InformANDES Setembro 2018

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InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN

DO LUTO À LUTA

AGROTÓXICOS Moradores de zonas rurais, em todo o país, são intoxicados por agrotóxicos, segundo relatório de ONG 12 e 13

ENTREVISTA “A educação pública é a menina dos olhos do capital corporativo global”, diz Ricardo Antunes 14 e 15

Informativo Nº 86 Brasília (DF) Setembro de 2018

Comunidade acadêmica da UFRJ luta em defesa da Pesquisa e Ciência 8 a 11

SERVIDORES Com seminário e marcha a Brasília, servidores públicos federais intensificam luta contra o ajuste fiscal e a EC 95 6 e 7


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Editorial

Às ruas contra a violência, o feminicídio, a homofobia e o conservadorismo

À

s vésperas de mais um processo eleitoral, as perspectivas para a educação pública de qualidade, gratuita e socialmente referenciada não são as melhores. Em sua maioria, os/as candidatos/as à Presidência da República com maiores índices de intenção de votos não apresentam, em seus programas de governo, propostas de ampliação de investimento nas políticas públicas, entre elas, a educação. Permanece o discurso privatista e de parceria público-privada, que afirma: “quem pode, deve pagar”. O que intensifica a destruição do sentido público das políticas. Nas instituições de ensino, a receita continua a mesma: cortes de verbas, demissão de terceirizados, cortes de bolsas, imposição de controle eletrônico de ponto e perseguição a docentes. O governo federal, nesse mês, busca regulamentar o voluntariado nas instituições públicas de ensino superior, a partir da Resolução nº2 do Conselho Nacional de Educação. O problema é grave e pode se agravar com a proposta de substituir concursos públicos por editais para professores/as voluntários/ as. Não satisfeitos com os processos em

EXPEDIENTE

curso nas instituições de ensino, através da Instrução Normativa nº2/2018, do Ministério do Planejamento, que instituem o banco de horas e o controle de ponto, entre outras medidas, para um conjunto de carreiras do serviço público federal, impondo maior precarização das condições de trabalho. Nas instituições estaduais e municipais de ensino superior, prosseguem o congelamento de progressões e promoções e a precarização das condições de trabalho, temas que estão na pauta de luta do setor e que serão abordados no Dia Nacional de Lutas da IEES/IMES, 27 de setembro. Para as instituições públicas, essa política de ataque aos/as trabalhadores/as tem sido desastrosa. O incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, administrado pela UFRJ, é a expressão mais cruel da falta de investimentos públicos para a manutenção do patrimônio e dos serviços públicos. Cortar as verbas e responsabilizar a gestão é a receita clássica para tentar justificar a privatização. Sabemos bem qual é o jogo e resistiremos a mais esse ataque. Em meio às contingências da política privatista e regressiva em curso no país, o

ANDES-SN continua a investir em espaços de mobilização e organização, do qual são expressão o Curso Nacional de Formação, realizado em Salvador (BA), o Encontro Nacional das IEES/IMES realizado em Campos dos Goytacazes (RJ), as reuniões de grupos de trabalho e os encontros das regionais, assim como a organização, em conjunto com o FONASEFE, da caravana à Brasília em 13 de setembro. Terminamos o mês de setembro ao som dos gritos de resistência dos/as professores/as argentinos/as em mais uma forte greve em defesa da educação e, no Brasil, com mais uma ação esperançosa, em que diversos grupos de mulheres, de diversas partes do país, fazem uma importantíssima convocação para irmos todos/as às ruas no dia 29 de setembro, dizer NÃO aos retrocessos. Ao som das músicas que ecoam “somos mulheres, a resistência de um Brasil sem fascismo e sem horror. Vamos à luta para derrotar o ódio e pregar o amor” e “ele é o atraso que país nenhum merece ter e nós somos as mulheres que não vamos deixar ele vencer”. Vamos juntos, professores e professoras, não deixar o conservadorismo vencer. Às ruas!

O Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: imprensa@andes.org.br Diretor responsável: Cláudio Mendonça Redação: Mathias Rodrigues MTb 10126 e Bruna Yunes 9045 DRT-DF // Fotos: Imprensa do ANDES-SN e Seções Sindicais Edição: Carlos Eduardo Batista MTB 54262/SP // Diagramação: Ronaldo Alves 5103 DRT-DF


Movimento Docente

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XVI Encontro das Estaduais e Municipais debate financiamento e carreira docente

Previdência e Financiamento públicos No segundo dia de evento (22), ocorreram duas mesas. Na mesa “Previdência e Financiamento públicos”, Sara Granemann (UFRJ) apresentou dados de contrarreformas da Previdência nos estados e no Distrito Federal. A pesquisa “Previdência nos estados” identificou os projetos de leis estaduais já aprovados e que estão

ANDES-SN

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epresentantes de 21 seções sindicais do ANDES-SN participaram do XVI Encontro Nacional do Setor das Instituições Estaduais e Municipais de Ensino (Iees/Imes). O evento ocorreu no fim de semana (21 a 23), na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em Campos dos Goytacazes (RJ). A Associação dos Docentes da Uenf (Aduenf – Seção Sindical do ANDES-SN) sediou o encontro que teve como tema central “Previdência, Carreira, Salário e Financiamento Públicos”. A mesa de análise da conjuntura contou com a participação de Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN, Sônia Lúcio, da CSP-Conlutas, e Mônica Gomes, do Movimento de Catadores de Campos dos Goytacazes. Eles alertaram os presentes sobre o avanço do conservadorismo, o cerceamento das liberdades democráticas no interior das universidades e as eleições deste ano. Para os debatedores, independente do resultado, é preciso manter o estado de alerta para as políticas que podem retirar direitos da população. Após o debate, foi realizado um painel com os representantes das seções sindicais. Nele foi exposta a realidade vivida nas instituições. As seções sindicais foram unânimes ao dizer que a desestruturação da carreira e o arrocho salarial são problemas presentes nas Iees e Imes. Os ataques se consolidam diariamente com o avanço sobre a Dedicação Exclusiva, o déficit de professores efetivos e o aumento da contratação de substitutos e temporários. Outro grave problema enfrentado pelos docentes tem sido a retenção de promoções e progressões, o descumprimento da data-base e o congelamento de salários. Os cortes no orçamento das universidades foram apontados como reflexo da Emenda Constitucional (EC) 95/16, que congela os gastos públicos até 2036.

em andamento. Em geral, esses projetos visam o aumento da alíquota da contribuição previdenciária e a criação de regimes de previdência complementar. Em Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina os projetos já foram aprovados e estão em vigor. Em outros, como é o caso do Ceará, foram aprovados e aguardam a regulamentação. Os resultados serão compilados em um caderno que será lançado no 38º Congresso do ANDES-SN, em janeiro, na cidade de Belém (PA). Renata Silva, da Universidade Estadual de Goiás (UEG), falou sobre o financiamento público nas instituições de ensino superior. Ela destacou que os recursos do financiamento público vêm sendo reduzidos nos últimos anos, principalmente, a partir de 2015. A última mesa tratou da “Precarização do trabalho docente: contrarreformas e perspectivas para a Universidade brasileira”, contou com a presença de Epitácio Macário (Uece) e Deise Mancebo (Uerj). Segundo os docentes, a precarização do trabalho se revela com a desestruturação da carreira, as condições de salário e trabalho, bem como nas questões relacionadas a assédio moral, controle e adoecimento docente.

