Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
486/2002.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
EXAMES
ILICITUDE
NULIDADE
DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. Extrai-se do artigo 1801º do Código Civil o princípio da liberdade de prova, pelo que, no âmbito do processo de investigação da filiação é, não só admissível, como até, sempre que possível, exigível, a realização de testes de ADN, podendo o juiz, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 265º do CPC, ordenar, oficiosamente, a realização de testes de ADN, por virtude dos amplos poderes instrutórios do julgador, o que pode ser determinado até ao encerramento da produção de prova.
2. No caso específico dos processos de investigação de filiação, a colaboração exigível impõe que a parte – o pretenso pai – ou terceiros que apresentem com aquele uma afinidade genética, nomeadamente os pretensos avós do investigante, realizem os testes de ADN.
3. A restrição dos direitos dos visados, quer à liberdade, quer à integridade física, decorrente da realização de um teste de ADN, sempre se terá de considerar proporcionada e adequada ao fim que com a restrição desses direitos se visa obter, ou seja, um resultado judicial na acção de investigação de paternidade mais compatível com a realidade, sabendo, como se sabe, que no actual estado do conhecimento científico, o teste de ADN é a melhor prova e a mais segura para o estabelecimento da filiação fundada numa derivação genética, logo, mais conforme ao interesse superior da criança, por estar em causa o direito à sua identidade pessoal.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do menor B...., instaurou acção de investigação da paternidade contra C...., entretanto falecido, sendo actualmente réus/habilitados, D.... e E...., através da qual pede que o menor seja reconhecido como filho de C.....
Alegou, para tanto, o MºPº, que B.... nasceu no dia 11 de Dezembro de 1997 e foi registado apenas como filho de F..... O seu nascimento ocorreu no termo normal da gravidez que sobreveio a sua mãe, em consequência das relações sexuais que teve com C...., sendo que a mãe do menor e C.... iniciaram namoro em meados do ano de 1994 e em Julho começaram a ter relações sexuais de cópula completa, relações essas que se repetiram até Abril de 1997, altura em que a mãe do menor teve conhecimento da gravidez.
Mais invoca que a mãe do menor não teve relações sexuais com outro homem que não C...., designadamente, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor.
Imediatamente após a citação, o réu veio a falecer e as rés/habilitadas apresentaram, em momento ulterior, contestação, na qual impugnaram os factos alegados na petição inicial.
Foi proferido o despacho saneador, fixados os Factos Assentes e organizada a Base Instrutória. Face ao falecimento de C...., foram notificados os pais do falecido para comparecerem no INML a fim de serem levados a efeito os adequados exames hematológicos. E, por estes não terem comparecido na data designada, nem justificado as respectivas faltas, foi ordenada a comparência dos mesmos no aludido Instituto sob custódia, e nessa situação foram realizados os exames. Levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo proferiu decisão, julgando a acção procedente, por provada e, em consequência, declarou C.... pai biológico de B..., nascido a 11 de Dezembro de 1997, determinando a transcrição da filiação estabelecida e respectiva avoenga na Conservatória do Registo Civil competente.
Inconformadas com o assim decidido, as rés/habilitadas interpuseram recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES das recorrentes:
i) A prova testemunhal deve ser posterior à produção da prova pericial.
ii) Há questões que deviam ter sido esclarecidas, como se os examinados têm mais filhos para além do investigado.
iii) e se este é filho biológico dos examinados, e não foram esclarecidas tais questões.
iv) Os depoimentos das testemunhas G.... (acta de 27/01/2006, cassete lado A voltas 000 a 968), H.... (acta e cassete referidas, volta 969 a 2021), I... (acta e cassete referida lado A, volta 2022 a 1123 lado B) e J.... (acta de 22/02/2006, lado A voltas 000-163) não consentem ou fundamentam as respostas dadas aos quesitos 2. 3. 4 e 5. que deviam ser "não provado".
v) A presunção do art° 1871º n° 1 al. e) não deve ser aplicada à hipótese presente.
vi) ora porque se não provam relações sexuais.
vii) ora porque as recorrentes desconhecem completamente a factualidade dos autos.
