RANKEAMENTO DE SISTEMAS AUTÔNOMOS. UMA ATIVIDADE COMPLEXA.

  • INTRODUÇÃO


A definição clássica de um sistema autônomo, conforme a RFC 1930, é um conjunto de roteadores sob uma única administração técnica, usando um gateway interior protocolo e métricas comuns para rotear pacotes dentro do AS, e usando um protocolo de gateway externo para rotear pacotes para outros ASes. Sendo assim, um AS é um grupo conectado de um ou mais prefixos IP executados por um ou mais operadores de rede que tem uma política de roteamento claramente definida. O uso do termo Sistema Autônomo aqui enfatiza o fato de que, a entidade tem a autonomia na gestão e implantação das suas políticas de roteamento, que na prática especificam seu funcionamento e suas características.

A Internet é uma rede de redes. Um emaranhado de sistemas autônomos.

Conforme as atuais estatísticas (De 26/05/2018, Ref: https://www.cidr-report.org/), o ecossistema global de roteamento na internet é composto de 61,993 sistemas autônomos para 752634 prefixos IPv4 e 55799 IPv6 anunciados no ecossistema.


  • A RELAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS AUTÔNOMOS NA INTERNET


Sendo assim, é possível compreender que a atividade de estabelecer um ranking entre os sistemas autônomos na internet é altamente complexa, devido a diversidade de aspectos e pluralidade da natureza destas relações entre os diversos sistemas autônomos que a formam, somado ao ambiente de não publicação da natureza destas relações pelos mais diversos motivos (em sua maioria, contextualizados com a estratégia corporativa sob aspectos financeiros e estratégicos de instituição envolvida ou simplesmente apoiado na abordagem security by obscurity). A publicação na devida forma, destas políticas de roteamento exterior, que na prática definem como o sistema autônomo se comporta perante o ecossistema seria, na opinião do autor, uma forma, além de melhorar a relação entre os AS´s tornando-a mais clara e otimizar os processos de implantação/configuração/OAM&P das relações de interconexão também otimizariam os processos de rankeamento, já que a natureza destas relações estariam explicitamente declaradas em IRR.

Estas relações entre os AS's na Internet representam o resultado de decisões políticas regidas por definições técnicas, comerciais, administrativas e regulatórias (não necessariamente nesta ordem).

Com isso é possível deduzir o nível de complexidade associada a um processo de descoberta destas relações entre os atuais e diversos (amplamente diversos, desde aspectos de infraestrutura até mesmo a sua atuação no ecossistema global de roteamento) sistemas autônomos existentes.

A relação entre os diversos sistemas autônomos dá ao ecossistema global de roteamento da internet a sua forma. E um detalhe importante sobre estas relações é que, em sua grande parte, são norteadas por interesses mútuos das instituições que as celebram e estas se fundamentam em suas regras de negócio para celebrá-las. Essas relações são geralmente padronizadas em acordos entre as instituições envolvidas, que, por sua vez, se traduzem em restrições e padronizações para o fluxo de tráfego que será formado após o estabelecimento da relação.

Neste artigo, vamos usar o conceito proposto por de M. Luckie et al (definido em seu paper, AS Relationships, Customer Cones, and Validation. Publicado na conferência Internet Measurement Conference (IMC), em 2013, que abstrai em 3 tipos comuns:

- Customer-to-Provider (Cliente a Fornecedor, C2P), ou se visto em direção oposta, Provider-to-Customer (P2C), a clássica relação de trânsito, onde um AS é fornecedor, dando a capacidade de conectividade aos demais ASs da internet ao AS que é cliente na relação. Os fluxos do AS cliente para fora do seu AS (com destino a outro AS) são encaminhados pelo fornecedor ao seu destino.

- Peer-to-Peer (P2P), a clássica relação de troca. Onde ambos os AS são pares, não há cliente x fornecedor nesta relação, os membros trocam tráfego entre suas redes (o fluxo de tráfego de e para os pares, fica fluindo pela relação de troca).