Encaminhamentos O encontro preparou os docentes das Iees/Imes do ANDES-SN para os desafios que estão por vir. Os docentes reforçaram o chamado para o Dia Nacional de Lutas das Estaduais e Municipais, 27 de setembro. Assim como vão organizar e participar das atividades dos dias 17 de outubro e 22 de novembro – Dias de lutas contra o assédio e Combate ao Racismo, respectivamente. Outra data de mobilização será

DIA DE LUTAS 27 de setembro Dia Nacional de Lutas das IEES/IMES O encontro reforçou o chamado do Setor para o Dia Nacional de Lutas das Estaduais e Municipais, que ocorreu em 27 de setembro. Docentes de todo o país lutaram por financiamento público, carreira, salário e previdência. A intenção da categoria foi chamar a atenção da sociedade para os problemas enfrentados nas instituições estaduais e municipais. Problemas que são semelhantes de norte a sul do país. o dia 29 de setembro, em que ocorreram atos em todo o país contra o fascismo. Foi indicado que os docentes lutem pela revogação da EC 95/16. Assim como foi indicada a defesa dos serviços e servidores públicos e da carreira docente. No encontro, foi decidido aprofundar o estudo sobre a carreira nas Iees e Imes a partir das especificidades do setor. Outra decisão importante diz respeito à luta para barrar as contrarreformas da Previdência nos estados, com a realização de palestras, audiências públicas, produção de materiais nas seções sindicais. “A atividade propiciou um panorama geral da situação das Iees e Imes em todo o país, neste contexto de retirada dos direitos e cortes no orçamento. É necessário nos armar politicamente para fazer os enfrentamentos que estão postos”, avaliou Raquel Dias Araújo, 1ª tesoureira do ANDES-SN e uma das coordenadoras do Setor das Iees/Imes.


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Estaduais

Lei do TIDE é promulgada no Paraná

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Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) promulgou em 20 de agosto o Projeto de Lei (PL) 362/18, do Tempo Integral e Dedicação Exclusiva (TIDE) para os docentes das universidades estaduais paranaenses. O PL passa a ser a Lei Estadual 19594/18. O processo de aprovação foi difícil: a governadora Cida Borghetti vetou diversos artigos aprovados por deputados, mas a Alep derrubou esses vetos. Entre o movimento docente, há divergências sobre os resultados que a lei trará à categoria.

Histórico do TIDE O TIDE como regime de trabalho está previsto em lei desde 1997, na legislação que rege a carreira docente no estado. A partir dela, os docentes interessados puderam ter acesso ao TIDE como Regime de Trabalho, incorporando integralmente seus vencimentos aos proventos da aposentadoria. Entretanto, a partir de 2016, o TIDE como regime de trabalho passou a ser questionado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Na avaliação do mo-

vimento docente, o questionamento era parte dos ataques do governo estadual, iniciados um ano antes, contra os direitos dos servidores públicos do Paraná. Desde o acórdão de 2016 (nº 2847) havia um entendimento pelo TCE de que o TIDE era de natureza “transitória e contingente” e que teria um caráter de gratificação. Assim, ele seria incorporado às aposentadorias dos docentes, proporcionalmente, ao tempo em que o servidor efetivamente esteve submetido ao regime. A decisão do Tribunal causou transtornos para os docentes que estavam em processo de aposentadoria por desvincular a remuneração referente à dedicação exclusiva aos proventos da aposentadoria. Em janeiro de 2018, o Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Adunicentro – Seção Sindical do ANDES-SN) e o Sindiprol/Aduel obtiveram liminar na justiça que suspendeu dois acórdãos do TCE até o julgamento do mérito da questão. A liminar também garantiu que os docentes em processo de aposentadoria teriam

direito ao TIDE como regime de trabalho e não como gratificação, garantindo a incorporação integral dos vencimentos do Regime Tide aos proventos da aposentadoria. A liminar só atendia os docentes da base dessas entidades, e a Assessoria Jurídica da Regional do Sul do ANDES-SN, em nome das demais seções sindicais, ingressou com um mandado de segurança, pleiteando os mesmos direitos a todos os docentes das universidades do estado. O mandado de segurança foi deferido em junho, e embora de caráter provisório, a decisão indica que há possibilidade de uma vitória definitiva no Tribunal de Justiça. Os efeitos do Acórdão do Tribunal de Contas estão suspensos e a Paranaprevidência, até o julgamento do mérito, deve se abster de aplicar o entendimento firmado pelo Tribunal nos processos de aposentadoria de todos os docentes das sete universidades estaduais do Paraná.

A lei aprovada A Lei 19594/18 teve a base do seu texto construída durante cerca de um ano


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ALEP-Sandro Nascimento

Estaduais

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por sindicatos de docentes e mistos das Instituições de Ensino Superior do Paraná. Mas o texto foi modificado por deputados e pelo governo. Um de seus pontos mais polêmicos é a obrigatoriedade do docente trabalhar por 15 anos no regime TIDE para que este tenha efeitos na aposentadoria. A lei também não estipula a possibilidade de transição para docentes que não tenham esse tempo completo de contribuição no regime TIDE. Houve o entendimento de parte do movimento docente de que os aspectos da lei que possam ser considerados inadequados ou injustos poderão ser alvos de judicializações posteriores ou mesmo de criação de novas leis para os devidos ajustes legais.

Avaliação das Seções Sindicais Essa visão não é compartilhada pelos docentes da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Uepg). Assembleia realizada na instituição em agosto decidiu por defender a manutenção de todos os vetos da governadora à lei. Com a derrubada dos vetos, o Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Sinduepg – Seção Sindical do ANDES-SN) acredita que a lei reforça a transitoriedade do TIDE em vez de seu caráter de regime de trabalho. Cíntia Xavier, presidente da Comissão Provisória do SINDUEPG-SSind, critica a lei e afirma que ela agrava a situação dos docentes. “A gente avalia que não é muito boa a forma como a lei foi aprovada. Há uma liminar que garante as aposentadorias. No acórdão do TCE que diferencia gratificação e regime de trabalho, parte da argumentação do tribunal para dizer que o TIDE é gratificação e que há uma

listagem dentro da lei da carreira dos docentes universitários estaduais com o que os docentes poderiam fazer concomitantemente ao TIDE. Essa listagem faz o TCE tratar o TIDE como gratificação. No texto final da lei toda essa listagem foi mantida. E isso enfraquece o argumento que temos em defesa do TIDE como regime de trabalho. A liminar do ANDES-SN é que está garantindo as aposentadorias. Quando o mérito da liminar for julgado essa lei pode ser usada contra nós. Na nossa avaliação, essa lei ainda vai gerar muitos problemas na justiça. A lei também é negativa porque exige 15 anos de contribuição com TIDE para levar o TIDE à aposentadoria. Para nós ficou pior com a lei do que estava antes”, diz a docente. As demais Seções Sindicais avaliam que a lei, apesar de ter problemas, traz avanços. Liliam Borges, presidente do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Adunioeste – Seção Sindical do ANDES-SN), acredita que nas condições políticas atuais a promulgação da lei foi um avanço. “A avaliação da diretoria é que é uma vitória termos regulamentado finalmente o regime de trabalho. O texto da lei foi disputado. Avançamos em algumas coisas e perdemos em outras. Por exemplo, a definição de que é preciso 10 anos de contribuição no TIDE para se aposentar com TIDE foi derrotada. O conjunto de sindicatos entendeu que era a hora, que não poderíamos perder essa oportunidade. Construímos com deputados, reitores e sindicatos esse texto final. Não é o ideal, mas é um avanço. Nas condições do mundo real, foi uma vitória da categoria. O volume de aposentadorias estagnadas está diminuindo e os docentes estão se

aposentando com TIDE integral. A luta segue e o que está em jogo é a própria universidade pública”, afirma. Geverson Grzeszczeszyn, presidente do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Adunicentro – Seção Sindical do ANDESSN), ressalta que a lei pode ser ajustada. “Apesar de não ser a lei ideal é a lei que nós temos. É a lei que foi possível nesse momento, tendo em vista todas as variáveis e todo o contexto político envolvido. Eventuais ajustes nessa lei poderão vir a ser realizados. Possíveis ações judiciais podem tornar justos alguns aspectos da lei. Por exemplo, a necessidade de ter 15 anos para levar o TIDE à aposentadoria”, diz. Edmilson Silva, presidente da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Estadual de Maringá (Sesduem – Seção Sindical do ANDES-SN), acredita que faltou diálogo. “A Sesduem-SSind tomou posição em assembleia de que era necessário derrubar todos os vetos. A gente entende que há problemas na lei que poderiam ter sido resolvidos, mas, por falta de diálogo, não foi possível ajustar. Mas que correríamos o risco das liminares que hoje sustentam o nosso direito de aposentadoria serem derrubadas. Sem a existência de uma lei, a gente teria mais dificuldades na decisão. Também apoiamos a derrubada dos vetos porque a Alep nunca discutiu os vetos individualmente, ou derruba ou os acata em geral. Quem está na ativa ficou em situação complicada. Com a derrubada dos vetos se garantiu apenas que os futuros professores entram no regime TIDE. Os professores que estão se aposentado com liminar também garantem o regime TIDE. Mas quem está na ativa fica no limbo, sem garantia de manutenção do TIDE”, avalia.