viii) Ora porque a situação relacional entre a recorrente D... e C.... (primitivo R) plasmada nas respostas aos quesitos 6 a 10 acarreta a existência de dúvida séria sobre a paternidade do C.... (art° 187. n° 2 do CC)
ix) O exame ordenado pressupõe uma caracterização suficiente dos fenótipos da mãe, do filho e do eventual pai, o que não acontece:
x) Não há estudos realizados nos Açores no sentido de elaborar o respectivo mapa genético.
xi) As conclusões do relatório não são aplicáveis ao investigado no sentido de definir que o mesmo é o pai do menor.
xii) O exame não é conclusivo e é inútil.
xiii) A submissão dos examinados a exame, sob detenção é ilegal:
xiv) Não são os interessados directos.
xv) Não são herdeiros.
xvi) Ofende os princípios constitucionais dos art°s 25 e 26 da Constituição da Republica Portuguesa, violando a privacidade dos mesmos.
xvii) Por ilegal, a prova é ilícita e não pode ser considerada.
xviii) Face às conclusões anteriores as respostas a dar aos quesitos 2, 3 4 e 5 deviam ser de “não provado”.
xix) Não está provado que o primitivo réu seja o pai do menor.
xx) Foram violados entre outros os art°s 1871º e demais aplicáveis do C.C., 25º e 26º da C.R.P., 561º e demais aplicáveis do C.P.C..

Terminam os apelantes pedindo a alteração das respostas aos quesitos 2º, 3º, 4º e 5º para "não provado" e absolvendo-se as rés do pedido, revogando-se a sentença recorrida.
Respondeu o MºPº, defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES:

i) A lei não impõe qualquer ordem na produção de prova, pelo que, nada obsta a que a prova testemunhal se produza em momento anterior ao da prova pericial.
ii) As testemunhas G...., H...., I...., J...., depuseram de forma clara, precisa, consistente, coerente e sobretudo credível, têm conhecimento de que F... e C... namoravam pois, para além desta lhes ter dito, as testemunhas eram amigas de longa data da progenitora, frequentavam a sua casa, conviveram com ambos, tendo percepcionado que estes se relacionavam como namorados, pois trocavam afectos, nesse período houve um afastamento da progenitora em relação aos seus amigos para ficar com o pretenso pai e constatavam que por vezes este pernoitava em casa desta.
iii) Quanto ao momento da concepção do B.... não é exigível que as testemunhas tenham esse conhecimento directo, de estranhar seria se o tivessem.
iv) As testemunhas atribuem a paternidade do B... ao C...r pois era com este que a progenitora namorava nos meses anteriores à concepção até, pelo menos, nos primeiros meses de gestação e não era conhecido outro namorado à progenitora.
v) As respostas dadas aos quesitos 2 a 5 não merecem qualquer alteração.
vi) A prova pericial produzida não é ilícita, mesmo tendo sido realizada contra a vontade de K... e L...., pretensos avós paternos.
vii) A condução sob custódia ao exame hematológico para efeitos de investigação da paternidade é legalmente admissível, mesmo quando se trata dos pretensos avós, pais do pretenso progenitor, uma vez que determinada na sequência de decisão do Mmo. Juiz a quo, exaustivamente fundamentada, na sequência da falta de comparência destes na primeira data designada.
viii) Nos termos do disposto no art. 1801º do Código Civil, nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros meios cientificamente comprovados.
ix) Nas acções de investigação da paternidade a par do interesse do filho em conhecer as suas origens familiares existe ainda o interesse geral de ordem pública do Estado de que a todo o menor seja dado e conhecido o pai e a mãe biológica.
x) Este interesse particular do próprio filho a par do interesse público do Estado deve sobrepor-se a outros valores éticos e pessoais de relevo inferior, nomeadamente, ao direito à não violação da integridade física ou moral do investigando.
xi) As restrições só são admissíveis e legitimas desde que tenham em vista a realização de um fim legítimo e legal (principio da adequação), que não seja possível obter o resultado pretendido através de recurso a outros procedimentos (principio da necessidade) e que as restrições não sejam excessivas quando comparadas que o fim que se visa alcançar (princípio da proporcionalidade), o que se verifica na situação sub judice.
