terça-feira, 9 de novembro de 2021

Hideko Mizuno conta sobre sua carreira e como teve que redesenhar uma de suas primeiras obras, porque qualquer toque entre um homem e uma mulher eram tabu no shoujo mangá

Hideko Mizuno é uma das das primeiras mulheres mangá-kas a conseguirem se destacar na profissão e a única a mulher a residir no Tokiwa-so, um prédio onde residiram várias futuras lendas do mangá nos anos 1950, incluindo Osamu Tezuka.  Mizuno foi sua auxiliar.  Enfim, encontrei uma matéria sobre ela e uma exposição de seus trabalhos (*e de outros mestres dos primórdios do shoujo mangá*) de final de outubro em um site japonês e tentei entender em linhas gerais o que estava lá.  Não leio japonês, se você lê e quiser me corrigir, ou ajudar, agradeço.  E se você acha que já ouviu falar dela, mas nao lembra de onde, Hideko Mizuno é autora de Honey Honey no Sutekina Bouken (ハニー・ハニーのすてきな冒険), sua versão anime foi exibida no SBT nos anos 1980.  Acho que é o único anime baseado em uma obra da autora.

Começando pelo título da matéria, "Havia um tipo de história que somente eu podia contar" (私にしか描けない物語がある), o que é colocado em evidência é a certeza da geração de Hideko Mizuno e a seguinte de que elas poderiam transformar os shoujo mangá para melhor.  A matéria cita algumas de suas grandes obras e conta que ela começou como mangá-ka ao ser convidada a produzir shoujo junto com Fujio Akatsuka e Shotaro Ishinomori.  E a autora aceitou de imediato.

Ela deixa de morar no Tokiwa-so e começa uma carreira independente.  Mizuno diz que recebia comentários elogiosos do tipo "Você é muito divertida, apesar de ser mulher.".  A autora era uma especialista em colocar o humor em suas histórias e Fujio Akatsuka, com quem ela trabalhou, é um dos pioneiros do gag mangá.  Ela diz ter publicado durante sete meses até que publicou em 1960 o mangá  Hoshi no Tategoto (星のたてごと) na revista Shoujo Club.  O mangá retrata uma trágica história de amor entre uma deusa e um mortal.  

Mizuno diz que seu mangá causou forte impressão, porque colocar um romance entre um homem e uma mulher em um mangá para meninas era um tema espinhoso.  “Era uma época cheia de tabus para as mulheres. Sempre senti a pressão de 'ser mulher' e 'como uma mulher deveria ser'. Por que é que as mulheres não podem fazer o que é permitido aos homens homens? Foi estranho e terminei insatisfeita. No shoujo mangá, o amor era ilegal. Recebi ordens de redesenhar mesmo que somente as mãos de homens e mulheres se tocassem um pouco, ou uma saia estivesse meio erguida."

Entre 1964 e 1965, já na Margaret, a autora publicou Shiroi Troika (白いトロイカ), que disputa com a Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら) o título de primeiro shoujo mangá histórico.  A história se passava na Rússia do final XVIII, mas as personagens eram todas ficcionais, por assim dizer.  O texto enfatiza que foi o primeiro mangá no qual as personagens contavam com uma grande quantidade de figurinos, algo que não era comum na época e menos ainda nos shoujo mangá feitos por homens.  Aqui, em ambos os casos, acredito que a matéria esteja superdimensionando Hideko Mizuno, pois contemporâneas suas e mesmo alguns homens já se esmeravam em oferecer um visual mais arrojado para os seus mangás.

Em seu sucesso seguinte Broadway no Hoshi (ブロードウェイの星) a ação se passava nos Estados Unidos contemporâneo e tocava em temas como discriminação racial e Guerra do Vietnã.  Em Fire! (ファイヤー!), Mizuno levantou o sarrafo definitivamente.  Já na revista Seventeen, que era a mais adulta das revistas shoujo da época, ela lançou em 1969.  Mizuno diz que era admiradora de Janis Joplin e Jimi Hendricks e da ideia de quebrar o sistema.  Falando de Rock and roll e drogas, a série foi também o primeiro shoujo a ter uma cena de sexo.  Foi Fire! que lhe possibilitou ganhar aos 31 anos o Prêmio de Mangá da Shogakukan em 1970.