Federais

Servidores Federais intensificam luta por revogação do Teto de Gastos

O

s Servidores Públicos Federais (SPFs) irão intensificar sua luta contra o ajuste fiscal e a Emenda Constitucional (EC) 95/16. Esses são pontos centrais da Carta de Brasília, documento fruto do Seminário “O Serviço Público Que Queremos”. Realizado pelo Fórum das Entidades Nacionais do Serviço Público Federal (Fonasefe) e pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate) entre 30 de agosto a 1º de setembro, o evento reuniu centenas de servidores públicos na capital federal. No seminário, os fóruns decidiram estabelecer um calendário de lutas dos servidores públicos, iniciado em setembro. No dia 6, os servidores denunciaram, em todo o país, os cortes no Orçamento Federal, que prejudicam os investimentos nos serviços públicos e congelam os salários do funcionalismo. No feriado do dia 7, os servidores federais se somaram às manifestações do Grito dos Excluídos em todo o país.

Marcha a Brasília No dia 13, foi realizada uma Marcha a Brasília em defesa dos direitos. A manifestação começou em frente ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG), onde as entidades se posicionaram a favor da valorização dos serviços e

servidores públicos e pela revogação do Teto de Gastos. Antonio Gonçalves, presidente do ANDES-SN, afirmou que as reivindicações dos servidores públicos são legítimas. “Faltam recursos no orçamento para as instituições púbicas, mas não para salvar a dívida financeira das instituições privadas. Com a conveniência do Congresso Nacional, esse governo ilegítimo aprovou programas como o Refis e retirou recursos de programas sociais para salvar a vida de banqueiros. Essa quadrilha se apropria do orçamento público e desvia boa parte do orçamento para pagar a dívida pública”, denunciou. Durante o ato, uma comissão de repre-

Joana D'arc

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sentantes do Fonasefe foi recebida por um representante do ministério. “O governo nos recebeu, mas não deu uma reposta efetiva a pauta protocolada, no início do ano, pelos servidores públicos federais. Na ocasião foram alegadas restrições orçamentárias, diga-se EC 95, e o final do mandato do governo”, contou Antonio. Em seguida, os servidores marcharam até o Supremo Tribunal Federal (STF) onde ocorria a posse do novo presidente do tribunal, o ministro Dias Toffolli. Os manifestantes reivindicaram, mais uma vez, a revogação da EC 95/16 e cobraram da Suprema Corte a condenação do Estado pelo desrespeito à data-base dos servidores públicos federais. Joana D'arc

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7 Mathias Rodrigues

Federais

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Calendário de Lutas Outubro

17 – Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral e Sexual no serviço público. 24 – Dia Nacional de lutas nos estados em defesa do Serviço Público com manifestações, mobilização e paralisações de acordo com a especificidade de cada categoria.

Novembro 18 a 24 – Semana Nacional de Combate ao Racismo no serviço público.

ANDES-SN se reúne com MEC No dia 30 de agosto, o ANDES-SN foi recebido pelo Secretário Executivo do Ministério da Educação (MEC), Henrique Sartori. Na pauta da reunião estavam: a situação orçamentária das universidades públicas, os concursos públicos, a situação de professores da carreira de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) e as condições de trabalho. Além disso, foi debatido o aumento de casos de perseguição e criminalização a docentes. O Sindicato Nacional apresentou as reivindicações, destacando o grave contingenciamento orçamentário pelo qual o Ensino Superior Público passa. “Há um contingenciamento na ordem de 40% nas universidades. Isso precariza as nossas condições de trabalho”, destacou o presidente do ANDES-SN. O sindicato cobrou do MEC uma resposta para os graves casos dos editais de contratação de docentes voluntários. O secretário afirmou que não tinha dados

sobre esses casos e solicitou ao sindicato informações para consultar o jurídico do MEC. O presidente do ANDES-SN entregou um parecer da Assessoria Jurídica (AJN) sobre a inconstitucionalidade de tais editais. Sobre o Banco de ProfessoresEquivalentes, o secretário afirmou que sairá da responsabilidade do ministério do Planejamento e migrará para o MEC. Sartori sinalizou que o MEC indicou que as universidades deveriam considerar, nos Projetos de Desenvolvimento Institucional (PDI), uma reorganização observando os cursos que têm baixo nível de retenção. Neste momento, o presidente do ANDESSN perguntou se o MEC estava indicando o fechamento dos cursos de baixa retenção. Para Antonio, a necessidade de reorganização dos PDI das universidades demonstra mais um dos efeitos da EC/95. "É possível que em breve queiram manter funcionando apenas os cursos com maior demanda”. Quanto à perseguição a docentes, o

Avaliações do Seminário do Fonasefe Suzana Zatti, SindCEFET-MG

“É desanimador o desmonte do Estado, muito grave. A falta de recursos para tudo nos desmotiva, mas não podemos abandonar a luta. Só lutando juntos conseguiremos reverter esse quadro, e precisamos muitos lutar. Também é importante ressaltar que os servidores aposentados têm perdas muitos grandes por esses ataques. Há colegas aposentados que tiveram o salário reduzido quase pela metade em poucos anos. Devemos nos debruçar sobre o problema dos aposentados e trazê-los ainda mais para a luta”.

Luiz Blume, Adusc-SSind

"É importante estar presente aqui. Está acontecendo um desmonte do Estado, uma nova reconfiguração do Estado. Com a EC 95 está acontecendo um processo de refinanciamento, o Estado está financiando as instituições financeiras, o pagamento de juros das dívidas, e com isso o recurso do fundo público está deixando de ser investido na promoção de qualidade de vida dos cidadãos. Esse processo de desmonte e reconfiguração do Estado e de busca do fundo público para servir ao mercado é algo que acontece tanto em nível federal como nos estados e municípios".

ANDES-SN cobrou do secretário ações efetivas para frear o aumento dos casos. “Nunca se viu tantos processos administrativos contra docentes. São medidas que tentam restringir a liberdade de expressão, que pedem a demissão de docentes. Há casos que se tornam denuncias criminais”, destacou Antonio. O secretário executivo disse que é necessário levantar os números desses casos, mas que é preciso garantir a ampla defesa ao docente e o direito ao contraditório.

Controle de ponto de docentes EBTT O ANDES-SN também reivindicou que o MEC garanta a isonomia na forma de controle da carga horária entre os docentes do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) e os do Magistério Superior (MS), sem exigência de ponto eletrônico. A secretária-geral do Sindicato Nacional, Eblin Farage, disse que obrigar o docente a bater o ponto prejudica e até inviabiliza atividades de pesquisa e extensão. Além disso, os representantes do ANDES-SN argumentaram que essa obrigação tem aberto espaço para vários casos de assédio moral contra os docentes. Dias depois da reunião, o MPGD publicou a Instrução Normativa nº 2/18, que, entre outros pontos, ataca ainda mais a isonomia entre as carreiras de docentes federais. Isso porque ela impõe aos docentes EBTT a obrigatoriedade de controle de frequência. Em parecer, a Assessoria Jurídica Nacional (AJN) ressalta que a instrução normativa deve ser analisada de acordo com o princípio da isonomia, “razão pela qual se a atividade exercida não revela peculiaridades, o controle de ponto é a regra geral. Assim, a exclusão dos Docentes do Grupo EBTT da exceção da instrução não nos parece conveniente e nem legal”.