xii) O reconhecimento da paternidade é um verdadeiro direito fundamental constitucionalmente consagrado (art. 68º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa), que enquanto corolário do direito à paternidade enquanto valor social, se fundamenta e decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 10º C.R.P.) e do direito à integridade moral (art. 25º, nº 1 da lei fundamental).
xiii) O direito fundamental ao reconhecimento da paternidade encontra-se no caso sub judice em colisão com o direito à integridade moral e física e o direito à reserva da vida privada e familiar (respectivamente, art. 25º e art. 26º da Constituição da República Portuguesa), que a colheita de sangue necessária para a realização de exames de ADN é susceptível de violar, no entanto, estes direitos não se podem considerar superiores ao direito que o filho tem à sua identidade pessoal (art. 26º, da C.R.P. ).
xiv) Nos termos do disposto no art. 6º da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto –“ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária competente, nos termos da lei".
xv) O art. 519º do Código de Processo Civil impõe a cada cidadão um verdadeiro dever de cooperação com os Tribunais para a descoberta da verdade, quer sejam, quer não sejam, partes no processo. Tal dever cessa apenas nas situações elencadas no nº 3 do art. 519º do Código de Processo Civil.
xvi) As recorrentes não invocaram quaisquer motivos atendíveis e ponderosos susceptíveis de justificar a recusa de sujeição ao exame, nem mesmo qualquer justificação foi apresentada aquando da determinação de realização do exame, de modo a poder-se concluir pela violação dos mencionados direitos fundamentais dos pretensos avós paternos.
xvii) Os exames de ADN são fiáveis e insuspeitos, fornecendo uma elevada certeza sobre o elemento essencial na determinação da paternidade.
xviii) O resultado obtido no exame pericial realizado significa que com um grau de probabilidade de 99.998%, a que corresponde uma probabilidade de paternidade praticamente provada, os investigados são capazes de gerar um filho com o perfil genético correspondente ao do B.....
xix) Não resultando provado que outro filho do casal tenha estado nos Açores e que se tenha relacionado de forma intima com a progenitora, bem como que C.... não seja filho biológico deste casal, não restam dúvidas de que o pai do menor B.... é C...., filho de K... e de L..., pois foi este que viveu nos Açores e que manteve durante o período da concepção um relacionamento intimo com a progenitora, sendo tido pelas testemunhas, amigos próximos do casal, como namorado desta.
xx) Do depoimento das testemunhas referidas em A.) resulta verificada a presunção de que C.... é o pai de B..., não tendo sido produzida prova no sentido de afastar esta presunção pondo em causa os depoimentos prestados ou a exclusividade das relações sexuais.
xxi) Peio exposto, entendemos não assistir razão as recorrentes uma vez que a prova produzida é válida e foi correctamente apreciada, além de que, não foram violadas quaisquer disposições legais, pelo que, deve ser mantida a decisão recorrida.
xxii) Nestes termos e nos melhores de Direito deverá ser negado provimento ao recurso, assim se fazendo a costumada e necessária Justiça.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação das recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões aí formuladas, apreciando as mesmas de acordo com a sua precedência lógica, ou seja,

i) O VALOR E A VALIDADE DA PROVA PERICIAL E O SEU MOMENTO PRÓPRIO NA PRODUÇÃO DE PROVA – A PROVA ILÍCITA;
ii) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA;
iii) DA PRESUNÇÃO DO ARTIGO 1871º, ALÍNEA E) DO CÓDIGO CIVIL
***
III . FUNDAMENTAÇÃO
A - OS FACTOS
Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:
1. No dia 11 de Dezembro de 1997, na freguesia da ...., concelho de ....., nasceu B...., o qual foi registado apenas como filho de F...., solteira, residente na ..... freguesia da Sé, Angra do Heroísmo.
2. Entre a mãe do menor e o C.... não existem relações de parentesco ou afinidade.
3. C.... e D.... casaram entre si a 18-12-1999.
4. O nascimento do menor ocorreu no termo normal da gravidez que sobreveio a sua mãe, a referida F.....
5. C...., em data que não foi possível apurar do ano de 1996, iniciou namoro com F.... e, em data que não foi também possível apurar concretamente, começaram a ter relações sexuais de cópula completa.
