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Frei David Santos

Frei David liderou uma mudança histórica no sistema de ensino superior brasileiro ao criar a arquitetura de um movimento social para garantir o acesso à educação a estudantes pretos, pardos, indígenas…
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Esta descrição do trabalho de Frei David Santos foi preparada quando Frei David Santos foi eleito para a Ashoka Fellowship em 2023.

Introdução

Frei David liderou uma mudança histórica no sistema de ensino superior brasileiro ao criar a arquitetura de um movimento social para garantir o acesso à educação a estudantes pretos, pardos, indígenas e de baixa renda. Ele foi pioneiro e continua a liderar uma série de estratégias para assegurar a equidade étnico-racial na educação e as esferas de poder.

A nova ideia

Frei David é o arquiteto de um movimento histórico que assegurou o acesso ao ensino superior para milhares de estudantes em todo o país. Em 1993, ele iniciou esse movimento ao fundar o "Pré-Vestibular para Negros e Carentes", posteriormente renomeado em grande parte para "EDUCAFRO Brasil". Este foi o primeiro curso comunitário de preparação para exames universitários direcionado a estudantes negros e de baixa renda. Ele desenvolveu um modelo altamente adaptável no Estado do Rio de Janeiro, que foi posteriormente disseminado por todo o país. Isso envolveu a criação de uma rede de voluntários e centros educacionais comunitários, os quais reproduziram o modelo de forma independente.

Esses cursos não apenas preparam os estudantes para o vestibular, mas também promovem debates sobre questões raciais, socioeconômicas e de cidadania. Como resultado desse trabalho, a EDUCAFRO Brasil facilitou o acesso de mais de 60 mil estudantes a instituições de ensino superior. Além disso, mais de 2.300 cursos preparatórios comunitários foram estabelecidos em todo o Brasil, ampliando o impacto positivo para milhares de outros estudantes.

Simultaneamente, visando expandir a oferta de vagas no ensino superior, Frei David estabeleceu parcerias estratégicas com instituições privadas para assegurar bolsas de estudo destinadas a pessoas de baixa renda. Ele iniciou essa abordagem por meio de uma colaboração com a Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro para testar o modelo e mostrar sua relevância e validade. Ao longo dos anos, Frei David ampliou significativamente o número de faculdades particulares envolvidas nessa iniciativa. Atualmente, a EDUCAFRO Brasil mantém parcerias com nove universidades, incluindo instituições renomadas como o Insper e a Fundação Getúlio Vargas. Reconhecendo a complexidade subjacente ao desafio, Frei David compreendeu que uma mudança sistêmica era imperativa para garantir o acesso à educação a grupos historicamente marginalizados. Dessa forma, ele se empenhou em desenvolver estratégias que visassem integrar um maior número de estudantes no sistema público de educação superior.

Frei David então iniciou um movimento social para garantir que uma parte das vagas no sistema público de educação superior fosse reservada para estudantes negros, indígenas e de baixa renda. Ele fez isso organizando os alunos da EDUCAFRO Brasil e de outros cursos preparatórios comunitários, levando essa agenda aos principais meios de comunicação e representando o movimento negro em espaços nacionais de tomada de decisão, como o Congresso Nacional.

Amplamente respeitado por seu incansável propósito de garantir equidade na educação superior, Frei David desempenhou papel crucial ao inaugurar um movimento que uniu diversos líderes e organizações sociais de grande relevância em todo o país em prol da Lei de Cotas, promulgada em 2012 (Lei 12.711/2012). Essa conquista histórica resultou no aumento significativo do número de estudantes negros e de baixa renda matriculados no sistema público de ensino superior, representando um avanço na superação de desigualdades educacionais historicamente arraigadas no Brasil.

