Olá!
Hoje vou falar de Dragon Warrior 3, ou Dragon Quest 3, como ele é mais
conhecido, jogo desenvolvido pela Chunsoft e lançado pela Enix em 1988 para o
NES, e depois refeito algumas vezes, seja para Super Nintendo em 1996, para
Gameboy Color em 2000, e para smartphones
em 2014. Esta última versão, inclusive, ficou disponível no Nintendo Switch
neste ano mesmo.
Dentre essas mil e uma
versões, sem contar os ports, eu
preferi adotar a de Gameboy, seguindo o padrão de ter jogado os dois títulos
anteriores também na sua versão para o portátil, seja porque é mais simples,
seja porque é mais visualmente agradável.
Eu
recomendo a quem se interessar que veja as minhas análises sobre os dois Dragon Warriors anteriores para se
familiarizar com o assunto, especialmente o vídeo dedicado ao primeiro jogo.
Isso é uma recomendação mais ou menos geral que eu faço quando trato de séries,
mas é especialmente interessante no caso desse jogo, como eu vou tratar mais
para frente.
Uma
das coisas mais interessantes ao tratar de jogos antigos é acompanhar a rapidez
com que certas tradições evoluíram e se consolidaram. Hoje em dia a gente vê
séries anuais que apenas mascaram um trabalho unificado, visto que cada jogo
acaba tendo ciclos de três a quatro anos para seu desenvolvimento, e cada
estúdio ou subtime num mesmo estúdio acaba trabalhando com certa independência,
sem iterar diretamente no trabalho da equipe que lançou o título anterior.
Nos
anos 80 e 90 não era assim: jogos eram desenvolvidos num tempo muito menor,
muita coisa era reaproveitada, e isso permitia diálogos e reações muito mais
claras e velozes no desenvolvimento. Isso fica evidente para mim no caso da
primeira trilogia de Dragon Quest: o
segundo jogo saiu menos de um ano depois que o primeiro; e o terceiro, pouco
mais de um ano depois do segundo. E é inacreditável o quanto cada título
expandiu o conceito de seu antecessor, e como a ambição de Dragon Warrior 3 é impressionante, fazendo dele um dos mais incríveis
casos de expansão em curto prazo e, ao mesmo tempo, de consciência de unidade
de uma série.
Se
Dragon Warrior 2, como eu afirmei no
meu vídeo, já inovou por incluir um grupo de protagonistas, todos
descendentes do famoso herói Loto ou Erdrick; Dragon Warrior 3 dá um passo extra ao permitir um membro a mais no
grupo, agora 4 ao todo, e ao a customização livre dessa party segundo o seu interesse, podendo escolher entre 6 classes
iniciais. O seu protagonista, porém, permanece sempre com a classe de herói,
que é uma mistura de todas as outras, por assim dizer.
Essas
características soam bastante semelhantes ao que o primeiro Final Fantasy tinha feito, com um grupo
de 4 heróis também customizável. Aliás, eu tenho bastante curiosidade para
saber até que ponto Final Fantasy
influenciou Dragon Quest nesse ponto,
porque, embora haja muitas similaridades, apenas dois meses separam os dois
jogos, e o sistema de customização de Dragon
Quest é tão integral para o seu balanceamento que me parece pouco provável
que ele seja uma reação a um jogo lançado tão perto da sua finalização.
De
qualquer forma, Dragon Warrior 3
expande a customização para bem além do que Final
Fantasy permitia, incorporando mudanças de classes e a possibilidade de
refazer seu grupo conforme sua vontade. Pela história do jogo, os companheiros
do herói são aventureiros recrutados na cidade natal, sendo possível deixar
personagens lá e recrutar outros, de outras classes, para testar combinações
possíveis e mais adequadas a certos contextos.
No
tocante a mudança de classes, é possível fazer um personagem trocar depois que
ele alcança nível 20, o que seria algo como um terço do jogo. Quando ele troca
de classe, os atributos do personagem mudam e ele volta ao nível 1, mas os
feitiços e magias que ele conhecia continuam na sua memória, sendo possível
usá-los. Assim, você pode ter um feiticeiro convertido em guerreiro, mas
mantendo todas as magias de ataque de antes.
Ao
entender isso, eu fiquei um tanto preocupado em relação ao desafio do jogo. Se
o jogo permite que cada personagem possa compensar suas deficiências apenas
trocando de classe, e assim agrupando o que há de melhor em cada uma, talvez o
jogo exigisse que tal coisa fosse feita. Ou seja, se um jogo te dá essa opção,
é bem possível que ele te coloque desafios em que o seu grupo precise que
praticamente todos os membros usem magias de cura, ou que se virem sem usar
magia nenhuma.
Por
isso mesmo, eu tentei ir do começo ao fim sem mudar a classe de nenhum
personagem, e com um grupo padrão de herói, um guerreiro, um especialista em
magias de ataque e um focado em cura. E, fico feliz em relatar que eu fui até a
tela de créditos sem nunca encontrar impedimentos ao meu grupo simples. Então,
embora o jogo ofereça inúmeras opções avançadas, ele mantém um desafio que
respeita o uso que você quer fazer dos sistemas, seja o mínimo, seja o máximo.
