Descrição de chapéu Coronavírus

Redução de ganhos de servidores e políticos criaria caixa bilionário, mas por ora só há ações isoladas

Poderes indicam não ter intenção de replicar no funcionalismo proposta aprovada para iniciativa privada

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Brasília

O estado de calamidade aprovado em decorrência da pandemia do novo coronavírus levou o governo Jair Bolsonaro (sem partido) e editar uma medida provisória permitindo a redução provisória de até 70% do salário e da jornada de trabalhadores da iniciativa privada, mas, até o momento, não há movimentação na cúpula dos três Poderes e do Ministério Público para replicar a medida no funcionalismo.

A aprovação do corte provisório no salário e benefícios de políticos e servidores dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), nas três esferas (federal, estadual e municipal), criaria um caixa de dezenas de bilhões de reais, mas até o momento, só há ações isoladas nesse sentido.

A Folha questionou Presidência da República, Câmara dos Deputados, Senado, Supremo Tribunal Federal e Procuradoria-Geral da República, que concentram os mais altos salários e benefícios do funcionalismo.

O Palácio do Planalto disse que não comentaria. A PGR disse não haver avaliação ou medida em curso nesse sentido. "E nem seria possível, porque todos os cargos e remunerações no âmbito do Ministério Público da União são definidos por lei."

Os demais órgãos não responderam.

Por enquanto, apenas a Câmara adotou uma medida mais relevante, mas com maior corte em despesas de custeio --redução de R$ 150 milhões. Nada que afete, porém, o contracheque de R$ 33,8 mil dos parlamentares e verbas como a de R$ 112 mil ao mês para deputados contratarem assessores e a de até R$ 45,6 mil ao mês para gastos com combustível, passagens aéreas, hotéis e alimentação, entre outros.

O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a se dizer aberto a um diálogo sobre redução de salários e verbas do funcionalismo que atingisse os três Poderes, mas acabou recuando após o ministro da Economia, Paulo Guedes, se manifestar contrário ao corte no contracheque dos servidores.

“Até a semana passada, havia uma discussão que estava sendo negociada com os governadores, tinha a possibilidade de redução (salarial) em todos os Poderes e nas esferas dos estados. É óbvio que todos os que são contra se abraçaram na posição do ministro”, afirmou, no final de março.

Guedes mudou o discurso e passou a defender a manutenção do pagamento integral dos salários dos servidores e o reforço no repasses aos fundos que abastecem municípios e estados como forma de conter uma depressão na economia.

A depressão é um estágio muito mais grave do que a recessão. Tecnicamente, a recessão se define por dois meses consecutivos de queda do PIB. Na depressão, a queda da atividade persiste um período mais longo e se caracteriza por desemprego elevado, falência generalizada de empresas, queda do comércio, dentre outros efeitos. A equipe econômica trabalha com essa perspectiva, neste momento.

O presidente Jair Bolsonaro e seus ministros recebem como remuneração mensal pela função R$ 30,9 mil. Congressistas, R$ 33,8 mil. Ministros do STF e o procurador-geral da República, R$ 39,3 mil, que é o teto constitucional.

​O valor de um corte geral no salário e benefícios de servidores, em todo o país, varia de acordo com os critérios a serem usados, sendo afetado ainda por uma série de condicionantes como a exclusão do setor da saúde, que está na linha de frente no combate ao coronavírus, de outras atividades essenciais, como segurança pública, além de salários mais baixos, que são preponderantes nos municípios.

Só no plano federal, que reúne os mais altos salários, dados do Siga Brasil mostram que vencimentos e vantagens dos servidores ativos civis (excluídos 13º, férias e Ministério da Saúde) somaram R$ 103 bilhões em 2019. Aplicando-se de forma geral uma redução de 25% do salário e da jornada, por três meses (a possibilidade mais branda reservada à iniciativa privada, que prevê também 50% e 70%), haveria um caixa de R$ 6,4 bilhões.

O estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) "Atlas do Estado Brasileiro" aponta que, em dados atualizados para janeiro de 2019, o funcionalismo federal (R$ 184 bilhões), dos estados (R$ 299 bilhões) e dos municípios (R$ 268 bilhões) consumiu R$ 751 bilhões ao ano, incluindo aí a área militar e todos os benefícios e contribuições sociais.