- Sibling-to-Sibling (S2S), a clássica relação entre AS’s com administração comum, mas que se mantiveram distintos no ecossistema global de roteamento por algum motivo interno específico (questões administrativas, regulatórias, legais ou simplesmente por questões estratégicas).

lustração das relações entre os As´s, onde D, E são clientes de B e F é cliente de C. B é fornecedor de D e E e cliente de A, C é fornecedor de F e cliente de A. B e C tem relação de troca direta e A não é cliente de ninguem.

Figura 1. Tipos de relacionamentos entre os ASs (Ref: http://as-rank.caida.org/about).

É de notório conhecimento que todo sistema autônomo deve ter entre suas metas, a ampliação da capilaridade das suas interconexões, em suma, participando do máximo de ix´s que puder fazer parte, em seu país de origem, e fora dele para diminuir ao máximo possível a distância entre os AS´s, otimizando assim as comunicações (com a evidente redução da latência por exemplo) com a meta sempre de melhoria dos KPIs de QoS objetivando a melhoria do QoE e uma maior resiliência.

Não é escopo deste artigo tratar dos pontos de troca de tráfego e da evidente importância dos AS´s fazerem parte.


  • A REVISÃO DA LITERATURA E O ESTADO DA ARTE


As pesquisas sobre desempenho, robustez e evolução do ecossistema da internet global são fundamentalmente deficientes, sem precisão e conhecimento profundo da natureza e estrutura das relações contratuais entre sistemas autônomos (AS's) face as complexidades citadas.

Existem na literatura diversos modelos propostos para a avaliação das relações entre os sistemas autônomos, alguns exemplos publicados na academia são:

L. Gao, On Inferring Autonomous System Relationships in the Internet, IEEE/ACM Transactions on Networking, December 2001.

L. Subramanian, S. Agarwal, J. Rexford, and R. H. Katz, Characterizing the Internet Hierarchy from Multiple Vantage Points, IEEE INFOCOM, 2002.

G. Di Battista, M. Patrignani, and M. Pizzonia, Computing the Types of the Relationships between Autonomous Systems, IEEE INFOCOM, 2003.

T. Erlebach, A. Hall, and T. Schank, Classifying Customer-Provider Relationships in the Internet, Proceedings of the IASTED International Conference on Communications and Computer Networks (CCN), 2002.

J. Xia and L. Gao, On the Evaluation of AS Relationship Inferences, IEEE Globecom, 2004.

X. Dimitropoulos, D. Krioukov, B. Huffaker and G. Riley, Inferring AS Relationships: Dead End or Lively Beginning, International Workshop on Efficient and Experimental Algorithms (WEA), 2005.

X. Dimitropoulos, D. Krioukov, M. Fomenkov, B. Huffaker, Y. Hyun and G. Riley, AS Relationships: Inference and Validation, ACM SIGCOMM Computer Communication Review (CCR), v.37, n.1, pp.29-40, 2007.

B. Hummel and S. Kosub Acyclic Type-of-Relationship Problems on the Internet: An Experimental Analysis , In Proceedings of the 7th ACM SIGCOMM Internet Measurement Conference (IMC'2007), pages 221-226. ACM Press, New York, NY, 2007.

M. Luckie, B. Huffaker, k. claffy, A. Dhamdhere, and V. Giotsas, AS Relationships, Customer Cones, and Validation , in Internet Measurement Conference (IMC), Oct 2013, pp. 243--256.

G. Huston, "Interconnection peering and settlements", Proc. INET June 1999.

C. Alaettinoglu, "Scalable router configuration for the internet", Proc. IEEE IC3N October 1996.

R. Govindan, H. Tangmunarunkit, "Heuristics for internet map discovery", Proc. IEEE INFOCOM March 2000.

H. Tangmunarunkit, R. Govindan, S. Jamin, S. Shenker, W. Willinger, "Network topologies power laws and hierarchy", 2001.

M. Faloutsos, P. Faloutsos, C. Faloutsos, "On power-law relationships of the internet topology", Proc. ACM SIGCOMM August/September 1999, pp. 251-262.

Z. Ge, D. Figueiredo, S. Jaiwal, L. Gao, "On the hierarchical structure of the logical internet graph", Proc. SPIE ITCOM August 2001.