Outra
coisa importante no tocante à mudança de classes que me preocupava era a
questão de ter que me engajar em batalhas só para ganhar experiência, já que o
nível dos personagens volta ao 1. E o fato é que é bem fácil adquirir
experiência no jogo para voltar a um nível praticável. Aliás, é provavelmente
por isso que o bloqueio para trocar de classe acontece no nível 20, um ponto em
que existem monstros que fornecem bastante experiência e que, ao trocar um
personagem de classe, uma luta pode fazê-lo pular do nível 1 ao 4 ou 5 com
rapidez.
Aliás,
uma das coisas mais interessantes em Dragon
Warrior 3 é a questão do balanceamento. É bem conhecida a reclamação de que
muitos RPGs japoneses sofrem com esse problema, resultando muitas vezes no
famoso grinding, o ato de ficar
lutando com monstros apenas para ganhar experiência e poder enfrentar algum
inimigo forte demais, ou então numa taxa muito elevada de encontros aleatórios,
que mal permite que você progrida com sua exploração.
Dragon Warrior 3 não sofre de nenhuma
dessas coisas. A taxa de encontros aleatórios é provavelmente a menor da série
até então, e certamente tranquilíssima em relação a seus pares da mesma época,
o que permite explorar tranquilamente, embora você seja, sim, atacado com certa
frequência. Além disso, o jogo permite fast
travel desde bem cedo, o que alivia muito o caminho de volta para a cidade
mais próxima e corta uma caminhada que poderia estar repleta de inimigos.
Já
o grinding me pareceu mínimo. O único
momento em que eu senti que precisei parar para ganhar experiência foi quando
estava numa região com inimigos capazes de envenenar os heróis e eu não quis
progredir enquanto não tivesse uma magia com antídoto. Na prática, foram apenas
uns 3 níveis e nem uma hora de combates. E, é possível dizer que era uma
questão mais opcional do que requisito por algum bloqueio de dificuldade.
De
resto, em termos de jogabilidade, o jogo atualiza o modelo de sucesso já
presente no primeiro título da série, sendo um competente RPG de turnos. Como
se sabe, apenas o sprite dos inimigos
aparece na tela de combate, e os remakes
adicionaram animações com os ataques que tornaram as coisas mais dinâmicas e
interessantes. Especialmente nas lutas de clímax, essas animações dão uma
empolgação diferente ao jogo.
Por
todos esses motivos, Dragon Warrior 3
já se destaca para mim como um dos maiores e melhores exemplos de jogos do seu
gênero, capaz de aprender muito com as limitações dos seus predecessores, e
sempre consciente dos seus sistemas e ferramentas. É um jogo que eu luto para
achar um defeito em termos de jogabilidade, e também em termos de história.
Falando
nisso, vamos a ela. Se a jogabilidade de Dragon
Warrior 3 revela um esforço profundo de incorporar tudo que se aprendeu com
seus antecessores e dar um passo além, a história é ainda mais emblemática
desse objetivo, seja pelo referencial em cima do qual a trama é construída,
seja pela sutileza com que cada detalhe é incorporado.
Dragon Warrior 3 conta a história de um
protagonista com nome customizável, e que era filho do grande herói daquele
mundo, um tal Ortega, que é visto numa batalha de vida ou morte com um dragão
na introdução do jogo no NES, e que conta com um longo preâmbulo nas versões
posteriores, o que é provavelmente uma das melhores adições que um remake já fez num jogo.
A
introdução de Dragon Warrior 3 mostra
as aventuras de Ortega quando o protagonista do jogo ainda é um bebê, buscando
vencer o monstro Baramos. A gente vê o herói andando pelo mundo, lutando contra
inimigos, e enfim desaparecendo num vulcão com o inimigo, da mesma forma como a
introdução do NES mostrava. Por fim, o jogador é informado que o objetivo do
filho de Ortega é seguir os passos do pai, mas conseguindo finalmente vencer
Baramos.
O
genial do preâmbulo dos remakes é que
ele contém a mesma trilha sonora, as mesmas paisagens e cenários que o jogador
percorrerá na sua aventura. Quando você soma isso aos relatos dos NPCs nas
diversas cidades do mundo, o resultado é uma sensação muito forte de que você
está seguindo nos passos do seu pai, o que, no fundo, é o único fio condutor
dessa parte do jogo.
Aliás,
algo que me deixou muito desconfiado da história desse jogo é a falta de urgência
na trama. A gente ouve que as ações de Baramos vão destruir a paz, mas na maior
parte do tempo, tudo parece muito normal naquele mundo, enquanto nos jogos
anteriores você via os efeitos das ações dos vilões já bem cedo na trama. Até
aí, seu único motivador é seguir os passos do Ortega.
