quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Dragon Warrior 3 (Dragon Quest 3) - Pensando sobre o jogo




Olá! Hoje vou falar de Dragon Warrior 3, ou Dragon Quest 3, como ele é mais conhecido, jogo desenvolvido pela Chunsoft e lançado pela Enix em 1988 para o NES, e depois refeito algumas vezes, seja para Super Nintendo em 1996, para Gameboy Color em 2000, e para smartphones em 2014. Esta última versão, inclusive, ficou disponível no Nintendo Switch neste ano mesmo.

Dentre essas mil e uma versões, sem contar os ports, eu preferi adotar a de Gameboy, seguindo o padrão de ter jogado os dois títulos anteriores também na sua versão para o portátil, seja porque é mais simples, seja porque é mais visualmente agradável.

Eu recomendo a quem se interessar que veja as minhas análises sobre os dois Dragon Warriors anteriores para se familiarizar com o assunto, especialmente o vídeo dedicado ao primeiro jogo. Isso é uma recomendação mais ou menos geral que eu faço quando trato de séries, mas é especialmente interessante no caso desse jogo, como eu vou tratar mais para frente.

Uma das coisas mais interessantes ao tratar de jogos antigos é acompanhar a rapidez com que certas tradições evoluíram e se consolidaram. Hoje em dia a gente vê séries anuais que apenas mascaram um trabalho unificado, visto que cada jogo acaba tendo ciclos de três a quatro anos para seu desenvolvimento, e cada estúdio ou subtime num mesmo estúdio acaba trabalhando com certa independência, sem iterar diretamente no trabalho da equipe que lançou o título anterior.

Nos anos 80 e 90 não era assim: jogos eram desenvolvidos num tempo muito menor, muita coisa era reaproveitada, e isso permitia diálogos e reações muito mais claras e velozes no desenvolvimento. Isso fica evidente para mim no caso da primeira trilogia de Dragon Quest: o segundo jogo saiu menos de um ano depois que o primeiro; e o terceiro, pouco mais de um ano depois do segundo. E é inacreditável o quanto cada título expandiu o conceito de seu antecessor, e como a ambição de Dragon Warrior 3 é impressionante, fazendo dele um dos mais incríveis casos de expansão em curto prazo e, ao mesmo tempo, de consciência de unidade de uma série.

Se Dragon Warrior 2, como eu afirmei no meu vídeo, já inovou por incluir um grupo de protagonistas, todos descendentes do famoso herói Loto ou Erdrick; Dragon Warrior 3 dá um passo extra ao permitir um membro a mais no grupo, agora 4 ao todo, e ao a customização livre dessa party segundo o seu interesse, podendo escolher entre 6 classes iniciais. O seu protagonista, porém, permanece sempre com a classe de herói, que é uma mistura de todas as outras, por assim dizer.

Essas características soam bastante semelhantes ao que o primeiro Final Fantasy tinha feito, com um grupo de 4 heróis também customizável. Aliás, eu tenho bastante curiosidade para saber até que ponto Final Fantasy influenciou Dragon Quest nesse ponto, porque, embora haja muitas similaridades, apenas dois meses separam os dois jogos, e o sistema de customização de Dragon Quest é tão integral para o seu balanceamento que me parece pouco provável que ele seja uma reação a um jogo lançado tão perto da sua finalização.

De qualquer forma, Dragon Warrior 3 expande a customização para bem além do que Final Fantasy permitia, incorporando mudanças de classes e a possibilidade de refazer seu grupo conforme sua vontade. Pela história do jogo, os companheiros do herói são aventureiros recrutados na cidade natal, sendo possível deixar personagens lá e recrutar outros, de outras classes, para testar combinações possíveis e mais adequadas a certos contextos.

No tocante a mudança de classes, é possível fazer um personagem trocar depois que ele alcança nível 20, o que seria algo como um terço do jogo. Quando ele troca de classe, os atributos do personagem mudam e ele volta ao nível 1, mas os feitiços e magias que ele conhecia continuam na sua memória, sendo possível usá-los. Assim, você pode ter um feiticeiro convertido em guerreiro, mas mantendo todas as magias de ataque de antes.

Ao entender isso, eu fiquei um tanto preocupado em relação ao desafio do jogo. Se o jogo permite que cada personagem possa compensar suas deficiências apenas trocando de classe, e assim agrupando o que há de melhor em cada uma, talvez o jogo exigisse que tal coisa fosse feita. Ou seja, se um jogo te dá essa opção, é bem possível que ele te coloque desafios em que o seu grupo precise que praticamente todos os membros usem magias de cura, ou que se virem sem usar magia nenhuma.

Por isso mesmo, eu tentei ir do começo ao fim sem mudar a classe de nenhum personagem, e com um grupo padrão de herói, um guerreiro, um especialista em magias de ataque e um focado em cura. E, fico feliz em relatar que eu fui até a tela de créditos sem nunca encontrar impedimentos ao meu grupo simples. Então, embora o jogo ofereça inúmeras opções avançadas, ele mantém um desafio que respeita o uso que você quer fazer dos sistemas, seja o mínimo, seja o máximo.