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Museu Nacional vive Do luto à luta: Comunidade acadêmica da UFRJ luta em defesa da Pesquisa e da Ciência

positiva. As causas do incêndio ainda estão sendo investigadas pela Polícia Federal. “Realmente perdemos a nossa exposição e grande parte do acervo, mas existe outro lado que não perdemos, a nossa capacidade de produzir conhecimento. E o Museu Nacional tem uma equipe extremamente qualificada nas mais diferentes áreas do saber”, disse Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional.

de regate de peças levem pelo menos até o fim do ano para ser concluídas. Adriana Facina, docente do Programa de Pós-Graduação de Antropologia Social, teve o seu primeiro contato acadêmico com o museu em 1996, como assistente de pesquisa. Logo depois, como aluna de doutorado e, em 2013, como professora. Ela conta que as condições estruturais do museu oscilavam e nunca foram ideais. “Nos anos 90, as condições estruturais estavam longe do ideal, em decorrência das verbas que não eram suficientes para manter uma instituição daquela importância. Ainda mais um prédio histórico que tem todo um problema de manutenção

Pesquisa O Museu Nacional se tornou, nas últimas décadas, um dos centros mais relevantes de pesquisa do país. Criado por Dom João VI, em 1818, o Museu passou à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1946, ganhando um caráter científico. No final dos anos 1960, foi criada a pós-graduação e, hoje, o museu possui seis cursos nesta seara: Antropologia Social, Arqueologia, Zoologia, Botânica, Linguística e Geociências. São 89 docentes, 215 técnicos e cerca de 500 alunos de mestrado e doutorado. No que tange a pesquisa, décadas de trabalho de docentes e discentes foram afetados, a maioria de forma irremediável, com impactos na ciência brasileira e internacional. Arqueólogos estão em treinamento para resgatar peças do Museu Nacional. A previsão é de que as operações

Fernando Souza

No momento em que eu soube do incêndio foi como seu eu não tivesse ouvido aquela notícia. Depois de algum tempo, eu entendi o que ocorreu, eu me desesperei e comecei a chorar”, essa é a descrição de Viviane Faria Soares, doutoranda da Antropologia Social, sobre o momento em que soube que um incêndio reduzia a cinzas o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. “Eu só pensava nas pesquisas que perdemos”, completa. Cada pesquisador, docente, técnico-administrativo da instituição tem uma lembrança diferente da noite de domingo, 2 de setembro. Um misto de indignação e tristeza. As imagens dos profissionais do Museu tentando salvar equipamentos rodaram o mundo. Não só pelo registro da dor e do desespero de ver anos de trabalho arderem em chamas, mas sobretudo pelo simbólico e heroico ato de tentar impedir que uma parte da memória, da identidade, do patrimônio cultural e científico, da pesquisa e das ciências do Brasil virassem cinzas. Localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, o museu era um dos maiores das Américas nas áreas de história natural e de antropologia. Fósseis, múmias, registros históricos e obras de arte eram algumas das peças abrigadas no Palácio de São Cristóvão, nos seus 3.500 m² de área ex-


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Fernando Souza

e exigências necessárias para o seu funcionamento”, conta Facina, que afirma ter pouca expectativa no resgate de itens da Antropologia. Renato Ramos, docente do Programa de Pós-Graduação de Geologia, afirmou que o departamento tem chances de recuperar alguns itens. “A maior parte da coleção é composta por rochas, fósseis e minerais. Temos a esperança que parte desse material seja recuperado”. De acordo com Ramos, além do patrimônio histórico, extinguiu-se parte significativa do espaço físico usado para as atividades, como laboratórios e salas de docentes, arquivos e bibliotecas pessoais. “É óbvio

que perto do grande drama da perda das coleções do museu, isso é pequeno, mas é algo que afeta o nosso cotidiano”. O docente citou trabalhos perdidos, como o de uma aluna da UFRJ que estava escrevendo a monografia sobre amostras de minério de cobre coletadas no final do século XIX no Mato Grosso. “Pode ter sido destruído ou pode estar nos escombros. Outro aluno, da Paleontologia, trabalhava com invertebrados, antigos moluscos do Paleozoico e perdeu o material da tese”. O geólogo citou uma pesquisa de campo que teve que ser desmarcada pela falta de equipamentos básicos. “Desde que ocorreu o incêndio, me pego parado pensando no que foi destruído”, lamentou.

Atrás da cortina de fumaça: privatização Uma forte campanha midiática buscando macular a imagem da UFRJ e do reitor Roberto Leher, foi iniciada logo após o incêndio. Valendo-se de argumentos falaciosos, jornalistas, blogueiros e representantes do governo federal atribuíram o ocorrido a uma possível má gestão. Por sua vez, a reitoria da UFRJ e o diretor do museu Alexander Kellner têm se manifestado publicamente contra os ataques políticos. Em nota, a universidade afirmou que qualquer medida a fim de retirar da

UFRJ o Museu Nacional representaria um ato arbitrário contra a autonomia universitária e a comunidade científica do país. “O Museu Nacional não é uma instituição dedicada exclusivamente à guarda de acervo. Além da guarda dessa memória, da cultura do país e do mundo, ali se produz conhecimento, ciência de ponta”. “O Museu Nacional é uma unidade da UFRJ de ensino, pesquisa e extensão, cuja indissociabilidade é prevista no artigo 207 da Constituição Federal. O corpo altamente qualificado de docentes, pesquisadores, estudantes e servidores técnico-administrativos em educação do Museu jamais poderia se submeter a uma Organização Social ou qualquer outra instituição que não seja a UFRJ”, diz outro trecho do comunicado. Além de transferirem a responsabilidade à universidade, a campanha tenta blindar, a todo custo, o governo Michel Temer e sua Emenda Constitucional 95/16, que congela gastos públicos até 2036. Desde que a emenda entrou em vigor, ocorreram sérios cortes orçamentários em áreas essenciais da Educação e, consequentemente, nas instituições de ensino superior no país. Para Adriana Facina é evidente o jogo feito a favor da privatização do museu. “Querem nos fazer acreditar que o incên-


dio ocorreu em decorrência da má gestão, passando a ideia de que ‘o público é mal gerido’. Temos como exemplo o museu da Língua Portuguesa em São Paulo, que era gerido por uma Organização Social (OS) e pegou fogo. As bibliotecas parques, por exemplo, geridas por OS, volta e meia, fecham. E fora que produção de conhecimento não gera lucro, então qual seria o interesse da inciativa privada gerir o Museu Nacional? Nós não somos o Museu do Amanhã que é de entretenimento, somos um museu científico, totalmente diferente e que tem uma característica de instituição universitária”, ressalta. O presidente do ANDES-SN, Antonio Gonçalves, também vê com preocupação a tentativa de privatização do museu. Para ele, o museu é um espaço de formação política, pois abre a possibilidade da população entrar em contato com a sua própria história e reafirmar a sua identidade cultural. “A privatização limita acesso a esses espaços a partir do momento em que aumenta a cobrança ao acesso e interfere nas pesquisas realizadas, dificultando e impondo limites às pesquisas que podem ser feitas. É o mesmo que ocorre com as pesquisas nas universidades a partir do Marco Legal de C&T em que só sobrevivem pesquisas de interesse do mercado”. O ANDES-SN, em nota pública, saiu em defesa da UFRJ. “Esses ataques têm o objetivo de acelerar o processo de privatização da educação pública e dos serviços públicos”. O Sindicato Nacional convocou, no dia seguinte ao incêndio, junto a outras entidades, suas seções sindicais para um abraço simbólico ao Museu Nacional e ao ato na Cinelândia, centro do Rio, que reuniu milhares de pessoas. “Sucateiam as universidades para justificar a privatização. O mesmo ocorre com o museu, chegando ao ponto de perder todo o acervo para justificar a privatização. Isso é terrível, e a sociedade e a classe trabalhadora precisam se mobilizar para fazer mais esse enfrentamento”, apontou Antonio Gonçalves.

