Opinião
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27 de dezembro de 2021
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08:23

Depois do Chile: no ano Ano Novo, eleger Lula é dever político e moral com os semelhantes (por Tarso Genro)

Luiz Inácio Lula da Silva, falando no Parlamento Europeu (Foto: Divulgação)
Luiz Inácio Lula da Silva, falando no Parlamento Europeu (Foto: Divulgação)

Tarso Genro (*)

Esta tarefa é concreta e presente, pois a era Bolsonaro deixa um cometa de mentiras e fome, uma galáxia de ódio disseminado na vida comum e uma decomposição moral e política do Estado Brasileiro sem precedentes, além de desnudar o caráter de pessoas que nos pareciam normais e revelar o profundo ódio de classe, contido no consciente e no inconsciente de parcelas significativas da sociedade brasileira. O clímax desta tragédia histórica é a ampliação da canalhice, indiferente à vida das crianças do Brasil, com o atraso da sua vacinação em massa. Quem não se indigna com isso não merece respeito, nem ser nomeado como mero “adversário.”

“Sempre que folheava livros de estética, tinha a desconfortável sensação de estar lendo obras de astrônomos que nunca contemplavam as estrelas”. O aforismo de Borges, na sua conferência “O enigma da poesia”, sempre me faz lembrar que muita gente como nós, ao tentar decifrar a realidade política, para compreendê-la e dar-lhe algum sentido (quando buscamos conforto nas grandes cabeças  políticas da Humanidade), ficamos com a sensação revelada por Borges, sobre os estetas: parecemos astrônomos que nunca observaram as estrelas e assim deixamos de vê-las como presente.

O grande enigma do intérprete militante da política é sempre o mesmo: o que devo dizer para quem está formando opinião e quais as  palavras que devo usar. para  agregar em torno do principal, não me desvincular de quem já concorda comigo, pois a política não deve ser um “jogo de soma zero”? Diferentemente do erro – no texto analítico de um poema – (ou da poesia como gênero) quando ficamos bloqueados num movimento da política, não podemos simplesmente resolver a questão com uma metáfora brilhante. As boas análises poéticas podem ser valorizadas por metáforas, mas as boas interpretações da política raramente o são.

As metáforas políticas nos grandes momentos da História podem se tornar tão infames como algumas alegações de arrependimento posterior, na beira do  abismo, à beira do inferno. Mesmo que todos tenham ouvido “ele” dizer que veio para “matar” e “destruir”, um intérprete pode dizer – com toda a sua dignidade calhorda – que “foi enganado”. Ele não diz que “quis ser enganado” e que supunha ter alguma contrapartida a algum desejo seu, que supostamente deveria ser satisfeito: os “enganados” na política são vítimas da razão, no seu lado perverso, poise ela suprime da política a urgência da paixão e a poesia, para nos aproximar de uma utopia, mais (ou menos) possível.

Prossigo com Borges. Ele me lembra também que os estetas avaliavam a poesia como se ela fosse uma “tarefa” e “não o que é em realidade, uma paixão e um prazer!”  É possível, assim, trazer Borges para os limites tépidos que às vezes separam a poesia e a política: a política feita com paixão e prazer tem mais possibilidades de dar certo do que a política cumprida como tarefa pura da razão. A política que sempre me interessou sempre foi aquela que poderia ser, ao mesmo tempo racional e fundar-se no instinto e no compromisso. Nunca me seduziram as interpretações puramente economicistas da política, nem aquelas que erguem muros irremovíveis entre adversários de boa fé.

Apoio Lula, não porque ele seja o único capaz de mudar o Brasil, que tem Haddad, Boulos, Dino , Marina, Requião, como teve Covas e Brizola e outros tantos nomes dignos, mas que por uma razão política e moral conjugo com o seguinte percurso “interpretativo”, originário de como vejo meus semelhantes: só pode criar no povo motivações para mudanças radicais na produção e no modo de vida, quem – tendo condições de vencer a eleição – diz claramente que vai salvar vidas de crianças, porque vai combater a fome, porque que vai levar os jovens e as crianças para escola e também ensejar que as famílias se alimentem três vezes ao dia. E logo!

O que decorre desta proposta são tarefas gigantescas de política externa, segurança, soberania nacional, recomposição das funções públicas do Estado, brutalmente maculadas pelo fascismo, políticas sociais e culturais de disseminação da solidariedade e da busca de caminhos  para a emancipação. São tarefas que não dependem apenas de uma eleição, mas de um complexo processo de mudanças tecnológicas, nas relações entre as classes sociais, dos indivíduos entre si e destes com a natureza. Moderação, reforma e revolução, estão fundidas hoje na figura de Lula, pois é a partir da sua vitória que vamos remover as carcaças do mal instaladas, tanto pelos ingênuos, como pelos falsos enganados da História recente.

(*) Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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