6. C.... e F.... tiveram relações sexuais de cópula completa em datas que não foi possível apurar concretamente, mas, pelo menos, entre o Natal de 1996 e meados de Abril de 1997.
7. Enquanto manteve o relacionamento amoroso com C...., não foi conhecido a F... qualquer outro relacionamento amoroso.
8. Todos quantos conheceram C... e F..., à excepção da família de C..., atribuem a paternidade de B... a C....
9. A ré D... e C..., desde data que não foi possível apurar concretamente do ano de 1994, trabalhavam juntos nos Açores, onde se conheceram.
***
B - O DIREITO
i) DA VALIDADE DA PROVA PERICIAL E O SEU MOMENTO PRÓPRIO NA PRODUÇÃO DE PROVA – A PROVA ILÍCITA
Colocam as apelantes em causa a validade da prova pericial – exames hematológicos realizados aos pretensos avós paternos do menor B... – atenta a forçada submissão destes a exame, não sendo eles herdeiros do primitivo réu nem são parte no processo. Trata-se, no entender das apelantes de uma prova ilícita, visto que a submissão dos examinados ao exame violou a privacidade destes, ofendendo os princípios e valores constitucionais inscritos nos artigos 25º e 26º da C.R.Portuguesa.
Vejamos se assim se deverá entender.
A nulidade decorrente de uma prova considerada ilícita radica na proibição de valorar um dado resultado probatório, mas também implicitamente a proibição de admitir um dado meio de prova cuja forma de obtenção se traduz numa violação de direitos.
Como é sabido, os interesses do investigante – neste caso o menor B.... aqui representado pelo Ministério Público – no estabelecimento da sua filiação jurídica pressupõe a determinação de uma derivação biológica, pelo que imprescindível se torna a realização de testes de ADN, pois só estes podem estabelecer, com rigor, essa derivação biológica.
É que, a convicção formada no espírito do julgador decorrente dos resultados de um teste de ADN o qual, dada a sua fiabilidade e maior rigor científico, não tem paralelo com a convicção que é susceptível de se formar no espírito do julgador em consequência de qualquer outro meio de prova. Tal não significa que os resultados de um eventual teste de ADN não tenham de ser concatenados com as restantes provas produzidas no processo ou com presunções pré-existentes.
No caso em análise o meio de prova em consideração – exame hematológico realizado aos pretensos avós paternos do menor – foi admitido no processo e, face à falta de comparência destes no INML, foi proferido o despacho constante de fls. 134 a 141, devidamente fundamentado, aí se tendo ordenado a detenção para comparência sob custódia dos visados no INML.
Extrai-se do artigo 1801º do Código Civil o princípio da liberdade de prova, pelo que, no âmbito do processo de investigação da filiação, sempre será, não só admissível, como até, sempre que possível, exigível, a realização de testes de ADN.
Decorre, por outro lado, do disposto no nº 3 do artigo 265º do CPC que o juiz pode, oficiosamente, ordenar a realização de testes de ADN, por virtude dos amplos poderes instrutórios do julgador, o que pode ser determinado até ao encerramento da produção de prova. Daí se concluir que inexiste qualquer ordem na produção da prova pericial ou testemunhal, muito embora se admita que, em regra, aquela precede esta.
Mas, a não observância desta precedência não implica que haja sido cometida qualquer irregularidade, o que leva, desde logo, a afastar a argumentação expendida pelas apelantes quando afirmam que o exame veio dar credibilidade e consistência aos depoimentos das testemunhas da autora que manifestamente não tinham.
Assim, e apesar de não ter sido invocado qualquer hipotético vício, sempre se dirá que não foi cometida qualquer irregularidade, pelo que improcede o que consta dos nºs 1 a 3 das conclusões dos apelantes, tanto mais que as questões por estes aludidas nos nºs 2 e 3 sempre teriam de ser provadas documentalmente e não mediante prova testemunhal.
Importa, todavia, ponderar se perante a lei vigente pode o Tribunal impor coactivamente a realização de testes de ADN no âmbito de acções de reconhecimento de filiação, como é o caso da presente acção de investigação de paternidade.
