato à porta onde está escrito 27, e uma voz feminina pede para eu entrar. Cady 34, assim como todas de sua Divisão, obviamente, é uma mulher baixinha de pele parda e olhos negros. – Sente-se, Dahlia 16. – Ela aponta para as duas cadeiras em frente à sua mesa. Eu me sento na da direita, com as palmas das mãos escorregadias, suando de nervoso. – Sua instrutora me disse que sua produção está sempre entre as melhores, não só da sua classe, mas de todo o seu setor. Pisco, surpresa. Sorrel 32 com certeza está satisfeita com meu trabalho, mas nunca é aconselhável se destacar demais, mesmo que por um bom motivo. Qualquer coisa que fuja da norma ameaça a eficiência do sistema como um todo. – Sorrel 32 nomeou você para ser considerada como futura instrutora. Ela acredita que suas habilidades poderão beneficiar mais a cidade se você ensinar os outros a produzirem alimentos com qualidade melhor do que os produzidos atualmente.Você concorda? Não me lembro de nenhum adulto ter pedido minha opinião até então. Isso é um teste. Deve ser. Meu coração acelera. Não sei qual é a resposta certa. – Não é uma pegadinha, Dahlia 16. – Mas Cady 34 não está sorrindo nem tampouco faz qualquer esforço para me deixar à vontade. – Você acredita que pode servir melhor a Lakeview como instrutora? Você quer se tornar uma instrutora? Se eu quero…? Que pergunta estranha. Selecionar-me como instrutora é a única forma pela qual a cidade de Lakeview vai reconhecer meu trabalho duro e habilidade superior. Mas, em vez de plantar tomates, cenouras ou morangos na companhia

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de minhas colegas, passarei o resto da vida cultivando outros agricultores. Sozinha. É isso que eu quero? Cady 34 nota minha indecisão. – Você não precisa responder agora. Mas deve saber que não é a única que está sendo avaliada para esta vaga. A surpresa toma conta de mim e me endireito na cadeira. – Quem mais vocês estão observando? – É Olive 16. Sei que é. Cady 34 franze a testa e percebo que não devo me preocupar com quem mais eles estão considerando. Não é uma competição. O que importa é que a Administração escolha a pessoa cuja instrução para os futuros agricultores mais beneficie a cidade de Lakeview. Quer eu seja essa pessoa ou não. – Dahlia, enquanto seus esforços continuarem a glorificar a cidade, você tem uma boa chance de ser escolhida como instrutora. Mas a cidade de Lakeview não tem espaço para ego ou orgulho próprio, e a Administração não recompensará nada disso colocando você numa posição de autoridade e instrução de jovens mentes. Você é apenas um pixel entre os milhares necessários para formar uma imagem clara, então precisa se concentrar nessa imagem geral. Se sua arrogância for considerada uma falha genética, a Liderança não terá escolha a não ser recolher todas… – ela olha para alguma coisa na tela de seu tablet – … as cinco mil espécimes do seu genoma. Você entende o que isso significa? O medo pesa como se eu usasse sapatos de ferro. Faço que sim com a cabeça. Recolher meu genoma significaria eliminar todas as meninas da minha Divisão. Cinco mil corpos, todos com meu rosto.

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Entro no elevador atordoada. As portas se fecham e ele começa a subir, porque estou tão perdida com esse novo medo que me esqueço de apertar o botão do térreo. O número dos andares só aumenta enquanto pressiono o botão do T, mas ele não acende nem o elevador muda de sentido. Alguém deve tê-lo chamado. A subida termina no 10o andar e, quando as portas se abrem, um cadete do Departamento de Defesa entra. O nome bordado em branco em seu casaco preto diz trigger 17. Ele está a poucos meses de começar sua vida como um soldado adulto. – Obrigada por seu serviço – digo quando as portas se fecham, porque isso é tudo que um trabalhador profissional tem permissão de dizer a um cadete ou soldado. – Seu trabalho honra a todos nós – ele responde. Então aperta o botão T. O elevador começa a descer e lanço um olhar furtivo para ele, porque nunca vi seu modelo genético de perto, e o geneticista que criou esse genoma certamente trouxe glória à cidade com aquele projeto. Trigger 17 é alto, com a pele alguns tons mais escura que a minha e olhos como o céu noturno, escuros e brilhantes. Suas características têm uma força e simetria agradáveis. Acabo de notar que o cabelo do cadete forma cachos em volta de sua orelha esquerda quando o elevador range e para num solavanco, me fazendo perder o equilíbrio. Tropeço e caio contra a parede. As luzes se apagam. Estou presa num elevador quebrado com Trigger 17.

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