Isolamento em Família: Manual de reinvenção familiar precisa-se… ou constrói-se?

Iniciámos o processo de desconfinamento. Gradualmente, com todas as precauções, para que não tenhamos de voltar atrás.

Confinadas, algumas Famílias que, muitas vezes, almejaram mais tempo para o ser, sentiram-se confusas, cansadas e angustiadas.

Mais tempo em família nunca havia sido assim imaginado, e a convivência total, dentro de quatro paredes, foi e é um verdadeiro desafio à resiliência humana.

Entre crianças, jovens e adultos que viram as suas rotinas bruscamente alteradas, alguns pais/cuidadores ficaram “apenas” dedicados à casa, ao cuidado e educação dos seus filhos e outros fizeram-no, cumulativamente, com o teletrabalho.

De repente, as nossas casas “transformaram-se” em escritórios, escolas e espaços de lazer. E nós passámos a acumular vários papéis e funções, alguns não habituais.

Diz-nos a literatura, que a situação de confinamento e isolamento social, por si só, já é causadora de emoções e comportamentos aos quais devemos dar atenção especial.

Tanto em adultos, como em crianças e jovens, é normal que se observe alguma tristeza, desânimo, ansiedade, irritabilidade e medo.

Natural, se pensarmos que nos foi retirada a possibilidade de conviver e tocar; que perdemos rotinas que não sabemos como e quando vamos recuperar; que passámos a conviver com uma ameaça que se movimenta, inclusive, através de quem mais gostamos!

Neste cenário, há dias em que a apatia não nos deixa vontade para sair da cama e outros em que o espírito está de tal forma agitado que nos sentimos capazes de remodelar a casa; momentos em que o choro nos assalta e nos sentimos incapazes. Surgem questões, muitas, nomeadamente sobre a veracidade de todas as informações que nos chegam.

À noite, o sono foge ou traz os pesadelos que nos acrescentam só no cansaço. Mas continuamos, a cada dia, a responder às tarefas da casa; ao trabalho; à telescola; à escola; aos TPC; ao tempo de brincar e de sermos nós… ou, se calhar, sem conseguir responder a tudo isto, geralmente, deixando este último ponto para trás.

Os conflitos tendem a surgir… Sobre coisas que possivelmente, noutras circunstâncias, se resolveriam com uma conversa…

A partilha assimétrica das tarefas, que acrescem porque estamos em casa; o aborrecimento gerado pelo isolamento; o não poder sair, socializar e desabafar.

Ironicamente, fechados em casa, dependemos todos, e quase totalmente das tecnologias: para a escola, trabalho, contacto com o exterior, lazer, inclusive. Mais conflitos, gerados pela partilha dos equipamentos, da conciliação dos tempos e das próprias limitações tecnológicas.

Parece-nos um momento em que tudo escasseia, inclusive o espaço, pois a sua reorganização para responder a todas as necessidades, pode constituir-se como um verdadeiro “quebra-cabeças”.

Estamos, ousaria dizer, todos a viver e a sentir isto. Faz parte. Como fazem parte os momentos felizes, de partilha, de saudável loucura e descoberta, que também acredito que todos tenham.

Podíamos então registar num diário os nossos modos de fazer, descobertas, peripécias e explosões de humor. Seria o nosso “Manual de reinvenção familiar”. Escrito à medida.

Seria, ele próprio a adequação, ou não, das estratégias assertivas que nos vão sendo indicadas e que, embora por vezes nos confrontem com a angústia de não saber como as concretizar, não devem ter esse peso de exigência e de inflexibilidade.

São apenas possibilidades: tentar falar das emoções, próprias e dos outros, criar momentos de validação, partilha e aceitação; trabalhá-las através da pausa, respiração consciente, meditação, prática de exercício físico…

Reforçar comportamentos positivos, não com recompensas, mas com a verbalização afetuosa; e por outro lado, tentar reduzir os negativos, com tolerância (mas não permissividade), incentivando a autorregulação e, em caso de necessidade, aplicando uma consequência proporcional e relacionada com o foco de tensão.

Lembrar-nos (e não vamos fazê-lo sempre) que estamos todos sujeitos às mesmas vivências. Se enquanto pais, devemos observar, escutar, apoiar, ser o exemplo, só conseguiremos fazê-lo se formos pessoas que cuidam de si.

Talvez ajude estabelecer uma rotina – a rotina de cada Família. Que considere os cuidados básicos, estudo, trabalho, tarefas domésticas, lazer e – essencial – tempos individuais e comuns, preferencialmente não centrados na pandemia.

Simultaneamente, definir espaços para cada um, nos seus vários tempos, e até criar códigos de respeito. Por exemplo, porta fechada indica tempo de trabalho, sem interrupções.

Em alguns momentos vai funcionar. Importa ter presente que não vamos ser sempre racionais nem estar sempre bem. Mas que saibamos desculpar, desculpar-nos e colaborar, voltar atrás, parar, se necessário. Manter o espírito positivo e consciente, na maior parte das vezes. E partilhar, porque estamos fisicamente distantes, mas não isolados. A comunicação também se reinventou!

Por fim, aceitar que ainda não superámos o desafio. Talvez o pior ainda venha. Muitos impactos se seguirão. Se há coisa que todos sabemos é que haverá uma vida antes e outra depois da pandemia. E nós estamos todos a reinventar-nos. Não existe um manual, pois somos todos nós que o estamos a construir.

 

Alexandra Bernardo - Diretora Pedagógica
Susana Alberto - Consultora Pedagógica