O problema

As populações pretas, pardas e indígenas têm sido histórica e sistematicamente discriminadas e a falta de acesso à educação de qualidade, tanto no ciclo básico quanto no superior, é uma das muitas consequências herdadas do colonialismo e da escravidão. Esses grupos são os mais impactados pela violência, pelos baixos salários e crimes racistas no país. Essa é uma questão premente em um país onde 56% da população total se autodeclara como preta ou parda, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, em 2022. O racismo manifesta-se na configuração das desigualdades sociais no Brasil: nos 10% com maior renda per capita, os brancos representam 70,6%, enquanto os negros constituem apenas 27,7%. Por outro lado, nos 10% mais pobres, a situação inverte-se, com 75,2% sendo negros e 23,7% brancos. Essa desigualdade histórica não apenas relegou as pessoas negras à pobreza, mas também sistematicamente limitou suas aspirações, impedindo que sonhassem ou soubessem como alcançar uma vida melhor, incluindo a oportunidade de ingressar em uma Instituição de Ensino Superior (IES).

Estruturalmente, o acesso às IES é mediado pelo vestibular, uma série extensa de exames que abrangem todas as disciplinas do ensino médio. Esse processo, essencialmente seletivo e meritocrático, ocorre em uma sociedade onde a educação de qualidade não é acessível a todos. Durante a ditadura, o sistema público de ensino foi precarizado, impulsionando a mercantilização e, consequentemente, a privatização da educação, sendo caro estudar e se capacitar para ingressar nas IES. Esse cenário, aliado à discriminação estrutural, gerou uma percepção de inacessibilidade, especialmente para aqueles provenientes de famílias de baixa renda, predominantemente compostas por pessoas pretas e pardas.

A educação apresentava dois caminhos distintos: um para as pessoas ricas, percorrendo as várias etapas da educação básica, optando, posteriormente, por qualquer curso superior que almejasse; e outro para as pessoas de baixa renda, que, se conseguissem acesso à educação, limitavam-se ao ensino fundamental e cursos profissionalizantes. Para contextualizar numericamente, em 1997, apenas 1% dos jovens negros acima de 16 anos estavam matriculados no ensino superior. Em 2017, essa porcentagem aumentou modestamente para 2,8%, refletindo a persistência das barreiras que limitam a representação de estudantes negros nas instituições de ensino superior.

Esses mecanismos de discriminação institucional, que beneficiam os brancos e os ricos no acesso às IES, impedem que os grupos pobres, pretos, pardos e indígenas tenham acesso a posições de poder que normalmente são reservadas àqueles que têm um diploma de ensino superior. Embora o número de estudantes de comunidades de baixa renda, de negros e indígenas que têm acesso à universidade tenha aumentado nos últimos 10 anos, eles enfrentam muitos desafios relacionados à permanência e à conclusão de cursos superiores. A maioria deles continua tendo um trabalho em tempo integral para cobrir os custos da educação e, muitas vezes, sustentar financeiramente suas famílias. Devido a esse ônus adicional, os estudantes negros, indígenas e de baixa renda demoram mais para concluir o curso superior. Não se trata de uma questão de capacidade ou aproveitamento, como vêm demonstrando os estudos de monitoramento, mas porque não podem cursar o mesmo número de créditos por semestre que estudantes que não dependem do próprio trabalho para seu sustento. Há também uma falta de estabilidade, não apenas de apoio financeiro, mas de elementos relacionados às condições psicológicas e emocionais, e um ambiente universitário pouco acolhedor, o que leva a taxas de evasão mais altas entre os alunos pretos e pardos. Portanto, embora haja um aumento no número de matrículas, ainda há muitos desafios que impedem a graduação desses estudantes.

A estratégia

Em 1993, após realizar um encontro com a juventude franciscana em São João do Meriti (RJ), na paróquia dos franciscanos, Frei David identificou que, a cada 100 jovens de comunidades de baixa renda e historicamente marginalizadas, apenas um aspirava cursar o ensino superior. Esses jovens estavam acostumados a trabalhar em empregos precários e tinham pouco ou nenhum conhecimento sobre o acesso ao ensino superior. Percebendo que eles provavelmente continuariam a ter as mesmas condições de vida se não tivessem acesso à educação, Frei David fundou o primeiro curso pré-vestibular comunitário para capacitar esses estudantes para os exames de admissão às universidades.

