São Paulo, sábado, 01 de abril de 2006

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DUELO DE TITÃS

Joseph Stiglitz diz que Brasil deve se inspirar em emergentes de sucesso, e Douglas North afirma que se basear na história não faz sentido

Desenvolvimento vira divergência entre Prêmios Nobel

MARCELO BILLI
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Joseph Stiglitz, 63, Prêmio Nobel de Economia, diz acreditar que o Brasil devia se inspirar na experiência de países emergentes que aparentemente encontraram o caminho para o crescimento -e desenvolvimento- sustentável. Douglas North, 86, outro ganhador do Nobel, diz que os economistas nem sequer conseguiram descobrir como o desenvolvimento "acontece" e que basear-se na história para escolher as políticas econômicas do presente não faz sentido.
Ambos estão no Brasil. Ontem, debateram temas como crescimento e desenvolvimento em conferências organizadas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Fora o fato de serem ganhadores do Nobel, os dois têm pouco em comum e protagonizaram o debate mais acalorado dos dois primeiros dias de seminários em Belo Horizonte, onde ocorre a reunião da instituição.
Stiglitz é crítico das políticas de liberalização promovidas nos anos 90 em toda a América Latina. Diz, por exemplo, que países como o Brasil deveriam olhar para a Ásia, que se desenvolveu, na visão dele, com um modelo econômico que incluía participação ativa do Estado, juros baixos, controle de câmbio e incentivo às exportações.
Ele, claro, não diz que a experiência é completamente replicável na América Latina ou no Brasil, dentre outros motivos, porque ela fazia sentido no final dos anos 80. Bonde perdido. "Mas há evidência de que países que crescem o fazem com juros baixos e câmbio competitivo", insiste.
North, que debateu com Stiglitz e o economista John Williamson, o "pai" do Consenso de Washington, nem sequer conseguia disfarçar seu desconforto enquanto os demais debatedores defendiam "políticas adequadas ao crescimento". Separado de Stiglitz por outros quatro membros da mesa de debates, ele se revirava na cadeira, fazia caretas, quase bufava.
E soltou, com vitalidade, em sua primeira intervenção: "O que nós aprendemos sobre desenvolvimento?". Ele mesmo responde: "nada". Tirando os exageros exigidos pela retórica própria do debate, mais tarde, em entrevista concedida a um grupo de jornalistas, ele insistia em seu ponto.

Processo complexo
O desenvolvimento econômico, diz ele, é um processo complexo. "Nós não temos um corpo de teoria econômica para entender completamente o desenvolvimento." Mas, como todo economista, ele tem sua obsessão. North construiu sua carreira demonstrando o quão importante as instituições são para garantir o crescimento sustentável.
Uma economia de mercado precisa de um sistema de "trocas impessoais" para funcionar. Quanto menos pessoais forem as relações econômicas, quanto menos sujeitas à intervenção de pessoas, políticos, governo, maior a capacidade de crescer sem grandes sustos. Essa "impessoalidade" é conseguida justamente com a criação de instituições. Instituições que garantem que os mercados funcionem o mais perto possível daquele mercado perfeito idealizado por Adam Smith, diz North.

Copiar o Fed
Os conselhos dele param mais ou menos por ai. Há um modelo perfeito de banco central? O Brasil, por exemplo, poderia copiar o Federal Reserve, como tantas vezes parecem querer economistas do próprio BC brasileiro. Para North, não. Tentar copiar experiências passadas ou de outros lugares tende a levar ao fracasso.
Primeiro, porque o mundo de hoje é muito diferente do de ontem. "As políticas de ontem podem até funcionar hoje, mas provavelmente não funcionarão amanhã", diz. Segundo, porque os economistas ainda não aprenderam a identificar o que move as pessoas a fazer suas escolhas, ou melhor, o que faz com que certas crenças surjam em uma determinada população, e não em outra. Motivo pelo qual uma instituição pode fazer sentido para um país e ser desastrosa para outra. "Vocês não podem crescer como a China. Vocês não querem crescer como a China, que é uma ditadura autoritária", provoca.
Stiglitz insiste. Como os indivíduos, os países podem aprender com os erros e acertos dos seus pares. Ou, nos termos do economista, "adotar políticas em função das histórias de sucesso ou fracasso, compartilhando experiências", diz o Prêmio Nobel, que zomba da noção de mercado perfeito.
"A única razão de chamarmos a mão invisível [dos mercados competitivos] de invisível é o fato de ela não estar lá."
North não arreda o pé. E enumera os fracassos de economistas que desde a 2ª Guerra têm aconselhado os países em desenvolvimento. "Primeiro achamos que essas economias funcionavam como a economia dos Estados Unidos ou qualquer outra desenvolvida, depois que o Estado era a solução. Depois de US$ 100 bilhões de empréstimos desperdiçados, descobrimos que estava errado."


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