Outra coisa importante no tocante à mudança de classes que me preocupava era a questão de ter que me engajar em batalhas só para ganhar experiência, já que o nível dos personagens volta ao 1. E o fato é que é bem fácil adquirir experiência no jogo para voltar a um nível praticável. Aliás, é provavelmente por isso que o bloqueio para trocar de classe acontece no nível 20, um ponto em que existem monstros que fornecem bastante experiência e que, ao trocar um personagem de classe, uma luta pode fazê-lo pular do nível 1 ao 4 ou 5 com rapidez.

Aliás, uma das coisas mais interessantes em Dragon Warrior 3 é a questão do balanceamento. É bem conhecida a reclamação de que muitos RPGs japoneses sofrem com esse problema, resultando muitas vezes no famoso grinding, o ato de ficar lutando com monstros apenas para ganhar experiência e poder enfrentar algum inimigo forte demais, ou então numa taxa muito elevada de encontros aleatórios, que mal permite que você progrida com sua exploração.

Dragon Warrior 3 não sofre de nenhuma dessas coisas. A taxa de encontros aleatórios é provavelmente a menor da série até então, e certamente tranquilíssima em relação a seus pares da mesma época, o que permite explorar tranquilamente, embora você seja, sim, atacado com certa frequência. Além disso, o jogo permite fast travel desde bem cedo, o que alivia muito o caminho de volta para a cidade mais próxima e corta uma caminhada que poderia estar repleta de inimigos.

Já o grinding me pareceu mínimo. O único momento em que eu senti que precisei parar para ganhar experiência foi quando estava numa região com inimigos capazes de envenenar os heróis e eu não quis progredir enquanto não tivesse uma magia com antídoto. Na prática, foram apenas uns 3 níveis e nem uma hora de combates. E, é possível dizer que era uma questão mais opcional do que requisito por algum bloqueio de dificuldade.

De resto, em termos de jogabilidade, o jogo atualiza o modelo de sucesso já presente no primeiro título da série, sendo um competente RPG de turnos. Como se sabe, apenas o sprite dos inimigos aparece na tela de combate, e os remakes adicionaram animações com os ataques que tornaram as coisas mais dinâmicas e interessantes. Especialmente nas lutas de clímax, essas animações dão uma empolgação diferente ao jogo.

Por todos esses motivos, Dragon Warrior 3 já se destaca para mim como um dos maiores e melhores exemplos de jogos do seu gênero, capaz de aprender muito com as limitações dos seus predecessores, e sempre consciente dos seus sistemas e ferramentas. É um jogo que eu luto para achar um defeito em termos de jogabilidade, e também em termos de história.

Falando nisso, vamos a ela. Se a jogabilidade de Dragon Warrior 3 revela um esforço profundo de incorporar tudo que se aprendeu com seus antecessores e dar um passo além, a história é ainda mais emblemática desse objetivo, seja pelo referencial em cima do qual a trama é construída, seja pela sutileza com que cada detalhe é incorporado.

Dragon Warrior 3 conta a história de um protagonista com nome customizável, e que era filho do grande herói daquele mundo, um tal Ortega, que é visto numa batalha de vida ou morte com um dragão na introdução do jogo no NES, e que conta com um longo preâmbulo nas versões posteriores, o que é provavelmente uma das melhores adições que um remake já fez num jogo.

A introdução de Dragon Warrior 3 mostra as aventuras de Ortega quando o protagonista do jogo ainda é um bebê, buscando vencer o monstro Baramos. A gente vê o herói andando pelo mundo, lutando contra inimigos, e enfim desaparecendo num vulcão com o inimigo, da mesma forma como a introdução do NES mostrava. Por fim, o jogador é informado que o objetivo do filho de Ortega é seguir os passos do pai, mas conseguindo finalmente vencer Baramos.

O genial do preâmbulo dos remakes é que ele contém a mesma trilha sonora, as mesmas paisagens e cenários que o jogador percorrerá na sua aventura. Quando você soma isso aos relatos dos NPCs nas diversas cidades do mundo, o resultado é uma sensação muito forte de que você está seguindo nos passos do seu pai, o que, no fundo, é o único fio condutor dessa parte do jogo.

Aliás, algo que me deixou muito desconfiado da história desse jogo é a falta de urgência na trama. A gente ouve que as ações de Baramos vão destruir a paz, mas na maior parte do tempo, tudo parece muito normal naquele mundo, enquanto nos jogos anteriores você via os efeitos das ações dos vilões já bem cedo na trama. Até aí, seu único motivador é seguir os passos do Ortega.