O modelo concebido por Frei David foi fortemente baseado no trabalho voluntário, com professores ministrando aulas em locais já existentes, como associações de moradores, centros comunitários, escolas e igrejas, entre outros. De acordo com esse modelo, cada centro educacional deveria abranger as disciplinas exigidas no vestibular, incluindo português, matemática, ciências humanas e naturais, além de aulas abordando cultura e cidadania. Essas últimas visavam qualificar os estudantes para além das exigências dos exames admissionais, algo incomum em cursos preparatórios similares. As aulas abordavam questões cruciais, como justiça racial, a autoestima e a história, assim como a importância do povo negro para o país. Inicialmente denominado "Pré-Vestibular para Negros e Carentes" (PVNC), quase todos os cursos foram posteriormente renomeados para "EDUCAFRO Brasil". Em um determinado momento, uma universidade particular condicionou o fornecimento de bolsas à formalização da instituição com CNPJ. Foi nesse contexto que Frei David e sua equipe consolidaram todos os cursos na EDUCAFRO Brasil.

Desde o início, Frei David não queria que a EDUCAFRO Brasil fosse apenas uma instituição. Seu propósito era de criar um grande movimento social. Depois de lançar e comprovar o modelo, ele começou a divulgá-lo por meio da mídia, de palestras, de reuniões em comunidades de base e em encontros do movimento negro nacional. Como o curso pré-universitário comunitário concebido pela EDUCAFRO Brasil pode ser facilmente adaptado e replicado em diferentes contextos - reunindo professores voluntários e utilizando espaços físicos que já fazem parte do cotidiano da comunidade -, o modelo começou a se espalhar rapidamente para outras cidades e estados, como o Rio Grande do Sul, com o curso pré-vestibular "Zumbi dos Palmares", e o Maranhão, chamado "Pré-NEC". Dois anos após o lançamento, mais de 34 centros inspirados no modelo criado por Frei David se espalhavam por diferentes regiões. Até o momento, a EDUCAFRO Brasil garantiu diretamente o acesso ao ensino superior para mais de 60 mil pessoas negras e de baixa renda. Além disso, há 2.300 cursos pré-universitários comunitários no Brasil, inspirados nesse modelo, que garantem o acesso ao ensino superior a milhares de outros estudantes.

Paralelamente, Frei David liderou um grupo de católicos em São Paulo e propôs ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns que fizesse um gesto de reparação à comunidade afro-brasileira, cedendo bolsas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Entretanto, o reitor da PUC-SP na época desconsiderou a orientação do Cardeal, recusando-se a adotá-la sob a justificativa de que a considerava uma proposta racista e discriminatória contra os brancos.

A estratégia adotada foi incorporar a palavra "carente" para abranger pessoas de comunidades de baixa renda na proposta de bolsa. Sob a liderança de Frei David, o grupo estabeleceu uma parceria com a renomada PUC-Rio, que, ao longo de 10 anos, concedeu bolsas de estudo a mais de 700 alunos de baixa renda residentes no Rio de Janeiro. O objetivo de Frei David era assegurar que, após serem aprovados no vestibular de uma universidade particular, os estudantes teriam os meios financeiros necessários para se matricular e concluir o curso.

A parceria com a PUC-Rio, uma instituição altamente respeitada, criou um novo padrão institucional de "boa prática" e um modelo "desejável" para outras universidades particulares. Ao longo dos anos, Frei David conseguiu estabelecer parcerias com outras nove universidades particulares, proporcionando condições de acesso para alunos de comunidades historicamente marginalizadas e de baixa renda.