Sem verbas O incêndio do Museu colocou em evidência as dificuldades orçamentárias não apenas da UFRJ, mas de muitas instituições públicas no país. De acordo com a universidade, em 2014, o governo federal havia transferido R$ 434 milhões para a universidade; em 2017, R$ 421 milhões. “Urge, por parte do Governo Federal, uma mudança no sistema de financiamento das universidades federais do país. A matriz orçamentária existente no Ministério da

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Educação não aloca nenhum recurso para os prédios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e para os museus universitários. O mesmo acontece com o Ministério da Cultura, que igualmente não prevê recursos para tais fins”, afirmou a nota da UFRJ. Segundo o diretor do Museu Nacional, nos últimos anos, as verbas do museu vinham caindo. “Nós somos diretamente dependentes das dotações da UFRJ, e a instituição já fez há algum tempo o chamado orçamento participativo e todas as unidades ganhavam um valor. No caso do museu, girava em torno de R$ 500 mil. Devido aos cortes brutais que vinham sendo feitos no repasse de verbas, por parte do governo, esse orçamento minguou para a casa dos R$ 300 mil”. Em 2015, a reitoria da UFRJ deu início a tratativas junto ao BNDES, justamente para adequar a edificação exclusivamente para exposições, garantindo a modernização de todo o sistema de prevenção de incêndio, um dos itens centrais do projeto. Os recursos aprovados para a primeira etapa foram

Percevejos fósseis Percevejos Fósseis com idade de 110 milhões de anos oriundos da bacia do Araripe (CE) faziam parte do objeto de pesquisa de Dionizio Moura Junior, doutorando da Paleontologia da UFRJ. Com o incêndio, o estudante perdeu todo o seu material de estudo conservado no museu. “Vou recomeçar do zero, coletar, pedir material para outras instituições, ajuda de amigos e colegas, sem desanimar. O que era para se fazer em quatro anos, eu farei em dois”, contou. Dionizio explicou que a linha de pesquisa consistia em estudar a morfologia dos percevejos, reconstruir o ambiente no qual eles viviam (reconstituição paleoambiental), compreendendo a análise das variáveis físicas, biológicas e climáticas do período. Os insetos de forma geral são importantes indicadores de ambiente não poluído. Conseguimos decifrar o que ocorreu no passado e não deixar acontecer no futuro”, ressaltou. da ordem de R$ 21 milhões e estavam em vias de liberação pelo banco. Nos últimos meses, um amplo trabalho interno para formação de brigadas e compra de novos equipamentos vinha sendo feito. O diretor do Museu afirmou que além da queda do orçamento nos últimos anos, a falta sensibilidade dos diferentes governos também contribuiu para o incêndio. “Estamos falando de um prédio secular, que conta a história desse país, e que deveria ser protegido. Dom João VI, Dom Pedro I e o Pedro II, a primeira assembleia constituinte republicana são alguns dos fatos históricos. Várias gestões já se preocupavam com isso. Fernando Souza

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Dionízio Moura Júnior

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Fernando Souza

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por quase sete mil pessoas, que exigem a revogação da medida.

Museu Nacional Vive

Em 2014, foi aprovada uma emenda ao Museu Nacional de R$ 20 milhões e foi contingenciada. Se tivéssemos recebido esse montante na época, a situação seria outra”, ressaltou Kellner.

MPs da privatização Após o incêndio, duas medidas foram anunciadas pelo governo federal. Uma delas é a Medida Provisória (MP) 851/18, que institui os fundos patrimoniais, criados para gerar rendimentos destinados às organizações da sociedade civil, como universidades, museus e outras instituições públicas ou privadas. A outra, a MP 850, extingue o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia vinculada ao

Ancestralidade africana Doutoranda em Antropologia, Viviane Faria Soares tem como objeto de pesquisa a sua avó pelo viés da ancestralidade africana. “Quero investigar o quanto ela conseguiu resistir e ser subversiva com todo contexto de opressão, que não permitia ela pensar para além do sobreviver. Vou abordar também o vínculo dessas mulheres com a religiosidade, as plantas e de onde vem esse conhecimento, as rezas e o porquê essas pessoas passaram a renegar esse passado”. “Tratarei tanto o aspecto do herbalismo, espécie de plantas e as pesquisas, quanto às questões culturais, sociais e politicas”. Ela conta que demorou para ter a dimensão da tragédia logo que soube do incêndio. “Depois de algum tempo, eu entendi o que ocorreu, eu me desesperei e comecei a chorar. Eu só pensava nas pesquisas que perdemos”, contou a estudante.

Ministério da Cultura, responsável pela gestão direta de 30 museus federais, além do planejamento e execução de políticas públicas, ações educacionais e editais públicos para quase quatro mil museus em todo o país. A medida também cria a Agência Brasileira de Museus (Abram) que será gerida por uma entidade privada, via Organização Social, que desempenhará as atividades. O orçamento inicial previsto para a Abram é de R$ 200 milhões. A nova agência também ficará responsável pela reconstrução do Museu Nacional e da constituição de um fundo patrimonial para receber doações com este propósito. Críticos a extinção da autarquia federal afirmam que não foram feitos estudos preliminares sérios para tal medida. A Abram será responsável apenas pelos museus federais, deixando centenas de outros museus do país fora da sua abrangência. Uma petição pública online “Cidadãos contra o fim do IBRAM” já foi assinada

Tesouros do Museu

Aulas, defesa de teses, cursos de especialização e outras atividades retornaram no dia 10 de setembro no Horto Botânico, localizado na Quinta da Boa Vista, mesmo espaço do Museu. O local tem uma área equivalente a quase seis campos de futebol e possui a Biblioteca Central, com acervo de 470 mil volumes, e abriga 330 espécies vegetais e a maior parte da coleção de vertebrados. A UFRJ lançou a campanha Museu Nacional Vive, com objetivo de mostrar que a instituição continua em atividade. Aproximadamente dois milhões de peças do acervo continuam preservadas. O site www.ufrj.br/museunacionalvive apresenta todas as informações sobre a reconstrução. Para o diretor do Museu, uma das maiores capacidades do museu é o de geração de conhecimento. “Iremos a campo, vamos gerar novas coletas e informações e aumentar o nosso acervo. Ensinamos pessoas, formamos gente. E isso continuará sendo feito, mesmo com as enormes restrições. O Museu Nacional vive”, afirmou. “Vamos sobreviver. Renascer das cinzas. A gente vai se reconstruir e fazer do nosso luto, luta. Lutar por verbas condignas e estrutura boa de trabalho. Tanto a universidade quanto a direção do museu estão trabalhando de forma muito competente para isso e já voltamos”, disse Adriana Facina. "Continuaremos a ser Museu Nacional e continuaremos a ser UFRJ", concluiu a docente.

Crânio de Luzia - Fóssil humano mais antigo encontrado nas Américas, com cerca de 12.500 a 13.000 anos. Bendegó - Meteorito de 5 toneladas, maior e o mais pesado já encontrado no Brasil. Ele foi uma das peças que resistiu ao incêndio. Conchas, Corais, Borboletas - Eram dois mil itens originais. Constava uma réplica em tamanho natural de uma lula gigante, a reprodução ampliada de dois insetos microscópicos, e a instalação de um voo sincronizado de um bando de borboletas. Dinossauro mineiro - A primeira réplica de um dinossauro de grande porte montada no Brasil: o Maxakalisaurus topai. Um herbívoro de nove toneladas e 13 metros de comprimento, que viveu há cerca de 80 milhões de anos na região do Triângulo Mineiro. África, Memória e Patrimônio - 185 peças trazidas de diferentes partes do continente africano, entre 1810 e 1940, faziam parte do acervo. Acrescida de outros que pertenceram ou foram produzidos por africanos ou seus descendentes diretos no Brasil, entre 1880 e 1950. Egito - Múmias e objetos egípcios comprados por Dom Pedro I e Dom Pedro II formavam a maior coleção egípcia da América Latina. Destaque para a múmia da dama Sha-AmunEm-Su (século VIII A.C.), presente oferecido pelo Quediva do Egito.