Estimando que a folha de pagamento represente cerca de 85% disso, uma redução geral de 25% por três meses daria um caixa de R$ 36,8 bilhões.

"Não tem o menor sentido cobrar uma contribuição extra apenas de uma parte da sociedade. Além dos servidores, existem outros profissionais cuja renda a princípio também não será atingida pela crise: qualquer um que não perca o emprego, empresários e, parcialmente, famílias que vivem de renda do capital, as mais ricas. Creio que o mais justo seria distribuir esse custo na sociedade de acordo com a capacidade contributiva de cada um", afirma Sérgio Gobetti, economista do Ipea.

Além da questão financeira, há divergência entre especialistas sobre a forma de viabilizar eventuais reduções. Alguns afirmam ser possível sem aprovação de lei, outros falam da necessidade de aprovação de emenda à Constituição.

Nos estados

Na falta de uma diretriz nacional, algumas localidades estão tomando decisões por conta própria. A Assembleia Legislativa de São Paulo estuda um pacote de cortes que pode incluir redução de salários e verbas.

Nesta sexta-feira (10) o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), anunciou que decidiu reduzir 30% de seu salário nos próximos três meses. O rendimento mensal líquido do governador é de R$ 18 mil e, durante a pandemia do coronavírus, ele receberá cerca de R$ 12 mil.

A medida, segundo ele, acompanha uma queda de arrecadação do Estado que, somente em abril, está projetada entre 30% e 35%, tendência que deve se repetir até junho.

Leite disse ainda que, pelo princípio da irredutibilidade de salários, não pode impor a redução salarial de servidores. No entanto, recomendou que os servidores seguissem seu exemplo.

"Não quis constranger ninguém e nem é demagogia, porque dependo do meu salário. Não tenho outra fonte de renda", disse Leite à Folha. "Mas como servidor eleito que sou, não seria razoável assistir a esse sacrifício [da iniciativa privada] e não compartilhar."

A Folha acionou as secretarias de Fazenda e Planejamento de todos os Estados e a do Distrito Federal. Até a conclusão dessa reportagem, somente no Rio Grande do Sul havia redução de salários na cúpula do Executivo. Goiás ainda avaliava tomar essa medida.

No Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) não cortou salário, mas baixou um decreto reduzindo temporariamente gratificações e adicionais (verbas indenizatórias) pagas quando o servidor extrapola sua carga horária. Trabalhadores da saúde e de segurança pública não serão afetados pela medida, que permitirá uma economia de R$ 15 milhões por mês.

O governo de Pernambuco afirma que implementou ações para contingenciar despesas, o que dará uma folga de R$ 136 milhões no caixa até o final do ano. A meta do governo, segundo sua assessoria, é, dentre outras medidas, cortar 30% do valor de todos os contratos. Tudo isso para evitar o corte salarial.

Na esfera municipal, em algumas cidades prefeitos e vereadores adotaram a medida. Em Jundiaí (SP), por exemplo, prefeito, vice e secretários terão diminuição salarial de 30% até dezembro. Outros cargos terão corte menor.

Na avaliação de Jonas Donizette, prefeito de Campinas (SP) e presidente da Frente Nacional de Prefeitos, é difícil para alguns municípios enxugarem sua folha de pagamento. “Eu tenho 15 mil funcionários, e 9.000 são da Saúde. Eu vou cortar o salário desses 9.000?”, questiona. “O cara já está na na ponta, arriscando a vida. Eu vou falar para ele que vou pagar 20% menos do que está recebendo? Não acho lógico.”

Donizette argumenta que estados e União, no entanto, teriam espaço para fazer os cortes, mesmo que simbolicamente.

O economista Marcelo Neri, ex-presidente do Ipea e diretor da FGV Social, também defende que corte de salários como ato simbólico. “O setor público não está acostumado a fazer sacrifícios”, critica.

Neri lembra ainda que a diferença salarial entre o setor público e o privado é expressivo, principalmente nas esferas federal e estadual.

A exemplo da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Orçamento de guerra, que segrega os gastos do combate ao coronavírus do Orçamento da União, Neri defende uma espécie de corte salarial de guerra no funcionalismo.

“Tem que separar as duas coisas: o Orçamento de pessoal do Orçamento de guerra, que inclui os ‘soldados’ que vão para a linha de frente nessa guerra e os que não podem ter cortes por questões humanitárias, por ganharem o piso, por exemplo”, afirma.​

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