  • AS FERRAMENTAS PARA RANKEAMENTO


Existem algumas ferramentas disponíveis online, onde é possível avaliar as relações, de forma superficial entre os ASs. Através destas, podemos estabelecer uma espécie de ranking entre os sistemas autônomos. Este ranking é definido fundamentalmente pelas relações entre o sistema autônomo que está sendo avaliado e os demais no ecossistema global de roteamento através da observação exterior e aplicação de uma metodologia e técnica. Na revisão de literatura citada neste artigo, são relacionadas algumas destas técnicas. Entre estas ferramentas, para o contexto deste artigo, citarei 2:

- World Report da HE (Hurricane Eletric, AS6939, um operador (ISP) na internet), disponível em https://bgp.he.net/report/world (Último acesso em 26/05/2018)

- AS Rank do Caida (Center for Applied Internet Data Analysis, um centro de pesquisa nos estados unidos que colabora desde 1997 com a comunidade científica internacional), disponível em http://as-rank.caida.org (Último acesso em 26/05/2018)

1.    World Report da HE

A HE não publica de forma clara o funcionamento da sua ferramenta de rankeamento. Este autor já fez questionamentos diretos a equipe de engenharia de redes da HE e não obteve uma resposta. Este autor então supõe que (por observação externa e face a carência de documentação na literatura) , que a ferramenta de rankeamento da HE (World Report) faça o rankeamento através da observação (não descrito, mas o auto supõe que, analisando o as_path correlato e a sua respectiva vizinhança) tendo como fonte de dados as RIBs das bases de looking glass do projeto Routeviews e/ou deles mesmo e/ou do RIS do Ripe (estas em conjunto ou de forma separada). A título de informação, a HE face a sua política de open peering e a sua massiva presença nos diversos IXs ao redor do mundo torna o AS6939 um dos AS´s mais bem interconectados no mundo, entretanto isto não seria suficiente para defini-lo como o número 1 do ranking, como está definido na ferramenta World Report

2. AS Rank do Caida

O AS-Rank é a ferramenta proposta pelo CAIDA para o rankeamento dos AS´s na Internet. A mesma, diferente da ferramenta proposta pela HE, é profundamente bem documentada além de pelo próprio portal do CAIDA, também pela comunidade acadêmica geral, descrita em diversos artigos publicados em diversos congressos e revistas, alguns citados neste artigo.

Conforme descrito no portal do Caida, O AS-RANK, se baseia (para classificação e rankeamento do AS) no seu tamanho de cone de cliente, que por sua vez é inferido de caminhos BGP pelo algoritmo de inferência de relacionamentos entre AS, proposto por M. Luckie et Al em AS Relationships, Customer Cones, and Validation publicado no Internet Measurement Conference em 2013 e disponível na íntegra em http://www.caida.org/publications/papers/2013/asrank/asrank.pdf. 

E como base de dados para o algoritimo de inferência utilizado no AS-Rank, é utilizado os snapshots das ribs coletadas no projeto RouteViews e no RIS do Ripe. 


  • O ATUAL STATUS (26/05/2018)


Com isto, podemos produzir alguns dados através das ferramentas propostas, observando o ecossistema global de roteamento. Faremos isto neste artigo, a título comparativo, tendo como base o resultado produzido com as ferramentas citadas.

Vamos fazer uma pesquisa, consultando alguns AS de renome internacional e nacional e demonstrar abaixo o resultado.

Figura 2 - Report da Ferramenta World Report - Brazil . Listando, segundo esta ferramenta, o ranking dos AS´s Brasileiros, consulta feita em 26/05/2018.

Na figura 2, podemos ver o resultado, mas é um fato interessante (que conota uma ineficácia da ferramenta, já que, por exemplo, não estão listados por exemplo nas posições esperadas (entre os 10 primeiros), AS´s de tráfego considerável no Brasil, como o AS7738 (OI) e o AS4230 (Claro/Embratel), notoriamente grandes sistemas autônomos em operação no Brasil. Este aspecto é importante e deve ser observado nesta ferramenta.

Figura 3 - Report da Ferramenta World Report - Estados Unidos. Listando, segundo esta ferramenta, o ranking dos AS´s estadunidenses , consulta feita em 26/05/2018.