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Agrotóxicos

Moradores de zonas rurais sofrem com a pulverização de agrotóxicos

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m 2013, um avião pulverizou agrotóxicos sobre uma escola rural localizada próxima às plantações de milho e soja no município de Rio Verde (GO). No momento do sobrevoo, 122 crianças estavam na escola, além de professores e funcionários. Dezenas de pessoas, a maioria delas crianças, foram encaminhadas ao posto de saúde mais próximo. Os sintomas apresentados eram vômito, tontura, dor de cabeça, formigamento no braço e falta de ar. Cinco anos depois do episódio, moradores de zonas rurais, em todo o país, continuam sendo intoxicadas por agrotóxicos, segundo o relatório publicado pela Human Rights Watch (ONG internacional de direitos humanos). De julho de 2017 a abril de 2018, a ONG entrevistou 73 pessoas afetadas pela deriva de agrotóxicos em comunidades rurais, indígenas, quilombolas e escolas rurais no Brasil. A deriva ocorre quando a aplicação de agrotóxicos não atinge o local desejado e se espalha, contaminando o solo e as áreas vizinhas às plantações. Os moradores dessas regiões são expostos a aplicações de agrotóxicos que ocorrem com frequência nas proximidades de suas casas, escolas e locais de trabalho. Irupe e Pinon, ambos em seus 40 anos, são exemplos do descaso de agricultores e do Estado em relação à saúde dos moradores de zonas rurais. O casal vive em uma comunidade a poucas horas de Campo Grande, capital do Mato Grosso

do Sul. Eles contaram que o mais recente incidente de intoxicação foi no início de 2018, quando sentiram o produto vindo de um trator que pulverizava agrotóxicos na plantação vizinha. Irupe teve tontura, dores de cabeça e vômito. No Brasil, a maioria dos agrotóxicos é aplicada no solo, geralmente pulverizada por trator. Porém, uma quantidade significativa é pulverizada por avião. De acordo com o estudo da Human Rights Watch, em 2012, aproximadamente 70 milhões de hectares de terra foram pulverizados por aviões no Brasil, representando cerca de um quarto de todas as terras pulverizadas com agrotóxicos naquele ano. A pulverização aérea resulta em taxas mais altas de deriva de agrotóxicos quando comparado à pulverização terrestre.

Efeitos do agrotóxico O relatório apontou que devido à grande variedade de agrotóxicos e suas toxicidades, os efeitos da intoxicação aguda na saúde variam significativamente. As pessoas geralmente apresentam sudorese, frequência cardíaca elevada e vômitos, além de náusea, dor de cabeça e tontura. Já a exposição crônica a agrotóxicos - em repetidas doses baixas e por um período prolongado-, é associada à infertilidade, a impactos negativos no desenvolvimento fetal, ao câncer e a outros efeitos graves à saúde. Segundo o documento, não há dados confiáveis do governo sobre quantas pessoas no Brasil sofrem intoxicação por agrotóxicos. O Ministério da Saúde reconhece que a subnotificação de casos oficiais subestima a gravidade do problema.

Legislação Com relação à pulverização aérea, diversos estados e municípios adotaram leis

que estabelecem zonas de segurança em torno de áreas habitadas e outros locais sensíveis. Há uma Instrução Normativa nº 02/08 do Ministério da Agricultura que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos a 500 metros de povoações, cidades, vilas, bairros, mananciais de captação de água para abastecimento de população; e 250 metros de mananciais de água. Já em relação à pulverização terrestre de agrotóxicos, a ONG afirma que não existe uma regulamentação nacional que estabeleça uma zona de segurança em torno de locais sensíveis. Mesmo nos poucos estados que estipulam estas zonas, as regras são frequentemente desrespeitadas. Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PLS) 541/2015, que propõe a proibição no país da pulverização aérea de agrotóxicos em plantações. Apresentada pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), a proposta também veda o registro de produtos que tenham como ingredientes glifosato, carbofuran, fosmete e lactofen. Para ele, a pulverização aérea em plantações contamina o meio ambiente e o uso indiscriminado desses produtos pode causar câncer e autismo. A matéria passou pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), em abril deste ano, e agora está com o relator Wellington Fagundes (PR-MT), da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

Invisibilidade e medo Muitos membros de comunidades rurais não denunciam as irregularidades da pulverização por sentirem medo de represálias por parte de grandes proprietários de terra. Em 2010, José Maria Filho, agricultor rural e ativista contra o uso de agrotóxicos, foi baleado 25 vezes quando voltava para casa durante uma noite em Limoeiro do Norte, no estado do Ceará. Ele pressionava o governo local a proibir a pulverização aérea,


Agrotóxicos assim como denunciava a contaminação da água com agrotóxicos e ocupação irregular de grandes empresas em áreas públicas. João Teixeira Júnior, proprietário da empresa Frutacor, e José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa, são apontados como mandantes do crime. O Ministério Público denunciou quatro suspeitos em 2010. Até hoje, ninguém foi julgado.

Luta contra Agrotóxicos No 37º Congresso do ANDES-SN, realizado entre 22 e 27 de janeiro deste ano, os docentes deliberaram pela continuidade da luta contra os projetos que criam restrições à ação do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Um deles é o PLS 6299/02, chamado de PL do Veneno, já aprovado no Senado e na comissão especial da Câmara. O projeto, de autoria do atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, traz algumas modificações, como a troca da palavra "agrotóxico" por "pesticida", concentra poderes no Ministério da Agricultura para a aprovação de novos produtos, mesmo se outros órgãos reguladores, como Ibama e Anvisa, não tiverem concluído análises sobre os eventuais riscos. No congresso do ANDES-SN, os docentes também aprovaram a realização de um seminário sobre o tema. Em novembro deste ano, em Curitiba (PR), serão debatidos os impactos dos agrotóxicos na saúde da população, legislação e as alternativas ao uso do agrotóxico. Serão realizadas oficinas e visitas a comunidades locais agroecológicas. “Queremos aprofundar o debate sobre os agrotóxicos no seminário e, através do Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental (Gtpaua), apresentar novas propostas contra o uso dos agrotóxicos para o próximo congresso do ANDESSN. Percebemos que há uma tentativa da bancada ruralista em tratar os agrotóxicos como defensivos agrícolas”, disse Silvana Heidemann Rocha, da coordenação do Gtpaua do ANDES-SN e vice-presidente da Regional Sul do Sindicato Nacional. “Os impactos dos agrotóxicos na saúde da população não são apenas aos que comem os alimentos, mas também nos que trabalham no cultivo e com o meio ambiente. O ar, a água, o solo, os animais e a população. A pulverização aérea afeta amplamente comunidade vizinhas às plantações que fazem o uso dessa prática. Sabemos que existem alternativas ao uso dos agrotóxicos, e nós do ANDES-SN vamos aprofundar o debate sobre a educação no campo e a agroecologia”, ressaltou a docente.

Lista dos 10 agrotóxicos mais usados

Dos 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil em 2016, nove são considerados altamente perigosos pela ONG Pesticide Action Network. Em ordem decrescente: glifosato, ácido 2,4-diclorofenoxiacético, mancozebe, atrazina, óleo mineral, acefato, óleo vegetal, carbendazim, paraquate e imidacloprido. Exceto o óleo vegetal, todos são listados pela ONG como altamente perigosos. Quatro foram banidos da Europa: atrazina, acetato, carbendazim e paraquate.

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Suicídio e agrotóxicos Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Porto Alegre apontou, em 1996, que 80% dos suicídios da cidade de Venâncio Aires, a maior produtora de tabaco do Rio Grande do Sul, eram cometidos por agricultores. O mesmo estudo mostrou aumento nos suicídios quando o uso de agrotóxicos era intensificado. O estado apresenta o maior índice de suicídios no Brasil: 10 a cada 100 mil habitantes, praticamente o dobro da brasileira (5,2 por 100 mil em 2012, segundo dados do Ministério da Saúde).

Depoimentos de moradores afetados “Naquela noite, havia um cheiro forte quando cheguei. Eu podia sentir na minha boca. Eu comecei a me sentir mal, enjoada. Eu tentei beber água para melhorar, mas não ajudou. Eu comecei a vomitar várias vezes, até que vomitei tudo que tinha no estômago e continuei com ânsia. As aulas foram canceladas para todo mundo e eu fui para casa. Eu me senti mal no dia seguinte com náusea e dor de cabeça. Na manhã seguinte, tomei leite e comecei a me sentir melhor, mas até o uniforme da minha escola tinha cheiro de agrotóxico", Carina, estudante da escola rural no município de Primavera do Leste (MT). Há plantações a 15 metros das salas de aula. "Foi de manhã cedo, por volta das 8 da manhã. O trator estava pulverizando e senti o cheiro [do agrotóxico]. Dava pra ver o líquido branco [no ar]. Mesmo cheirando, vai para o seu cérebro. Você sente uma amargura na garganta. Você não quer mais respirar veneno, você quer respirar outro tipo de ar, mas não tem nenhum. Então você se sente fraco, não consegue se levantar, porque o veneno é muito forte e fica com febre e dor de cabeça", Jakaira, indígena Guarani-Kaiowá. No local onde vive há uma plantação localizada a 50 metros da entrada da comunidade. Campo Grande (MS). “O trator amarelo começou a pulverizar de repente: ouvimos o barulho da máquina, dava para ver pelas janelas da sala de aula. Eu tive uma forte dor de cabeça, dor de barriga e a sensação de que ia vomitar. [A professora] disse: "Vamos sair da sala porque o cheiro está muito ruim". (...) Eu