Como esclarece PAULA COSTA E SILVA, A realização coerciva de testes da ADN, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, 588 são possíveis várias soluções:
a) Admissibilidade de imposição, por parte do Tribunal, de uma realização coactiva de testes de ADN, quer às partes, quer a terceiros;
b) Inadmissibilidade de uma imposição coactiva da realização dos testes de ADN. Mas neste caso, sendo ordenada pelo Tribunal ao demandado a realização de um exame de ADN, em caso de recusa deste:
i. Será o demandado imediatamente considerado pai do investigante; ou,
ii. A recusa do demandado não terá consequências ao nível do mérito da causa, sendo antes valorada em termos probatórios, podendo dar lugar a uma inversão do ónus da prova, passando tal ónus a incidir sobre o recusante.
Ora, dispõe o artigo 519º do CPC que:
1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2. Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art. 344.º do Código Civil.
3. A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no nº 4.
4. Deduzida escusa com fundamento na alíena c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
O nº 1 do citado normativo consagra o dever de colaboração para a descoberta da verdade que impende sobre todas as pessoas, sejam elas partes na causa ou não.
Resulta do nº 2 do artigo 519º do CPC que, havendo recusa ilegítima de colaboração, a parte ou o terceiro serão condenados em multa, independentemente de lhes serem aplicados ou não meios coercitivos.

Acresce que, se não for possível a utilização dos meios coercitivos adequados para garantir a colaboração necessária, a recusa será então valorada para efeitos probatórios, podendo nas circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 344º do C.C. dar lugar à inversão do ónus de prova.
No caso específico dos processos de investigação de filiação, a colaboração exigível impõe que a parte – o pretenso pai - ou terceiros que apresentem com aquele uma afinidade genética, nomeadamente os pretensos avós do investigante, realizem os testes de ADN – v. no sentido de que a recusa a exame hematológico por parte do investigado, sem justificação, faz inverter o ónus da prova a cargo do demandante, Ac. STJ de 23.09.2008 (Pº 08B1827), acessível na Internet, no sítio, www.dgsi.pt.
Mas, em caso de recusa, há que ponderar se será ou não de aplicar os meios coercitivos de que fala o preceito, ou seja, obrigar o visado a se apresentar perante o Instituto de Medicina Legal sob pena de aí ser conduzido sob custódia, impondo-se-lhe que ali seja submetido a recolha de um produto do seu organismo a fim de ser extraído o ADN para análise.
Não tem sido unívoco o entendimento da doutrina e da jurisprudência sobre tal imposição.
Para uns, não é possível a utilização desses meios coercivos, pois implicam, não só uma violação do direito à liberdade do indivíduo, como também uma violação do seu direito à integridade física, ambos considerados direitos fundamentais previstos, respectivamente, nos artigos 27º e 25º da Constituição da República Portuguesa, pelo que havendo violação desses direitos, a recusa em colaborar seria legítima, o que sempre impediria também a valoração negativa da conduta do recusante.
Para outros, a recusa não será legítima, por não implicar a violação de direitos fundamentais, pelo que haveria que lançar mão dos meios coercitivos - imposição ao sujeito a realização do teste de ADN – não sendo obviamente de valorar qualquer conduta omissiva que, na verdade, nunca ocorreria, pois o teste sempre acabaria por ser efectuado.

Outros defendem uma posição mais eclética. Admitindo-se que a condução de um indivíduo sob custódia ao Instituto de Medicina Legal para aí se submeter a um teste de ADN sempre seria susceptível de atingir a sua liberdade e integridade física, entende-se que essa violação não é arbitrária, visto que se apresenta como necessária para o exercício de um outro direito constitucional – o direito à identidade pessoal do investigante que, tal como está consagrado no artigo 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa abrange, não apenas o direito ao nome, mas também o direito à historicidade pessoal, enquanto conhecimento da identidade dos progenitores, fundamento da acção de investigação de paternidade ou de maternidade – v. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4º ed. Revista, Vol. I, 462.
Esta última posição tem sido, de resto, frequentemente preconizada na jurisprudência – cfr. a propósito desta problemática, e entre muitos, o paradigmático Ac. STJ de 11.03.97 (Pº 96A901), acessível no supra citado sítio da Internet, no qual se confronta a posição que fez vencimento no acórdão, contraposta com as posições expressas nas declarações de votos de vencidos.