No sistema brasileiro de ensino superior público, que é gratuito, o desafio era diferente. Os alunos de baixa renda eram excluídos do sistema inicialmente pelo pagamento de taxa de inscrição para o vestibular, mas também pela complexidade e alta competitividade dos exames, o que funcionava como um mecanismo de exclusão, pois favorece principalmente o ingresso de estudantes de alta renda, que têm melhores condições de aprendizado e de vida ao longo de sua jornada na educação básica. Na década de 2000, Frei David já era conhecido e respeitado dentro do movimento negro e, juntamente com muitas outras organizações sociais, demandou das universidades públicas a implementação de práticas para aumentar a diversidade discente.

Iniciou-se aí um amplo movimento para que as universidades públicas do Brasil permitissem que os pobres prestassem os seus vestibulares sem pagar as altas taxas de inscrição, que em alguns casos equivaliam a um terço do salário-mínimo. As instituições se negaram, levando Frei David a instaurar ações jurídicas contra as universidades públicas, abrindo mais de 200 mandados de segurança, dos quais ganhou mais de 80%. As universidades, uma a uma, passaram a adotar a gratuidade da inscrição no vestibular para aqueles que se inscrevessem logo no início do processo. Mesmo assim Frei David avaliou a medida como racista, pois enquanto os estudantes com condições de pagar as taxas tinham em média 30 dias para fazer as inscrições, os estudantes de baixa renda tinham em média 5 dias.

Em 2003, como resultado do movimento negro coliderado por Frei David, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou uma lei que determinou que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) destinasse 20% das vagas para pessoas negras e 20% das vagas para egressos de escolas públicas, em sua maioria de famílias de baixa renda. No ano seguinte, em 2004, a Universidade de Brasília (UnB) também implementou cotas raciais em seus exames vestibulares. Logo após a implementação das cotas pela UnB, várias outras universidades federais começaram a reservar vagas para alunos de escolas públicas e candidatos negros e indígenas. Entretanto, não houve padronização, e cada instituição definiu seus critérios.

Frei David viu nisso uma oportunidade de exigir a adoção nacional dessas práticas como uma lei federal. Ele liderou um forte movimento social para garantir que uma parte das vagas fosse reservada na rede pública de ensino superior para alunos negros, indígenas e de baixa renda. Na época, houve um caloroso debate sobre a validade da inclusão de critérios raciais nas cotas, pois muitos grupos defendiam que apenas a renda deveria ser considerada. Esse argumento, no entanto, não considera a interseccionalidade de raça e classe no Brasil, nem as formas pelas quais o racismo opera historicamente para gerar desigualdade de oportunidades na educação e no mercado de trabalho. Frei David organizou grupos de estudantes, professores e coordenadores da EDUCAFRO Brasil que se tornaram importantes protagonistas no movimento pelas cotas raciais, pressionando os políticos, principalmente nos dias de votação, liderando mobilizações em Brasília, promovendo a conscientização sobre a necessidade da lei de cotas raciais e socioeconômicas nos veículos de comunicação e representando os interesses do movimento negro nos debates públicos sobre o tema.

Frei David desempenha um papel fundamental e pioneiro como líder e empreendedor social no avanço do acesso à educação superior para pessoas negras e de baixa renda. Ao fundar a EDUCAFRO Brasil no Rio de Janeiro, que posteriormente se expandiu por diversas regiões do país, ele estabeleceu uma rede de jovens provenientes de comunidades carentes. Essa rede não apenas questionou, de maneira assertiva, as discussões sobre a necessidade de ingressar e as condições de permanência nas universidades públicas brasileiras, mas também provocou uma transformação na mentalidade dos estudantes. Inspirados pela criação da EDUCAFRO Brasil, uma grade parcela da população negra e de baixa renda passou a sonhar com a possibilidade de ingressar nas melhores universidades do país e a questionar as razões de sua exclusão nesses espaços. O trabalho incansável de Frei David ao longo de muitos anos tem sido crucial para criar a arquitetura desse movimento e contribuir para o enfrentamento da desigualdade social.

