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Povo Xukuru recebe indenização de US$ 1 milhão por violações de direitos indígenas

Raíssa Ebrahim / 13/02/2020

Foto de maio de 2018 na Aldeia Pedra d’água durante 18ª Assembleia Xukuru de Ororubá (crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Os Xukuru do Ororubá, no agreste de Pernambuco, tiveram, em meio a tantos retrocessos na política indigenista, a notícia da concretização de uma vitória histórica e um marco que se estende também a todos os povos indígenas do Brasil. O governo brasileiro depositou esta semana, na conta da Associação Xukuru, que representa quase 12 mil pessoas de 24 aldeias, uma indenização de US$ 1 milhão (R$ 4,34 milhões).

O povo Xukuru conquistou o direito a essa indenizações por reparações após condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O recurso, nem de longe, repara os danos e as perdas, mas é uma comprovação internacional da omissão governamental.

O Estado brasileiro foi condenado, no início de 2018, por violar direitos à propriedade coletiva e à garantia e proteção judicial desses indígenas que vivem em Pesqueira, a 200 km do Recife. A lentidão e o descaso do Governo Federal abriram espaço para o descumprimento de demarcação de terras e o acirramento de conflitos.

A corte havia dado o prazo máximo de 18 meses para que as determinações fossem cumpridas e estipulado que, em um ano, o governo brasileiro deveria apresentar um relatório detalhando o andamento das ações adotadas.

Essa foi a primeira vez que o Brasil foi condenado por uma corte internacional por violar direitos indígenas. O caso foi denunciado na CIDH em 2002. Leia aqui a decisão (em espanhol). O povo Xukuru foi assessorado no processo pelo Conselho Missionário Indigenista (Cimi), pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e pela Justiça Global.

Em conversa com a Marco Zero Conteúdo por telefone, o cacique Marcos Xukuru ressalta que o depósito já era esperado, não cabia recurso. “Ela não repara os danos causados, mas nossa sensação é de dever cumprido. Mostra que juntos somos mais fortes e que toda a luta travada pelo cacique Xikão e por outras lideranças levou ao reconhecimento de que valeu a pena lutar, nós estávamos no caminho certo fazendo justiça pelo déficit que o Estado tem com os povos indígenas neste país”.

A liderança detalha que a indenização recebida pelo povo Xukuru será aplicada para atender as famílias dentro do território de 27 mil hectares com projetos e ações coletivas.

Alguns exemplos do que foi planejado é a compra de um ônibus, a construção de uma estrutura de galpão para merenda escolar, a arrumação das estradas que cortam o território, e a construção de barragens para acumular água das chuvas que podem servir para abastecimento e plantio.

Indígenas do povo Xukuru (crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Na avaliação do Cacique Marcos, a vitória também abre precedentes para que outros povos tenham referência de que é possível se organizar e saber que existem instâncias fora do Brasil que podem auxiliar na agilização de processos administrativos de demarcação de terras indígenas.

Sobre esperanças de que a decisão da corte internacional mude jurisprudências no Brasil, o cacique conta que, no ano passado, indígenas fizemos lobby no Superior Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com a cópia da decisão, entregue a todos os ministros. “Fizemos para que tomassem conhecimento e, de alguma maneira, isso possa influenciar outras decisões”.

Segundo o Cimi, há hoje outros dois povos que apresentaram denúncias na corte por violações de direitos indígenas e atentados à integridade física e cultural: os Gamela, no Maranhão, e Guarani Kaiowá. Os casos ainda não têm resposta da CIDH.

Para a coordenadora do Cimi Regional Nordeste, Alcilene Bezerra, a atual conjuntura dificulta saber o que pode acontecer. “Estamos vivendo um momento muito conturbado no Brasil, com um governo que quer inviabilizar a permanência dos povos indígenas em seus territórios com o projeto de exploração, mineração e arrendamento de terra. Isso é vergonhoso, é uma conjuntura em que a constituição passar a ser desvalorizada”, diz.

Alcilene também reforça que, apesar da vitória, “as perdas emocionais e culturais não se reparam”. Quando o Estado é obrigado a pagar, mesmo ele não reconhecendo, comprova que foi omisso, negligente e culpado por deixar que tamanha violência tenha acontecido”.

A história recente de luta dos Xukuru

Indígenas do povo Xukuru (crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Para entender, vamos voltar um pouco no tempo, essa história é longa e cheia de conflitos. O processo de demarcação das terras Xukuru começou em 1989, um ano após a Constituinte de 1988, na qual o então Cacique Xikão, junto com outras lideranças e associações, teve participação ativa para assegurar direitos dos povos indígenas.

A homologação das terras foi conquistada em 1989. Mas o governo brasileiro só reconheceu a titularidade e a demarcação em 2005. Durante os 16 anos de lentidão, invasores impediram os Xukuru de reaverem suas terras e a história acumulou ameaças, criminalizações e mortes, incluindo o do próprio Xikão, assassinado a tiros por um pistoleiro em 20 de maio de 1998, em Pesqueira.

Anos antes, em 1992, o filho do Pajé Zequinha havia sido assassinado. O ano de 1995 foi marcado pelo homicídio do advogado da associação e procurador da Fundação Nacional do Índio (Funai) Geraldo Rolim.

Pajé Zequinha durante a 18ª Assembleia Xukuru de Ororubá, em maio de 2018 (crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Em 2001, outra liderança foi morta: Chico Quelé, da aldeia Pé de Serra. O homem acusado de ser mandante do assassinato do cacique Xikão, o fazendeiro José Cordeiro de Santana, tinha terras dentro do território Xukuru e se suicidou em 2002 na cela da Polícia Federal, depois de ser preso.

Um ano depois, em 2003, o atual cacique Marcos, filho de Xikão, sofreu um atentado. Dois indígenas responsáveis pela segurança do sucessor terminaram mortos. Foi quando a reação dos Xukuru ganhou mais força.

Trinta e três indígenas, incluindo o cacique, foram condenados a quatro anos de prisão, com base em denúncias e investigações conduzidas pela polícia pernambucana. Marcos foi acusado de ser o mandante do próprio atentado. Depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) anulou a sentença e reafirmou que os indígenas eram vítimas, não réus.

Confira o episódio sete da série documental Índios do Brasil, que fala sobre o povo Xukuru do Ororubá:

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com