Ao mesmo tempo corroborando com a colocação da ineficácia desta ferramenta, podemos observar que na figura 3 o AS6939 da HE (o da própria ferramenta) é listado como o primeiro colocado, a frente de AS’s de maior conectividade e renome como o AS3356 - Level3, AS1299 - Telia e o AS174 - Cogent, grandes sistemas autônomos TIER-1, amplamente conhecidos.

A ferramenta AS-RANK do CAIDA, fornece um prompt onde o usuário fornece o ASN a ser consultado e retorna o resultado, diferente da ferramenta da HE World Report que tem as listas prontas para consulta, no AS-Rank você informa o ASN e ele retorna à classificação. Para efeito estatístico, abaixo resultado de consulta feitas a alguns AS´s.

Figuras 4, 5, 6 - Report da ferramenta AS-Rank, com consulta a 3 AS´s distintos, listados nesta, como os 3 mais bem rankeados.

Figura 7- Report da ferramenta AS-Rank, com consulta ao AS6939 HE , para comparativo.

Figura 8 - Report da ferramenta AS-Rank, com consulta ao AS12956 Telefonica Internacional , um grande fornecedor de transito em operação na Bahia, operador do cabo submarino SAM-1 na Bahia.

Os resultados supra ilustrados pelas figuras 4,5,6,7,8 demonstram o rankeamento feito pela ferramenta AS-Rank conforme descrito neste artigo. Para observação, neste rankeamento, o AS da HE fica em 6 lugar ao invés do primeiro listado pela ferramenta World Report. O dataset esta disponível para consulta de todos no site do projeto. Também como informação importante além do ranking a ferramenta também retorna o AS Degree que reflete de certa forma as naturezas das relações.

Abaixo, um simples comparativo entre alguns AS nacionais, feito com base na ferramenta AS-Rank do CAIDA. Os AS escolhidos foram através de critérios inexatos e aleatórios (por observação externa), onde foram escolhidos os maiores AS´s do estado da Bahia em demanda de tráfego e do Brasil, conforme abaixo listados:

Figuras 9,10,11,12 - Report da ferramenta AS-RANK, listando os 4 principais e mais bem rankeados As´s do estado da Bahia (Conforme informação do dado AS rank, em comparação feita a todos os sistemas autônomos listados no PTT-BA).

Figura 14,15,16,17 e 18. Report da ferrramenta AS-RANK listando os principais AS´s do Brasil (Conforme informação do dado AS rank, em comparação feita a todos os sistemas autônomos notoriamente conhecido como os maiores em operação do Brasil).


  • CONCLUSÃO


O rankeamento de sistemas autônomos é uma atividade altamente complexa, dada conforme exposto as características das relações entre eles, inclusive do aspecto de sigilo nas relações de troca entre os grandes players, associado a má publicação das políticas de roteamento existentes.

Conforme concluído pelas equipes de pesquisa no CAIDA, o conhecimento das relações comerciais entre os AS´s é relevante para os aspectos técnicos e econômicos da estrutura interdomínios da Internet.

Em primeiro lugar, os relacionamentos entre os ASs determinam as políticas de roteamento que introduzem um conjunto não trivial de restrições aos caminhos pelos quais o tráfego pode fluir. Isso tem implicações para a robustez da rede, engenharia de tráfego, estratégias de medição de topologia macroscópica e outras considerações operacionais e de pesquisa.

Em segundo lugar, a análise macroscópica das relações entre os ASs não só fornece insights sobre os fundamentos econômicos das realidades de negócios na Internet atual, como também fornece uma sólida estrutura de validação para a modelagem baseada em economia da evolução da topologia da Internet. Portanto, a capacidade de inferir os relacionamentos entre os ASs é uma ferramenta promissora para entender e modelar as forças econômicas que impulsionam a evolução da topologia da Internet e sua hierarquia.

Fernanda Rosa

Assistant Professor, Science, Technology, and Society, Virginia Tech

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Muito claro e útil, obrigada! Seu texto me lembrou essa publicação recente, que discute hegemonia e interdependência entre ASs: https://blog.apnic.net/2018/05/30/as-hegemony-measuring-as-interdependence/

Márcio Mosquera

Diretoria Executiva no Grupo Softcomp Conectividade

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Parabéns! Excelente.

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