vomitei em casa duas vezes: a primeira vez quando eu estava comendo com minha família. Deixei meu prato e corri para o banheiro. Eu não comi mais. Deitei na cama, dormi e depois de um tempo vomitei de novo", Teresa, 10 anos, estudante da escola rural no município de Cascavel (PR). “Esta semana, um avião passou por cima da casa [de um vizinho] com o motor [de pulverização] ligado. A gente sente [os agrotóxicos] caindo na pele. Toda vez que bate, tem isso. Nós temos problemas com aviões há uns 10 anos. Fizemos várias ocorrências no quartel, delegacia [de polícia civil]. Não resolve—não existe justiça". Bernardo, 30 anos, morador da comunidade quilombola. Algumas casas ficam a 20 metros da plantação de cana-de-açúcar vizinha, que fica a poucas horas de carro de Belo Horizonte (MG). "No mês passado eu estava em casa, fazendo trabalho de casa. Senti um cheiro terrível, muito forte, como algo podre e químico. Eu me senti mal, com enjoo e dor de cabeça. Eu vomitei muito, depois que comecei eu não conseguia parar. Eu tive que ligar para o meu marido pedindo ajuda. Estou grávida e minha principal preocupação era com meu filho, eu estava preocupada que isso pudesse afetar sua saúde", Eduarda, 20 anos, moradora da comunidade rural que fica a poucas horas de carro de Santarém (PA). A plantação termina a apenas 5 metros do poço que a comunidade usa para obter água potável. *Depoimentos levantados pela Human Rights Watch e editados pelo ANDES-SN


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Entrevista

A educação pública é a menina dos olhos do capital corporativo global, diz Ricardo Antunes

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Recentemente o senhor comparou a terceirização à escravidão por aluguel. Poderia explicar essa analogia?

Ricardo Antunes: É quase uma metáfora. Na escravidão, o trabalhador negro africano, ou a trabalhadora negra recém-chegados da África eram pesados, medidos, analisados seus dentes, sua feição e eram comprados, como se fossem “animais”. A força de trabalho não era vendida, como fazem os trabalhadores e trabalhadoras sob o capitalismo, num regime de assalariamento. A analogia é que na escravidão, o escravo é comprado pelo proprietário capitalista. Na terceirização, o trabalhador ou a trabalhadora terceirizados são alugados. A empresa de terceirização aluga um plantel de trabalhadores para outra empresa que as contrata sob a forma de locação. É uma forma híbrida que significa uma regressão, nos aproximando do passado escravocrata. Essa força de trabalho é alugada sem que o valor dela seja negociado. Porque isso é uma negociação entre empresas, a empresa A, que

Antonio Perri

m sua mais recente obra, O privilégio da servidão, o sociólogo e professor da Universidade de Campinas Ricardo Antunes apresenta um retrato detalhado da classe trabalhadora hoje, em suas principais tendências. O estudo traz uma análise detalhada das mudanças trabalhistas que ocorreram na história recente do país, desde a redemocratização até o impeachment de Dilma Rousseff, e seu eixo está em compreender a explosão do novo proletariado de serviços, que se desenvolve com o trabalho digital, online e intermitente. Nesta entrevista ao InformANDES, Antunes aborda algumas questões desenvolvidas em seu estudo e faz uma reflexão sobre os impactos da reforma trabalhista de Temer e da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que autoriza a terceirização irrestrita, no trabalho docente. A versão que você recebe em mãos está editada. Para ler a íntegra da entrevista, acesse: www.andes.org.br está contratando, junto a empresa B, por um valor determinado. Como se você alugasse 100 carros para colocar esses carros a serviço da sua empresa, só que agora você está contratando 100 trabalhadores, ou trabalhadoras. Essa é a alusão de uma nova forma de escravidão, uma escravidão que se acentua na era da escravidão digital.

Com a nova legislação trabalhista, o senhor acha que o uso do meio digital para venda de trabalho pode aumentar? Como você vê o avanço da precarização do trabalho de setores com maior escolaridade?

R.A.: A atual regulamentação que trata da terceirização deslancha com intensidade no governo Temer. No início do governo, há a liberação da terceirização das atividades-fim. Com isso, provocava uma medida do Tribunal Superior do Trabalho que fazia distinção entre atividade-meio e atividade-fim. Nesse período certamente chegamos a 12 ou 13 milhões de trabalhadores terceirizados nas

atividades-meio. Como a medida do Temer ampliou a terceirização, ela também criou um embate jurídico, decidido há poucas semanas pelo STF, que considerou Constitucional a terceirização de todas as atividades. Foi um ato inaceitável do Supremo na medida em que ele vai além do que foi decidido no decreto de Temer, permitindo a terceirização total. O STF estendeu a terceirização para todas as atividades, dizendo que a terceirização não precariza. Se a terceirização não precariza, eu sugiro que todos os ministros do Supremo que votaram pela terceirização terceirizem seus trabalhos. Seria uma maravilha ver os sete que votaram a favor da terceirização virarem ministros terceirizados. Aí eles vão perceber a diferença da atividade terceirizada, na qual a burla da legislação protetora do trabalho é mais frequente: as jornadas são mais intensas, os assédios mais violentos, a divisão sexual do trabalho faz com que as mulheres trabalhem ainda mais do que os homens, as negras mais que as brancas, etc.


Entrevista No meu livro há um capítulo da “Sociedade da Terceirização Total”. O que significa isso? Você pode terceirizar agora a ponta, a atividade-fim da empresa. Em um hospital você pode terceirizar o médico. Em uma universidade, pública ou privada, você pode terceirizar todas as atividades docentes. Em uma empresa de transporte aéreo você pode terceirizar os pilotos. Nós estamos regredindo a formas da escravidão do trabalho, inclusive escravidão do trabalho digital. O debate sobre o capitalismo 4.0 é digitalizar tudo. Ou seja, o mundo do trabalho hoje é uma combinação complexa de atividades digitalizadas e manualizadas em uma relação muito profunda. Não é uma versus a outra. Para que um celular seja feito é preciso que haja extração do trabalho mineral, que é uma das mais brutais atividades laborativas manuais. No mundo do capitalismo destrutivo de hoje, se introduz o contrato de ‘zero hora’. Te chamo, você vem, trabalha e ganha pela hora que trabalhou. Se eu não tenho trabalho, não te chamo, você fica esperando e não recebe nada. É o precariado ilegal. Além do precariado legal, que é acintoso porque é a superexploração do trabalho, há o precariado ilegal. Isso é uma forma de escravidão digital. O exemplo mais visível é o Uber. O trabalhador que tem seu carro não é dono dos meios de produção, ele tem o instrumento de trabalho, há uma brutal diferença. Ele paga por tudo do carro e não tem seguro-desemprego. O Uber diz que não é uma relação de trabalho. Citamos o Uber porque há uma massa enorme de trabalhadores no Brasil e no mundo. A única alternativa de emprego imediato é tendo um carro e se filiar ao Uber. Muitos se endividam para alugar ou comprar um carro e trabalhar que nem louco para pagar isso e ganhar alguns poucos reais líquidos. Esta tragédia não tem mais limitação de onde pode chegar. Termino com uma questão. O mínimo que se pode esperar em um processo eleitoral de candidaturas que tenham um mínimo de relação com a classe trabalhadora é que essa legislação deve ser revogada. É selvagem essa legislação. E o empresariado não quer nem ouvir de qualquer tipo de mudança, eles querem é mais.

Em relação ao Uber, qual o papel ideológico que cumpre o conceito empreendedorismo?