Segundo a matéria, ela estava no auge e em evidência quando a condição dos mangá-kas começou a mudar, segundo ela, para pior.  Achei curioso isso, é a primeira vez que leio esse tipo de coisa e o que se seguirá agora.  Havia demanda industrial por mangás, a contratação de novatos à baixos salários e a ênfase em temas que eram certeza de sucesso, o que castrava a criatividade dos autores.  Ela não conseguiu se empregar mais como antes.  Ela fala que não se respeitavam direitos autorais e que a partir desse momento, imagino anos 1970, a coisa começou a ganhar relevância no Japão, que ela acha importante e que aprendeu sobre o tema com  Akatsuka e Tetsuya Chiba.

Ela reuniu 30 mangá-kas na sua casa para discutir o tema, que foi explanado por Tetsuya Chiba.  A reunião acabou vazando para uma editora importante e ela acabou sendo marcada como a responsável por tentar organizar os artistas que queriam seus direitos.  Como resultado, segundo ela, os manga-kas foram acusados de quererem montar um sindicato e pressionar as editoras.  Os contratos permanentes foram suspensos, o sindicato não apareceu, e todos acabaram se tornando freelances.  

Ela sofreu retaliações para além de perder o emprego.  Seu mangá Fire! foi cancelado.  Segundo Mizuno, ela foi punida por ser mulher, por ousar sair do lugar que a sociedade esperava dela, mas diz não se arrepender, porque sempre acreditou que era importante lutar pela igualdade entre homens e mulheres.  Eu não sabia de nada disso e, ainda que seja necessário dar um desconto, é chocante, mas não surpreendente.  E no meio dessa confusão toda, ela descobriu que estava grávida e solteira.

Mizuno fala que nunca se arrependeu de ter tido seu filho (*acho que foi um filho*), que nasceu em 1972, mesmo tendo que enfrentar toda a reprovação social por não ter um marido.  Sozinha, ela teve que optar por séries mais curtas e trabalhos que pudesse conciliar com a maternidade.  Sua renda caiu, mudou seu estilo como mangá-ka, mas reforçou de novo que não se arrependeu de ter tido sua criança.  Ela deve ter sofrido um tanto, mas lendo o resto da matéria se vê o quanto o filho é ligado a ela, seguiu a mesma carreira, pelo menos parcialmente, e declara a sua admiração pela mãe.

Em 1986, ela diz ter feito três viagens à Alemanha com seus próprios recursos para pesquisar material para aquela que ela acreditava ser sua obra prima, Ludwig II Sei (ルードヴィヒII世) e ficou arrasada quando a revista onde publicava a série, a Bessatsu  Fujin Koron foi cancelada.  "Existem temas e pinceladas que só você pode desenhar", por conta disso, ela passou a publicar em revistas autofinanciadas, sem a dependência das editoras tradicionais a partir dos anos 2000.   Seu filho faz a edição do seu material.

Em 2010, ela recebeu o Prêmio da Associação de Cartunistas do Japão.  "Ainda tenho muitas coisas que quero fazer. Os enredos surgem na minha cabeça como cúmulos-nimbos. Isso é o que é um artista de mangá. Somente as pessoas que gostam de desenhar podem trabalhar como um artista de mangá."


Atualmente, uma exposição especial "Tokiwa-so no Shoujo Manga" está sendo realizada e uma sessão de autógrafos e um talk show online acontecerão no dia 7 de novembro.  Machiko Satonaka, que entrou no mercado de mangá em 1966, fala que Mizuno foi uma das suas inspirações para se tornar mangá-ka.  Ela se recorda de quando enviou uma carta de fã para Hideko Mizuno: “Anexei as ilustrações que desenhei e perguntei se poderia me tornar um artista de mangá, e ela me deu uma resposta adequada. Fiquei profundamente comovido com suas palavras, 'Envie-me quando tiver um trabalho acabado.' Desenhei com força. Mesmo depois que fiz a minha estreia, continuei a admirá-la, porque ela sempre trabalhou com temas que mudam o mundo e em uma escala que é simplesmente avassaladora.”

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