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Motoboy é alvo de ofensas racistas; "Você nunca vai ter nada", diz agressor

Felipe de Souza

Colaboração para o UOL, de Campinas

07/08/2020 14h50Atualizada em 08/08/2020 12h07

O vídeo de um ato de discriminação viralizou na internet nesta sexta-feira (7). As imagens feitas por um morador de um condomínio residencial de alto padrão em Valinhos (a 85 km de São Paulo) mostram um homem branco xingando e humilhando um entregador de aplicativo negro por causa de um atraso na entrega.

O caso aconteceu em 31 de julho, mas só repercutiu após a mãe de Matheus Pires, 19, publicar as imagens nas redes sociais na noite desta quinta-feira (6). Um boletim de ocorrência para investigar o crime de injúria racial foi aberto na delegacia da cidade, e o agressor, o contabilista Mateus Abreu Almeida Prado Couto, até agora não prestou depoimento. A pena prevista para esse tipo de crime é o pagamento de multa ou de 1 a 3 anos de detenção.

O episódio aconteceu quando Matheus, que é motoboy a serviço do iFood há pelo menos um ano, entregava uma refeição no condomínio.

Chegando ao local, no bairro Chácara Silvania, ele diz que enfrentou um problema no interfone. Por não conseguir falar com o cliente, atrasou a entrega. "Quando cheguei na casa, ele [o morador] já veio com xingamentos", disse.

Um vizinho começou a filmar apenas depois de a discussão começar. É possível ver Matheus sendo chamado de "lixo" e "semianalfabeto". O agressor diz ainda que o jovem tem "inveja da vida que as pessoas dali têm", e afirma que o profissional não tem onde morar, nem "nunca vai ter nada disso aqui". Em dado momento, o homem branco aponta para o braço e diz que o entregador negro tem inveja daquilo, mas nunca poderá ter aquilo.

O entregador responde a cada frase, pedindo respeito.

Eu falei pra ele que essa era uma atitude que não era mais aceita. O que ele faz é pra se mostrar superior às pessoas
Matheus Pires, motoboy

Durante o vídeo, o agressor diz que "aqui não vai acontecer nada". Algo que não é captado pelas câmeras do vizinho é que Matheus acionou a Guarda Municipal. Mesmo na frente dos agentes, o homem continuou a xingá-lo, segundo o motoboy. "Uma hora, ele cuspiu em mim, jogou a nota do pedido no chão e disse que eu era lixo. Me chamou de favelado", afirmou o jovem.

O entregador conta que já havia levado comida ao mesmo homem em outra ocasião. Na primeira vez, ele também afirma ter sido ofendido. "Ele foi grosseiro porque eu não tinha achado o endereço da casa dele, porque o mapa não mostrava as ruas internas do condomínio", disse. Matheus diz que não chegou a registrar queixa nesse caso.

O homem já protagonizou outros casos de discriminação e ofensas, segundo moradores do condomínio. Eles disseram que o entregador não foi a primeira vítima do vizinho. Ainda assim, há apenas um boletim de ocorrência registrado até o momento, justamente o que envolve Matheus.

O UOL tentou falar com o agressor, mas ele não atendeu às ligações. No condomínio, o porteiro diz que ele não estava na residência.

O iFood informou, por meio de nota enviada por assessoria, que condena qualquer forma de preconceito ou discriminação, que está à disposição para colaborar com a investigação e que aguarda mais informações das autoridades responsáveis. Couto foi retirado da plataforma de clientes do aplicativo.

A empresa também disse que retirou o usuário agressor do cadastro da plataforma e que, em casos como este, recomenda o registro de boletim de ocorrência e o contato com a empresa pelos canais oficiais de atendimento via aplicativo.

Já Matheus afirma que, agora, quer apenas justiça. "E que ele aprenda que as pessoas têm o devido valor, seja qual for a profissão", disse.

Racismo x injúria racial

A Lei de Racismo, de 1989, engloba "os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". O crime ocorre quando há uma discriminação generalizada contra um coletivo de pessoas. Exemplo disso seria impedir um grupo de acessar um local em decorrência da sua raça, etnia ou religião.

O autor de crime de racismo pode ter uma punição de 1 a 5 anos de prisão. Trata-se de crime inafiançável e não prescreve. Ou seja: no caso de quem está sendo julgado, não é possível pagar fiança; para a vítima, não há prazo para denunciar.

Já a injúria racial, como o caso em Valinhos está sendo investigado, consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem a fim de atacar a dignidade de alguém de forma individual. Um exemplo de injúria racial é xingar um negro de forma pejorativa utilizando uma palavra relacionada à raça.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A pena prevista para o crime de injúria racial é pagamento de multa ou detenção de 1 a 3 anos, e não reclusão de 1 a 6 meses. O texto foi corrigido.