Mas
aí você chega numa cidadezinha chamada Tedanki. Primeiro, você ouve falar, num
templo próximo da cidade, que os cidadãos costumavam visitá-lo, mas agora não
mais, mas sem dar maiores detalhes. Você, então, chega em Tedanki,
estranhamente na parte da noite, independentemente do momento do dia em que
você adentra a cidade. Tudo parece normal, e alguns moradores falam que aquela
é a cidade mais próxima do castelo de Baramos, e provavelmente a que será
afetada primeiro por ele. Você dorme no hotel da cidade e, quando acorda, todos
estão mortos há muito tempo. O que você viu, os personagens com quem falou são
só sombras do passado, presas por seu fim traumático sob as mãos de Baramos, e
que são revividas toda noite.
Esse
momento é incrivelmente impactante, com os esqueletos deixando mensagens sobre
o que queriam ter feito antes de morrer, e alguns fantasmas se recusando a
acreditar que estão mortos. A trilha sonora é muito sombria e a comparação do
cenário todo destruído e da cidade da noite anterior acabam criando uma
ambientação muito específica, triste e altamente bem-sucedida em criar um
sentimento de angústia no jogador. Se, até agora, o que guiava o jogador eram o
sentimento de aventura, o desejo de exploração e o dever de cumprir a missão do
seu pai, agora você quer ver o tal Baramos destruído. É um momento
estranhamente emocional, que poucos jogos dessa época despertam.
Ao
conseguir finalmente vencer Baramos, o jogador segue a trilha clássica da
série, e volta para sua cidade natal para ser congratulado pelo rei que o
colocou em sua missão. Porém, diferentemente dos seus antecessores, Dragon Warrior 3 faz surgir um vilão
maior que Baramos bem no momento em que o jogo parecia acabado, mais um caso de
subversão bem quando o jogador se sente mais seguro. Vale dizer que nada
apontava para isso, e a duração do jogo naquele momento já era superior do que
os demais jogos da série, visto que o mundo é bem maior que os anteriores, e
existem diversas tarefas a cumprir para enfrentar Baramos, então não havia
motivos para desconfiar que algo mais aguardava o jogador.
Para
vencer o último inimigo, o protagonista e sua equipe são transportados a um
outro mundo, que nada mais é do que o mundo onde os dois primeiros jogos da
série se passam. Esse último pedaço do jogo, aproximadamente 25% do total,
acaba sendo um tour por todos os
elementos do universo de Dragon Warrior
até então, o que torna tudo muito familiar e lentamente desperta uma
desconfiança no jogador.
Assim,
você conhece quais são os itens necessários para terminar o jogo e tem uma
noção de como e onde usá-los, mas alguns deles têm nomes diferentes. Conforme
você os coleta e nota que só o protagonista pode usá-los, você se dá conta de
quem está controlando, o que fica evidente quando o jogo finalmente acaba: você
é o famoso Loto ou Erdrick, o herói de que todo mundo fala nos Dragon Warriors anteriores, o
antepassado dos heróis dos jogos anteriores, e esses itens que você coleta
serão depois itens associados a você.
Tudo
isso ressignifica a sua jornada em Dragon
Warrior 3, permitindo reaproveitar todo o material já construído nos demais
títulos da série, e servindo como uma prequel
muito efetiva e muito mais ambiciosa. Afinal, você descobre que Erdrick não
salvou um mundo, e sim dois.
E,
vale dizer ainda que o jogo, não contente em criar essa rede de referências com
a série em si, não ia deixar de amarrar a última ponta faltante, o que acontece
quando, no último labirinto, o jogador encontra Ortega, sendo derrotado por um
dos monstros que, logo em seguida, você terá que derrotar. Ortega não reconhece
o protagonista, do mesmo jeito que o jogador não reconhece a figura de Loto, o
que acaba sendo um momento algo emotivo, não pelo que é dito, mas pelo que não
é dito.
A
história de Dragon Warrior 3 é
repleta desses momentos em que o não dito faz o trabalho de mexer com o
jogador: o não dito de você ter encontrado uma vila cheia de pessoas que
agonizaram, mas não conseguem desapegar dessa existência; o não dito de um pai
que você tanto perseguiu e, quando finalmente alcançou, acabou sendo perdido de
novo, e sem o sentimento de satisfação que se esperava dessa missão; o não dito
de saber que o seu personagem de fato influenciou gerações e mais de um
universo. Nada disso é dito no jogo, mas o jogador sente, e é algo muito
especial, principalmente quando a gente considera jogos da mesma época.
Com
isso, Dragon Warrior 3 se posiciona
como uma obra que entende perfeitamente o que é fazer parte de uma série e faz
uso total das potencialidades que esse fato permite, tanto em termos de
mecânicas, quanto de história. Até a trilha sonora do primeiro jogo é
reaproveitada para demarcar a mudança de mundos, mais um detalhe sutil e
marcante numa experiência absolutamente repleta deles.
A
rigor, trata-se de um jogo com mais de três décadas, num momento em que ainda
se pensava quais eram as possibilidades narrativas reais de jogos. Porém, é, ao
mesmo tempo, um jogo tão absolutamente confiante e consciente de suas
capacidades que choca o jogador que passa por uma experiência tão bem acabada.
Dragon Warrior 3 é, como seu
protagonista, uma lenda que definitivamente faz jus à sua reputação e honra com
sutileza todo o seu potencial. E era isso que eu queria dizer sobre Dragon Warrior 3. Até a próxima análise!
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