Em 2012, após anos de mobilizações lideradas por Frei David, em um esforço coletivo com muitas outras organizações sociais espalhadas pelo país, como o Instituto Geledés, fundado pela Fellow Ashoka Sueli Carneiro, foi aprovada a Lei que estabelece que, nas Universidades Públicas Federais, 50% das vagas disponíveis sejam reservadas a estudantes de escolas públicas, das quais 25% são acessíveis exclusivamente a negros e indígenas que recebam até 1,5 salário-mínimo por membro da família. As universidades são livres para separar vagas para outras populações em situações de vulnerabilidade social, como já foi feito com algumas universidades para ter pessoas trans e refugiadas em seu corpo discente. Pela natureza da lei, ela atinge estudantes de baixa renda, pois o critério é definido primeiramente por classe e depois por raça.

Em 13/11/2023, foi sancionada a revisão da Lei de Cotas que manteve as reservas raciais, incluiu estudantes quilombolas, ampliou as políticas de cotas para a pós-graduação e priorizou bolsas e auxílio para estudantes em situação de vulnerabilidade. Também aumentou as chances de ingresso dos cotistas raciais ao prever primeiramente a disputa pela ampla concorrência, porém reduzindo o teto da renda familiar para participar das cotas, de 1,5 salário-mínimo por pessoa para 1 salário-mínimo por pessoa.

A Lei Cotas para acesso à universidade desencadeou um movimento em cascata que levou à implementação do mesmo modelo para assegurar o acesso de negros a cargos do serviço público e, anos depois, para garantir a proporcionalidade de candidatos negros na representação política e nas eleições, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal. Frei David liderou muitas dessas mobilizações, bem como negociações em que representou os interesses dos negros, fornecendo dados e argumentos baseados em evidências para alcançar mudanças estruturais. Como resultado da aprovação da Lei de Cotas, a proporção de pessoas negras ou pardas cursando o ensino superior em instituições públicas brasileiras chegou a 50,3% e a proporção de egressos da rede pública de ensino chegou a 50,6% em 2020. Essa foi a primeira vez na história do país que essas parcelas da população ultrapassaram a metade das matrículas em instituições públicas do ensino superior.

Frei David continua a influenciar o debate público sobre justiça social e racial, especialmente nas áreas de educação e emprego. Seus esforços ajudaram pautar a equidade racial na grande mídia, por meio de seus aliados nos principais veículos de comunicação nacionais, como a Folha de S.Paulo e a CNN. Atualmente, Frei David empenha esforços para assegurar que os estudantes beneficiários das cotas tenham as condições necessárias para permanecer e concluir seus estudos.

Além disso, ele lidera discussões sobre o direito de acesso de estudantes negros a cursos de pós-graduação e à ocupação de posições disputadas no mercado de trabalho, especialmente em setores emergentes relacionados à tecnologia. Sua agenda inclui ainda a supervisão efetiva da implementação das leis de cotas, fornecendo dados e evidências dos impactos positivos gerados para a sociedade como um todo. O desafio da equidade racial é uma questão global. Dessa forma, Frei David também está empenhado em fortalecer o alcance internacional desse movimento, principalmente por meio de vínculos criados com o movimento negro na Colômbia.

A pessoa

Nascido em Nanuque, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, David é o quinto de sete filhos. Seu pai era comerciante e sua mãe dona de casa. Sua família se mudou para Vila Velha, Espírito Santo, quando ele tinha apenas um ano e meio de idade. Aos 12 anos, sentiu o chamado para tornar-se franciscano. Orientado pela família, percebeu que ainda não era a idade apropriada para fazer essa escolha. Mais tarde, na adolescência, frequentou a escola técnica federal no Espírito Santo. Seu sonho era ser engenheiro civil e sua família investiu muito em seus estudos. Ele prestou vestibular e foi aprovado. Foi empregado pelo setor de telefonia logo após concluir os estudos. Fez um curso de especialização na área e tornou-se coordenador do setor, mas não se sentia completamente realizado.

