Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Bonitos bacanas sacanas modernos

Artistas do Rio defendem uma estética carioca em tempos de arte dominada pelo mercado

Thiago Cristaldi Carlan/Divulgação
Em pé, Bruno Queiroz, Ana Hupe, Maíra das Neves, Felipe Braga, Bernardo Mosqueira, Isabela Sá Roriz, Daniel Toledo, Jona Traub Cseko e Ícaro dos Santos; sentados, Saulo Laudares, Laura Burocco, Gustavo Speridião, Pedro Victor Brandão, Franz Manata e Rafael Polo, no Rio
Em pé, Bruno Queiroz, Ana Hupe, Maíra das Neves, Felipe Braga, Bernardo Mosqueira, Isabela Sá Roriz, Daniel Toledo, Jona Traub Cseko e Ícaro dos Santos; sentados, Saulo Laudares, Laura Burocco, Gustavo Speridião, Pedro Victor Brandão, Franz Manata e Rafael Polo, no Rio

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Num apartamento no Leme, janelas abertas à brisa do mar da zona sul do Rio, um artista e professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage define o que entende por uma "estética carioca".

"Se existe uma pesquisa de ponta na arte brasileira, ela está no Rio", diz Franz Manata, entre goles de uísque. "Tem essa linhagem clara, de ir para a rua, esse projeto que herdamos do Hélio Oiticica, uma intensidade violenta."

Faz mais de meio século que a rixa entre paulistas e cariocas ganhou nome com o neoconcretismo de Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e afins contra o concretismo -paulista- dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos.

Agora, essa rivalidade sobrevive, opondo uma cena pautada pelo mercado em São Paulo a propostas de arte mais experimentais no Rio.

Enquanto o dinheiro se concentra quase todo de um lado da ponte aérea -Fortes Vilaça, Millan e Luisa Strina, as maiores galerias do país, fazem "business" em SP-, as estrelas brasileiras na cena global hoje trabalham no Rio -Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Ernesto Neto, Vik Muniz e Tunga, entre outros.

Mas, além deles, uma nova cena desponta, de artistas ainda despreocupados com o mercado, engajados em performances que cruzam estética e política e defensores de um hedonismo vistoso, que resiste à ideologia da Operação Choque de Ordem, da atual administração carioca.

Em rodinhas na calçada, entre a "miséria e a burguesia" muito próximas uma da outra no tecido urbano do Rio, artistas e ativistas costumam tramar seus planos, que vão de exposições a manifestações, debates e estratégias para chamar a atenção.

"Somos um sucesso de público e um fracasso de vendas", diz Pedro Victor Brandão, jovem artista que ficou conhecido por criar fotografias que se apagam com o passar do tempo. "Aqui tem uma rede de afetos, um ritmo mais cooperativo do que competitivo, algo que envolve o galerista, o artista e a instituição numa trama mais fértil."

Dessa fertilidade brotou o projeto que ele e os artistas do coletivo Opavivará mostraram na primeira edição da ArtRio no ano passado, uma tenda que servia chás alucinógenos em plena feira. Não ficou vazia nem um minuto, mas tampouco chegou a ser arrematada por algum dos colecionadores mais alegres.

Mesmo assim, o total de vendas da feira bateu recorde no país, com um balanço de R$ 120 milhões que causou inveja entre paulistas, sinal de que logo as águas calmas do mercado carioca podem engrossar em tormenta.

"Às vezes, a presença forte do mercado dá uma obliterada no que acontece", diz Brandão. "Aqui tem uma experimentação maior e obras são menos formatadas, mas tem o caos das Olimpíadas e da especulação imobiliária", diz o artista Daniel Toledo.

Nessa alta de preços, Toledo teve de trocar um amplo ateliê em Santa Teresa por um "cubículo" no Humaitá.

FACTORY CARIOCA

Mais radical, Maíra das Neves, paulistana que adotou o Rio, criou um ateliê minúsculo, de um metro quadrado, numa antiga fábrica de doces e bancou a ocupação do terreno com doações de amigos.

"Queria usar a unidade mínima do mercado imobiliário para fazer o máximo", diz Das Neves, ajustando cadeiras penduradas sobre seu metro quadrado, onde costuma servir cachaça aos amigos. "Encontrei um espaço aqui que não tive em São Paulo, as instituições são mais descontraídas e não tem tanta pressão."

Ela divide com outros 21 artistas o espaço da Bhering, uma antiga fábrica de chocolate na zona portuária convertida em conjunto de ateliês, uma espécie de Factory de Andy Warhol à moda carioca, com direito a churrasco nas festinhas de aniversário.

"Enquanto o mercado sempre foi em São Paulo, aqui você fica meio sem rumo", diz Barrão, do coletivo Chelpa Ferro, que também trabalha na fábrica. "E isso é bom."

Nessa falta de rumo, artistas ainda sem galeria e sem ateliê conseguem emplacar suas obras em grandes acervos lidando direto com os colecionadores, evitando a mediação -cara- de galerias.

Gilberto Chateaubriand, patrono do Museu de Arte Moderna do Rio, é um desses que compram direto dos artistas, às vezes levando a obra debaixo do braço.

"Nem sei quanto vale meu trabalho, os artistas aqui estão envolvidos com a experiência de sair fazendo", conta Isabela Sá Roriz. "Mesmo com trâmites burocráticos e falta de estrutura, você faz funcionar", diz Felipe Braga.

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.