Cremos, no entanto, que razão assiste a PAULA COSTA E SILVA, ob. cit., 598, quando defende que as condutas que a Constituição da República Portuguesa veda, como atentatórias do direito à integridade física previsto no seu artigo 25º, são a submissão da pessoa a tortura, maus tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos, nos quais não se poderão incluir os actos a que uma pessoa se terá de submeter com vista à recolha de materiais dos quais se possa extrair ADN.
Mas, ainda que se siga a corrente que se identificou como mais eclética, o que sucedeu no caso vertente - como se extrai do despacho proferido a fls. 134 a 141 dos autos – em que se ordenou a detenção dos pretensos avós paternos do menor B... para comparência no Serviço de Genética e Biologia Forense, haveria que proceder ao necessário balanceamento entre direitos fundamentais colidentes.
E, nesse sentido, a restrição dos direitos dos visados, quer à liberdade, quer à integridade física (ou até à privacidade, como sustentam os apelantes, mas a nosso ver com pouco fundamento), decorrente da realização de um teste de ADN, sempre se teria de considerar proporcionada e adequada aos fins que com a restrição desses direitos se visam obter, ou seja, um resultado judicial nesta acção de investigação de paternidade mais compatível com a realidade, sabendo, como se sabe, que no actual estado do conhecimento científico, o teste de ADN é a melhor prova e a mais segura para o estabelecimento da filiação fundada numa derivação genética, logo, mais conforme ao interesse superior da criança, por estar em causa o direito à sua identidade pessoal.
Por outro lado, considerando que os dados genéticos de cada indivíduo depende da informação genética que hajam recebido dos respectivos progenitores, podem os pais ou pretensos pais da criança ser substituídos pelos avós ou pretensos avós paternos para a determinação do grau de probabilidade de uma derivação biológica.
Assim, entende-se que a submissão dos pretensos avós paternos do menor B.... á recolha de sangue para extrair ADN não foi ilegal, nem consequentemente, a prova pericial realizada no processo é ilícita, pelo que improcede o que consta dos nºs 13 a 17 das conclusões de recurso dos apelantes.
Acresce que não há que colocar em causa o valor do exame pericial efectuado, já que a metodologia utilizada se encontra explanada no relatório constante de fls. 183 a 186, elaborado pelo Serviço de Genética e Biologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal, aí se esclarecendo que a análise estatística efectuada teve em consideração a estrutura genotípica dos pretensos avós paternos e a distribuição dos diferentes marcadores analisados na população, através da utilização do programa “famílias 12”, programa este que foi suficientemente explicado pela técnica, Drª M..., na última sessão da audiência de discussão e julgamento, tendo-se concluído que aquele programa está testado sendo utilizado em vários países.
Ora, esta análise estatística sobre as informações hereditárias de um organismo contidas em seu genoma, não carece de ser validada por um eventual estudo específico da população dos Açores, visto que, como bem se refere nas alegações de recurso do MºPº, mesmo tendo por referência o universo alargado de toda a população mundial, as probabilidades de se encontrar outras pessoas com tal perfil genético são tão ínfimas que na prática poderia mesmo ser impossível.
Concluiu-se no exame efectuado pelo INML que os examinados L... e K... são capazes de gerar um filho, cujo perfil genético corresponde ao do pai de B..., com uma probabilidade de paternidade de 99,998%, ou seja, praticamente provada.
Não está documentalmente demonstrado nos autos que o casal composto pelos pretensos avós paternos de B... tenha outros filhos, para além de C....
Acresce que tão pouco está provado que C.... não seja filho biológico do aludido casal, ou que, a existirem outros irmãos de C..., eles tivessem mantido durante o período da concepção relacionamento intimo com a mãe do menor B....
E, com efeito, era sobre as rés que incidia o ónus de prova, com relação a estes eventuais factos, sendo certo que as rés nada a tal propósito lograram demonstrar, tanto mais que nem sequer tais circunstâncias foram alegadas, razão pela qual a prova pericial se restringiu à análise do ADN extraído, quer das amostras de sangue do menor B... e de sua mãe, quer das amostras de sangue e saliva do casal K... e L...., progenitores do pretenso pai do menor B....
