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“o oceano é a maior sala de espera do mundo”


"A pior quarentena é a que não tem data para acabar. Você fica à deriva, conferindo redes sociais, esperando notícias (...)"


este texto me foi enviado pela dora (amiga pessoal que também escreveu o texto de um dos drops de maior repercussão :) e eu me lembrei dele hoje ao acordar, porque acredito que traz reflexões importantes para este período. 

ontem uma amiga disse que tem me sentido triste nos últimos dias e de fato percebo que essas últimas duas semanas não foram das mais leves desde que o isolamento começou (e nem teriam como ser) — mas, na medida do possível, respeito esse luto que vem em ondas (uma boa parábola para um drops que tem como pano de fundo o mar): 



"Esta quarentena está me fazendo lembrar de tantas outras. Talvez você tenha já tenha vivido alguma. Momentos em que, de repente, seus planos foram adiados e você entrou num período cinzento de espera interminável. Um problema, um emprego, uma doença, um ambiente social indesejado. Uma situação que te aprisionou. Quem já permaneceu imobilizado por algum tempo já viveu uma quarentena.

Me parece que os sintomas de qualquer quarentena são sempre os mesmos.

Você tem a sensação de que sua vida está parada. Os dias parecem longos e os meses passam voando. Você não dorme bem, acorda cansado e perde muito tempo na internet. Fica irritado por bobagem. Come o tempo todo. Compra coisas desnecessárias. Faz planos para quando sair dali, planos que nunca vai concretizar.

Geralmente, no início do isolamento, a gente faz questionamentos, fica teorizando sobre o problema. Depois se sente apenas exausto e até evita falar no assunto. Começa montando um cronograma para superar aquela fase ruim - estudo, exercícios, meditação - mas tudo termina no sofá. Você arruma as gavetas, joga muita coisa fora. Encontra fotos antigas. Pensa em telefonar para pessoas que você não vê há muitos anos. Você se arrepende das coisas que não fez quando ainda dava para fazer alguma coisa. As lembranças te dão um lugar para onde ir quando você precisa continuar aonde está.

Numa quarentena, há momentos em que você se pega tendo inveja de quem está bem, curtindo a vida. Em outros, você se sente culpado por todos os seus privilégios. Você reflete sobre a solidão e a vulnerabilidade no mundo. Você se sente sozinho e vulnerável.

Você pode sentir falta de ver gente. Ou sentir falta da pessoa que você se tornava quando estava em público. Como naquele conto de Machado de Assis, onde um militar é designado para vigiar um sítio vazio durante semanas. Mesmo estando completamente sozinho - poderia andar pelado, se quisesse - ele veste a farda todos os dias. Não gostava do que via no espelho quando estava sem ela. Se sentia perdido.

Acho que toda rotina social inclui muitas fardas. E uma quarentena repentina te despe de um jeito cruel - ela revela tudo o que você não é. Você não é o seu emprego, a sua vida social, o seu prestígio. Você não é o seu talento para deixar uma boa impressão nas pessoas - especialmente quando não há ninguém para quem exibir essa figura fabulosa que você pensa ser. Só sobra, no espelho, um ser humano despido de tudo. Apenas isso. Você consegue gostar dele?

A pior quarentena é a que não tem data para acabar. Você fica à deriva, conferindo redes sociais, esperando notícias – Esperando Godot, como em Bertholt Brecht. Eu costumo comparar esses isolamentos a uma viagem marítima. Imagine que um deslocamento de 100 km por terra significa ver paisagens, pessoas, movimento. Já os mesmos 100 km num navio equivale a um horizonte estático, sem início nem fim, onde você perde a noção dos dias. O oceano é a maior sala de espera do mundo, te deixa confinado naquela imensidão, sem noção de tempo e espaço, você só pensa em chegar.

Nos antigos questionários adolescentes, costumavam perguntar: quem você levaria com você para uma ilha deserta? Era engraçado, todas respondiam o Leonardo DiCaprio. Hoje, imagino que o isolamento que maioria de nós está vivendo não está sendo numa ilha deserta e tampouco nos deram chance de escolher com quem dividir essa ilha – desculpa, Léo – mas a pergunta é tão atual. Uma quarentena congela o nosso momento de vida subitamente aonde estamos. Se, hoje, você está confinado exatamente com quem você escolheria, você é uma pessoa de sorte. Isso inclui quem desejou estar consigo mesmo. Mas, se sua ilha não é nada do que você imaginou, talvez algo precise mudar.

Essa história de navios e ilhas desertas me fez lembrar de O Amor nos Tempos do Cólera. No último capítulo, é anunciado que o navio está em quarentena. Que alegria. Finalmente eles poderiam navegar à deriva sem data para voltar. Agora estavam sozinhos, longe de tudo, livres do mundo e tinham a chance de viver intensamente aquele momento. Era uma grande oportunidade. A quarentena era o final feliz.

Cientificamente, a palavra quarentena significa o prazo para algo se revelar. Um sintoma, um indício. Sei de quarentenas que duraram dias, outras que duraram anos. Sei de gente que passou a vida aprisionado onde não queria estar e de gente que nunca percebeu que estava aprisionado. Isolamentos fazem a gente se questionar se estamos vivendo a vida errada, na cidade errada, no planeta errado. Mas também nos revela dádivas que, de outro jeito, a gente não perceberia.

Um navio bem grande, do tamanho do mundo, está em quarentena. É uma tragédia. E é uma grande oportunidade.

Quantas quarentenas você já viveu? O que essa tem revelado a você?"

(Mariana Miranda)




relendo este texto e a relação que a autora faz com "estar à deriva", eu me lembrei da sensação de boiar, que só acontece quando a gente relaxa e se deixa levar. se tentamos controlar, ficamos rígidos ou não permitimos que o mar nos conduza, a gente periga se afogar. 

se a quarentena é o tal "período para algo se revelar", precisamos abrir espaço para que isso ocorra sem pressa e sem pressão. devemos ter paciência, mesmo quando estamos já tão cansados. principalmente quando estamos já tão cansados.

reconhecer as incertezas, fazer nossa parte com respeito, entrega e confiança: não é fácil, mas é possível. se deixar levar. boiar.

então este período tão novo e tão cheio de sentimentos desconhecidos e extremos tem sido, de certa forma, uma maneira de buscar essa leveza no boiar, para conseguir navegar por essas águas que nos levam aonde precisamos chegar.



um forte abraço,
com amor



(as imagens para ilustrar cada drops são sempre escolhidas com muito carinho e cuidado, algumas de minha própria autoria e outras que encontrei por aí. todas estão sempre linkadas na própria imagem - caso queira saber mais, é só clicar ;)
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