Aos 20 anos, em 1976, David entrou para o seminário franciscano para uma primeira experiência em Guaratinguetá, (SP), pois tinha clareza de sua vocação para servir a população, especialmente os mais pobres. No seminário, um grupo o chamou de negro, e ele se sentiu ofendido, porque não assumia a sua negritude. Tinha uma visão superficial das relações étnico-raciais. Decidiu ir embora, mas então um frade conversou com ele. Nessa conversa, o frade apresentou o conceito de "ideologia do branqueamento" e disse: "a única maneira de se libertar é assumir que você é negro e encarar isso com alegria, prazer e orgulho".

David não tinha tido contato com a história dos negros antes. Ele tomou consciência desse fato e começou a ler livros sobre o tema e a se informar sobre as questões raciais no Brasil. Em seguida, sentiu o desejo de disseminar esse conhecimento para que mais pessoas conhecessem a história dos negros e sua identidade racial.

Em seguida, ele ajudou a criar um grupo chamado "união e consciência negra" para reunir católicos de cada paróquia para discutir sobre questões raciais, promover a conscientização sobre a história dos negros no Brasil, seu apagamento e os seus efeitos até os dias de hoje. Aonde quer que fosse, ele organizava espaços para essas discussões para que mais pessoas pudessem entrar em contato com a história dos negros e falar sobre sua identidade racial.

No início, foi muito difícil convencer as pessoas a irem a essas reuniões porque elas não se sentiam à vontade ou não eram chamadas para discutir esses tópicos. Ele fez várias tentativas de discutir o assunto com outros negros em seminários, eventos e reuniões dos quais participou. Ele enfrentou muita resistência e rejeição à época, mas foi firme em seu objetivo e gradativamente conseguiu criar esses espaços e reunir pessoas para falar sobre o assunto. David queria colocar a estrutura da Igreja a serviço das pessoas pobres, a maioria delas negras no Brasil. Assim, em suas missões na comunidade, ele realizava essas reuniões e organizava apresentações para aumentar o conhecimento das pessoas, bem como a autoestima e orgulho de ser quem elas são.

Concluiu o noviciado em um ano e foi aprovado para os cursos de Filosofia e Teologia em Petrópolis, Rio de Janeiro, onde foi morar. Naquela época, em Petrópolis, mais de mil pessoas perderam suas casas em um deslizamento de terra devido a fortes chuvas. Frei David, então, iniciou uma mobilização comunitária para pressionar o ministro Mário Andreazza a reconstruir as casas dentro do prazo de 90 dias, como havia sido prometido e foi bem-sucedido nessa missão.

Em Petrópolis, ele também criou o "Grupo de União e Consciência Negra" e a "Juventude Operária Católica" e liderou com sucesso o movimento dos sem-teto e desempregados por alguns anos. Frei David foi então expulso por um bispo superior que considerou seu comportamento subversivo. Foi transferido para o a catedral de Duque de Caxias, também no Rio de Janeiro. Lá, em uma reunião, percebeu que pouquíssimos jovens negros e de baixa renda pretendiam cursar o ensino superior por falta de condições financeiras ou mesmo de conhecimento sobre os vestibulares.

Frei David percebeu que a falta de incentivo aos estudos e a dificuldade de acesso ao ensino superior relegava esses jovens a empregos precários e os impedia de conquistar melhores condições de vida. Essa questão despertou sua atenção, e foi nesse momento que ele concebeu o modelo dos pré-vestibulares para pessoas negras. O modelo evoluiu para Pré-Vestibular para Negros e Carentes e mais tarde consolidou-se na EDUCAFRO Brasil.

Atualmente, Frei David também se dedica a substanciar ações civis públicas por danos coletivos contra a comunidade negra, reivindicando indenizações das empresas envolvidas em casos de racismo. Todas as verbas provenientes desses processos, administradas pelo Ministério Público, são revertidas em políticas públicas para a comunidade afro-brasileira.