Há, por conseguinte, que concluir pela validade do exame efectuado nos autos, estando comprovado o seu valor científico em face do actual conhecimento da ciência genética, pelo que improcede o que consta dos nºs 2, 3, 9 a 12 das alegações de recurso das apelantes.
***
ii) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
1. Modificabilidade da matéria de facto pelo tribunal da relação
Á regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância, contrapõe-se a excepção decorrente do artigo 712º do CPC que permite a alteração da matéria de facto nos seguintes casos:
1. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
2. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
3. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Considerando que foi gravada a prova produzida em audiência, dispõe este tribunal dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa. Mas, não se pode olvidar que não podem agora ser apreendidos alguns elementos probatórios que
emergem, designadamente, do princípio da imediação, sendo certo que os factores decorrentes de tal princípio são decisivos para o juízo de convicção de que o juiz tem de fazer acerca da credibilidade dos depoimentos.
Como esclarece ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs. 657, a propósito do princípio da mediação “Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.
Alerta, por outro lado, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, 374, a propósito da distinção entre os recursos de reexame e os de reponderação, que a reponderação das provas em 2ª instância satisfaz-se com a averiguação de saber se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a "justiça relativa" dessa decisão.
Tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência, que a garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas constante do artigo 655º do CPC, decorrendo de tal normativo que o juiz, fora dos casos de prova legalmente tarifada, goza de liberdade na apreciação das provas e decide segundo a convicção prudente sobre cada facto.
De resto, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 de 15/12 - diploma que veio regular a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida – refere-se que: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto que o recorrente terá sempre o ónus de apontar claramente na sua minuta de recurso”.
E, nos casos de provas contraditórias, deve reger a convicção criada no espírito do juiz, desde que a prova haja sido valorada de acordo com critérios de razoabilidade.
Por isso se tem entendido que a modificabilidade da matéria de facto pela 2ª instância terá lugar nos casos de desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, pressupondo um erro evidente que imponha claramente uma decisão diferente – v. a título meramente exemplificativo, neste sentido e entre muitos, Ac. da RP de 19/02/2000 in CJ , Ano XXV, T. 4º, 180 e Ac. R.E. de 11-01-2007 (Pº 2336/06-3), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.
No caso em apreço, as rés habilitadas/apelantes entendem que devem ser considerados não provados os artigos 2º a 5º da Base Instrutória, retirando da produção de prova convicção diversa da do tribunal, o que não conduz necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.
Vejamos, então, se razão assiste às apelantes e se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas – pericial e testemunhal – com particular incidência nesta, face ao que acima ficou dito sobre a validade do exame elaborado pelo INML.
*
2. A AVALIAÇÃO DA CORRECÇÃO OU INCORRECÇÃO DO EXAME DA PROVA
A convicção da Exma. Juíza a quo para proceder às respostas aos aludidos quesitos 2º a 5º da Base Instrutória alicerçou-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas do autor.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito do juiz do Tribunal a quo, o qual, como antes se aduziu, tem a seu favor o importantíssimo princípio da imediação da prova, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal, que melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

E, da audição da prova gravada e da supra referida ponderação, conclui-se que a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância, não é merecedora de qualquer reparo. Atentemos detalhadamente.
A decisão sobre a matéria de facto apurada, proferida pelo Tribunal a quo, mostra-se adequada perante os relatos prestados pelas testemunhas do autor, G..., H...., I.... e J..., todas pessoas amigas da mãe de B... e que confirmaram a convivência que F... manteve com C..., no período da concepção de B.....
É verdade que resultou desses depoimentos que foram discretas as manifestações exteriores do relacionamento amoroso entre F.... e C.... Porém, as testemunhas referenciaram alguns indícios concretos resultantes, não só de conversas havidas com a mãe do menor, como também das situações que presenciaram, aquando das deslocações a casa de F...., e que evidenciavam tal relacionamento intimo que se manteve no período temporal em causa coincidente com o período legal da concepção do menor.
De resto, mesmo a testemunha das rés, N...., aludiu ao facto de a ré D... ter sido avisada de que C... tinha outro relacionamento, o que terá sucedido ainda em 1996 ou 1997, e que mais tarde chegou ao seu conhecimento havia uma pessoa que dizia estar grávida de C.....