R.A.: Nós estamos em um cenário global no qual o desemprego é regra e o emprego é exceção. Precarização, flexibilização, desregulamentação, trabalho intermitente, trabalho temporário, etc. tendem a ser cada

vez mais a regra, especialmente nos serviços que diferem de uma fábrica porque ela precisa de um trabalho sistemático. A indústria de serviços é diferente da indústria de transformação. Nesse contexto, como o desemprego se amplia enormemente e a legislação protetora do trabalho está sendo destruída é necessário haver uma saída ideológica e política para a massa de trabalhadores desempregados. E o empreendedorismo é essa palavra mágica, vasta, falaciosa, mentirosa. Porque de cem empreendedores, quantos são bem sucedidos? As pesquisas precisam começar a mostrar isso. Quando a Globo, a Bandeirantes, colocam na televisão os maravilhosos exemplos de empreendedorismo colocam o que foi bem sucedido. Mas os milhares que pegaram seu fundo de garantia, empreenderam e investiram em um pequeno empreendimento comercial e fracassaram - por dívidas bancárias, pela regressão do mercado, pela crise econômica – não aparecem. A ideologia do empreendedor é muito poderosa. Ela dá a ideia do proprietário de si mesmo, mas omite a ideia que é coparticipe que é a do proletário de si mesmo. Porque o empreendedor tem essa face duplicada: é proprietário de si mesmo e proletário de si mesmo. Muitas vezes ele proletariza a família. Ele enseja em si mesmo essa contradição de ser proletário e proprietário. Ela é poderosa enquanto ideologia e mentirosa e falaciosa enquanto concretude. O empreendedorismo tem a aparência da vitória e a concretude da derrota. O fundamento do neoliberalismo em sua versão mais destrutiva é o individualismo possessivo entre os despossuídos. Ou seja, você é responsável pelo seu avanço e pelo ‘fracasso’. O que é uma mentira. O desemprego que decorre da decisão de uma corporação que fecha uma unidade produtiva no Brasil para levá-la para a China não é motivado pela incompetência, despreparo ou falta de qualificação do trabalhador. Na Europa há uma massa imensa de jovens ultra qualificados sem trabalho que vão trabalhar em hotéis, restaurantes, áreas de serviço de baixíssima remuneração. Esta é a tendência do capital em escala global. Na educação, por exemplo, os professores

“A ideologia do empreendedor é muito poderosa. Ela dá a ideia do proprietário de si mesmo, mas omite a ideia que é coparticipe que é a do proletário de si mesmo”

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que estão vendo a dilapidação do seu saber fazer porque há um processo de proletarização, fragmentação e parcelamento de suas atividades. As grandes corporações da educação – a maior do mundo atua no Brasil – fragmentam o trabalho. Uma pessoa é responsável pela escolha do livro, outra dará aulas sobre o livro que não foi escolhido por ela. Outra vai preparar a prova sobre o livro tratado em uma aula da qual ela não participou. E outra vai corrigir a prova. Você acrescenta a isso a educação à distância e tem empresas de educação com mais de um milhão de estudantes. Isso é muito mais lucrativo do que a indústria automobilística. Por isso que existe hoje uma voracidade pela privatização da escola pública. No caso brasileiro, a educação pública é a menina dos olhos do capital corporativo global. Contudo, onde há luta e resistência isso não viceja tão fortemente. Onde o sindicato está despreparado ou cooptado isso passa mais facilmente. Se o mundo corporativo puder, ele elimina os sindicatos. Se nós vamos ao Chile, em cada esquina há uma faculdade privada, porque o ensino público excelente que o Chile tinha até Allende foi destruído pelo neoliberalismo da ditadura militar de Pinochet. E atenção: estamos na iminência de termos um ultraneoliberalismo com fascismo comandado por uma figura farsesca que usa farda. Talvez a gente viva agora o pior momento das universidades públicas. Se essa tragédia se consubstanciar, entraremos em uma fase mais difícil que na ditadura militar, mais difícil que o neoliberalismo dos anos 90 pra cá. Porque agora seria uma combinação nefasta de ultraneoliberalismo com uma ditadura militar sem limites e com respaldo eleitoral.

E quais serão os efeitos desse contexto todo para a educação pública?

R.A.: A criança de cinco anos vai ser educada a poupar, fazer contas e aplicar no mercado. O ensino da filosofia, da sociologia, a história do país, uma ciência da saúde comprometida com as necessidades da população: tudo isso vai deixar de existir. Teremos faculdades privadas, ensino médio privado, ensino de base privado e o mercado imporá quais são as questões vitais. E as questões vitais para o mercado são as mais destrutivas para a humanidade. E as questões vitais para a humanidade não interessam para o mercado. A dilemática do momento que entramos é: queremos uma educação para a humanidade ou uma educação destrutiva que favoreça a valorização e os lucros do mercado? Essa é a questão crucial de nosso tempo.


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Internacional

alguns sindicatos de docentes aceitaram a proposta do governo, que ignora as perdas de orçamento e concede reajuste parcelado e abaixo da inflação. Mesmo assim, a Conadu Histórica, um dos sindicatos, manteve a greve por mais duas semanas. Claudia Baigorria, secretária de formação da Conadu Histórica, explica a posição dos docentes que se mantiveram em greve por mais tempo. Segundo ela, além de não responder às reivindicações da categoria, o governo oferece uma espécie de bonificação alheia aos salários, o que contraria conquistas do movimento docente argentino. Desde a greve de 2005, os docentes argentinos têm apenas uma linha em seu contracheque. “Consideramos que é possível derrotar a política de ajuste do governo e que é factível arrancar o orçamento necessário para as universidades por meio da luta. Por isso estamos lutando em conjunto com os estudantes. Há uma infinidade de atividades de greve que estamos realizando, como aulas públicas, ocupações das faculdades, manifestações, etc. Foi isso que potencializou nossa luta e rompeu o cerco midiático”, avalia Claudia. Nuria Bodda - Fotografias Emergentes

A

ssim como no Brasil, na Argentina, as universidades públicas têm sido atacadas pelas políticas de ajuste fiscal. E os docentes, servidores e estudantes estão mobilizados para exigir maiores repasses orçamentários às universidades e também reajustes salariais que compensem a alta inflação do país. A inflação acumulada do governo Mauricio Macri, iniciado em dezembro de 2015, já chega a 114%. Como resposta aos ataques, os docentes decretaram greve no início de agosto. Eles reivindicavam um reajuste salarial de 30%, para cobrir as perdas inflacionárias do último ano, com uma cláusula de reajuste automático de acordo com a inflação. O governo, entretanto, oferece apenas 15% de reajuste em três parcelas. Os docentes também exigem o fim dos cortes orçamentários nas universidades argentinas, com a devolução de 4 bilhões de pesos (cerca de R$ 513 milhões) já cortados pelo governo em 2018. Os estudantes se somaram à luta ocupando diversas faculdades e universidades pelo país. Grandes manifestações têm tomado as ruas do país, entre elas a Marcha Nacional Educativa de 30 de agosto que levou meio milhão de pessoas a Buenos Aires sob forte chuva. Entretanto,

Nuria Bodda - Fotografias Emergentes

Cresce a luta em defesa das universidades públicas na Argentina

“Estamos em uma crise sem precedentes que faz das negociações muito difíceis. O governo já adiou reuniões de maneira unilateral. As propostas são insatisfatórias. Ao longo de seis meses eles mantiveram a proposta de reajuste de 15% de maneira parcelada. Seguimos exigindo reajuste de 30% com correção automática pela inflação. Essa exigência é bastante modesta, inclusive, diante do crescimento da inflação e da corrida pelo dólar. A luta vai ser dura, mas acreditamos que podemos vencer. Queremos uma universidade pública que siga sendo gratuita, democrática, laica e autônoma para que cada vez mais filhos da classe trabalhadora se formem”, completa.

Acordo com FMI Em junho, o presidente Macri assinou, sem discussão prévia no Congresso, um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em troca de um empréstimo de 50 milhões de dólares, o fundo exigirá novas reformas que atacam os serviços públicos e as condições de vida dos trabalhadores argentinos.

A Noite dos Lápis

Em meio à greve, uma das manifestações de docentes e estudantes lembrou a Noite dos Lápis. Em 16 de setembro de 1976, durante a ditadura civil-militar argentina, 10 estudantes que reivindicavam passe livre foram presos e torturados na cidade de La Plata. Oito eram menores de idade e apenas quatro sobreviveram à prisão. Presume-se que os demais foram fuzilados em janeiro de 1977, mas seus corpos nunca foram encontrados.


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