Mas aí você chega numa cidadezinha chamada Tedanki. Primeiro, você ouve falar, num templo próximo da cidade, que os cidadãos costumavam visitá-lo, mas agora não mais, mas sem dar maiores detalhes. Você, então, chega em Tedanki, estranhamente na parte da noite, independentemente do momento do dia em que você adentra a cidade. Tudo parece normal, e alguns moradores falam que aquela é a cidade mais próxima do castelo de Baramos, e provavelmente a que será afetada primeiro por ele. Você dorme no hotel da cidade e, quando acorda, todos estão mortos há muito tempo. O que você viu, os personagens com quem falou são só sombras do passado, presas por seu fim traumático sob as mãos de Baramos, e que são revividas toda noite.

Esse momento é incrivelmente impactante, com os esqueletos deixando mensagens sobre o que queriam ter feito antes de morrer, e alguns fantasmas se recusando a acreditar que estão mortos. A trilha sonora é muito sombria e a comparação do cenário todo destruído e da cidade da noite anterior acabam criando uma ambientação muito específica, triste e altamente bem-sucedida em criar um sentimento de angústia no jogador. Se, até agora, o que guiava o jogador eram o sentimento de aventura, o desejo de exploração e o dever de cumprir a missão do seu pai, agora você quer ver o tal Baramos destruído. É um momento estranhamente emocional, que poucos jogos dessa época despertam.

Ao conseguir finalmente vencer Baramos, o jogador segue a trilha clássica da série, e volta para sua cidade natal para ser congratulado pelo rei que o colocou em sua missão. Porém, diferentemente dos seus antecessores, Dragon Warrior 3 faz surgir um vilão maior que Baramos bem no momento em que o jogo parecia acabado, mais um caso de subversão bem quando o jogador se sente mais seguro. Vale dizer que nada apontava para isso, e a duração do jogo naquele momento já era superior do que os demais jogos da série, visto que o mundo é bem maior que os anteriores, e existem diversas tarefas a cumprir para enfrentar Baramos, então não havia motivos para desconfiar que algo mais aguardava o jogador.

Para vencer o último inimigo, o protagonista e sua equipe são transportados a um outro mundo, que nada mais é do que o mundo onde os dois primeiros jogos da série se passam. Esse último pedaço do jogo, aproximadamente 25% do total, acaba sendo um tour por todos os elementos do universo de Dragon Warrior até então, o que torna tudo muito familiar e lentamente desperta uma desconfiança no jogador.

Assim, você conhece quais são os itens necessários para terminar o jogo e tem uma noção de como e onde usá-los, mas alguns deles têm nomes diferentes. Conforme você os coleta e nota que só o protagonista pode usá-los, você se dá conta de quem está controlando, o que fica evidente quando o jogo finalmente acaba: você é o famoso Loto ou Erdrick, o herói de que todo mundo fala nos Dragon Warriors anteriores, o antepassado dos heróis dos jogos anteriores, e esses itens que você coleta serão depois itens associados a você.

Tudo isso ressignifica a sua jornada em Dragon Warrior 3, permitindo reaproveitar todo o material já construído nos demais títulos da série, e servindo como uma prequel muito efetiva e muito mais ambiciosa. Afinal, você descobre que Erdrick não salvou um mundo, e sim dois.

E, vale dizer ainda que o jogo, não contente em criar essa rede de referências com a série em si, não ia deixar de amarrar a última ponta faltante, o que acontece quando, no último labirinto, o jogador encontra Ortega, sendo derrotado por um dos monstros que, logo em seguida, você terá que derrotar. Ortega não reconhece o protagonista, do mesmo jeito que o jogador não reconhece a figura de Loto, o que acaba sendo um momento algo emotivo, não pelo que é dito, mas pelo que não é dito.

A história de Dragon Warrior 3 é repleta desses momentos em que o não dito faz o trabalho de mexer com o jogador: o não dito de você ter encontrado uma vila cheia de pessoas que agonizaram, mas não conseguem desapegar dessa existência; o não dito de um pai que você tanto perseguiu e, quando finalmente alcançou, acabou sendo perdido de novo, e sem o sentimento de satisfação que se esperava dessa missão; o não dito de saber que o seu personagem de fato influenciou gerações e mais de um universo. Nada disso é dito no jogo, mas o jogador sente, e é algo muito especial, principalmente quando a gente considera jogos da mesma época.

Com isso, Dragon Warrior 3 se posiciona como uma obra que entende perfeitamente o que é fazer parte de uma série e faz uso total das potencialidades que esse fato permite, tanto em termos de mecânicas, quanto de história. Até a trilha sonora do primeiro jogo é reaproveitada para demarcar a mudança de mundos, mais um detalhe sutil e marcante numa experiência absolutamente repleta deles.

A rigor, trata-se de um jogo com mais de três décadas, num momento em que ainda se pensava quais eram as possibilidades narrativas reais de jogos. Porém, é, ao mesmo tempo, um jogo tão absolutamente confiante e consciente de suas capacidades que choca o jogador que passa por uma experiência tão bem acabada.

Dragon Warrior 3 é, como seu protagonista, uma lenda que definitivamente faz jus à sua reputação e honra com sutileza todo o seu potencial. E era isso que eu queria dizer sobre Dragon Warrior 3. Até a próxima análise!

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