Ora, como salientou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o que ficou indiscutivelmente demonstrado foi que C... manteve uma relação amorosa, paralelamente com D.... e com F..., mãe de B.....
E, atenta essa circunstância, é razoável admitir-se que o relacionamento intimo existente entre C... e F... se manteve circunscrito aos encontros em casa desta última, como o referenciaram as testemunhas do autor, as quais, tal como o atestou o Tribunal a quo, mereceram credibilidade, pois depuseram de forma isenta e sincera, demonstrando, em suma, isenção – entendimento com o qual se concorda.
Nestes termos, as respostas dadas aos quesitos 2º a 5º da base instrutória não podem deixar de se alicerçar no conjunto dos depoimentos prestados pelas aludidas testemunhas do autor, concomitantemente com o que decorre do exame elaborado pelo Serviço de Genética e Biologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal, razão pela qual se mantêm inalteráveis as respostas dadas aos mencionados artigos da Base Instrutória, já que a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância, não é merecedora de qualquer reparo.
Inexiste, consequentemente, qualquer erro, e muito menos notório, na apreciação da prova produzida em julgamento, o que leva à improcedência do que consta dos nºs 4 e 18 das alegações de recurso das apelantes.
***
iii) DA PRESUNÇÃO DO ARTIGO 1871º, ALÍNEA E) DO CÓDIGO CIVIL
Invocam as rés/apelantes que a presunção do artigo 1871º, nº 1 alínea e) do Código Civil não deve ser aplicada ao caso sub judice, quer porque se não provaram as relações sexuais, quer porque as recorrentes desconhecem completamente e factualidade dos autos, quer ainda porque a situação relacional entre a apelante D... e C.... plasmada nos quesitos 6 a 10 acarreta a existência de dúvida séria sobre a paternidade de C....
Estatui o artigo 1871º do Código Civil que:
1. A paternidade presume-se:
a) Quando filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público;
b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade;
c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;
d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da concepção, se esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade.
e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção.
2. A presunção considera-se ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado.
Face ao que decorre do nº 2 do citado normativo, as presunções constantes do nº 1 são dotadas de uma força probatória especial que não coincide com a força probatória normal das meras presunções judiciais ou de facto, nem se identifica com a força probatória típica das presunções legais – v. neste sentido PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, V, 307 e GUILHERME OLIVEIRA, Estabelecimento da Filiação, 157.
Defendem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., 305, que a exigência da seriedade das dúvidas envolve a criação de um grau intermédio de convicção do julgador, situado entre a simples contraprova e a prova do contrário.
É verdade que o legislador efectuou um desvio ao regime geral consagrado no artigo 350º nº 2 do Código Civil, não exigindo ao investigado a prova do contrário, ou seja, que não é o pai biológico. Mas tão pouco basta que seja suscitada qualquer pequena dúvida incapaz de abalar a certeza que resulta da presunção legal.
Ora, a causa de pedir na presente acção radica na filiação biológica, i.e., no acto gerador, e não propriamente por recurso, pelo menos expresso, a qualquer uma das presunções legais supra mencionadas. Daí a imprescindibilidade de realização de exames hematológicos.
No caso em análise ficou provado o relacionamento sexual entre C... e a mãe do menor B..., no período legal de concepção. De todo o modo, para afastar a presunção decorrente da alínea e) do nº 1 do artigo 1871º do Código Civil, teriam as rés/habilitadas de demonstrar a exceptio plurium, ou seja, que a mãe de B..., durante o mesmo período, teve relações sexuais com outro ou outros homens, o que manifestamente se não provou – v. neste sentido Acs. do STJ de 28.5.2002, CJ STJ X, 2, 92 e de 23.09.2008, acessível no citado sítio da Internet.
Improcede, pois, o que consta dos nºs 5, 6, 8 e 19 das Conclusões das alegações de recurso das apelantes, improcedendo, consequentemente, o recurso de apelação.
Vencidas, são as recorrentes responsáveis pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
***
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar as recorrentes no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 17 de Setembro de 2009
Ondina Carmo Alves – Relatora
Ana Paula Boularot
Lúcia Sousa