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O que está acontecendo no Equador? Seis pontos para entender a crise no país vizinho

Diante da mobilização popular, oposição quer destituição do presidente e antecipação das eleições; Correa estimula população a manter protestos
Vanessa Martina-Silva
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

A semana foi marcada pela ebulição política em vários países latino-americanos. Após a crise peruana ter se amenizado, fomos surpreendidos, nesta quinta-feira (4), por uma onda de protestos no Equador e pela resposta do presidente Lenín Moreno, que decretou Estado de Exceção no país pelos próximos 60 dias.

A motivação de fundo para o descontentamento popular está no pacote econômico decretado pelo governo e o aumento do preço dos combustíveis.

Setores da sociedade civil organizaram uma paralisação nacional e o governo decidiu implementar duras medidas como resposta. A oposição, por sua vez, considera que os acontecimentos são graves o suficiente para destituir Moreno e convocar novas eleições.

Diante da mobilização popular, oposição quer destituição do presidente e antecipação das eleições; Correa estimula população a manter protestos

Resumen Latinoamericano
Mobilizações nas ruas de Quito

Mas como o país chegou a este ponto? É o que vamos explicar na sequência em seis pontos:

1) Pacotaço econômico

O governo anunciou, na última quarta-feira (2), um pacote econômico com a eliminação dos subsídios para o consumo de combustíveis fósseis e a liberação dos preços do diesel e da gasolina, o que afeta toda a cadeia produtiva do país e aumenta o custo de vida afetando, principalmente, pessoas com renda mais baixa.

O conjunto de medidas econômicas é uma resposta às exigências feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e foram enviadas à Assembleia Nacional em caráter de urgência.

O Equador é produtor de petróleo e os subsídios estiveram vigentes no país por 47 anos. De acordo com a atual gestão, US$ 1,5 bilhão passará a entrar no caixa do governo, montante que será destinado à educação e à segurança pública, segundo fontes oficiais.

De acordo com o ministro das Finanças, Richard Martínez, a decisão evita que o país siga favorecendo “as máfias que levam dinheiro para Colômbia e Peru”.

Apesar do forte rechaço popular, o governo disse que as medidas seguem firmes e que não existe a mínima possibilidade de mudá-las. 

Em reunião realizada nesta sexta (4), Moreno afirmou que está aberto ao diálogo e que serão lançadas medidas paliativas para amenizar o efeito em alguns setores, “mas sob nenhuma circunstância vamos mudar a medida. Que ouçam bem, não vou mudar a medida. Acabou o subsídio”.

As medidas apresentadas e que dizem respeito à reforma trabalhista foram pouco detalhadas pelo governo. Entre as principais, estão: 

  • redução do salário de funcionários temporários no setor público em 20%;

  • diminuição das férias de funcionários públicos de 30 para 15 dias;

  • empregados do governo deverão doar um dia de trabalho por mês e

  • mudanças na aposentadoria no setor privado 

2) Greve nacional

Após o anúncio do pacote, setores vinculados à área dos transportes anunciaram greve. Ao chamado se somaram setores indígenas, sindicais, camponeses, trabalhadores urbanos e movimentos de mulheres e de artistas, entre outros.

Nesta sexta-feira (4), segundo dia dos protestos, as cidades equatorianas amanheceram com quase nenhuma circulação de ônibus, táxis e com diversos bloqueios de vias públicas, além de queima de pneus, manifestações e saques. As aulas no país foram suspensas por ação do executivo.

A prefeita de Guayaquil, Cynthia Viteri, criticou as medidas em suas redes sociais. Para ela, Moreno quer enfrentar o déficit fiscal após o acordo feito com o Fundo Monetário Internacional (FMI) fazendo com que os mais pobres paguem pela crise:

“A verdade poderia ser resumida em uma só, a verdadeira medida que tomou o governo é que acaba de subir a passagem do transporte público e de carga em todo o país, e assim, o custo de vida.”

3) Estado de exceção

O estado de exceção foi decretado nesta quinta-feira (3) para fazer frente aos protestos iniciados na última quarta. De acordo com Moreno, ele visa “precaver a cidadania e evitar o caos”.

A decisão permite que militares saiam às ruas para dispersar a multidão que, segundo Moreno, tem como objetivo desestabilizar o governo.

A medida define, entre outras coisas, que:

·       Haverá mobilização nacional de entidades públicas, polícia nacional e Forças Armadas para controlar a ordem pública; 

·       Suspende o direito à liberdade de associação e de reunião. Consiste em limitar as aglomerações em espaços públicos;

·       Limita a liberdade de trânsito;

·       Todo o país se torna uma zona de segurança;

·       O Ministério das Finanças poderá destinar todos os fundos necessários para sustentar a exceção, menos os dirigidos à saúde e educação.

4) Repressão

A polícia usou gás lacrimogêneo e tanques para dispersar as multidões nas ruas. Entidades de direitos humanos afirmaram que ao menos 80 pessoas foram detidas — entre elas quatro menores de idade. Outros 19 manifestantes foram feridos e 20 jornalistas agredidos. 

Agentes da Polícia Nacional do Equador detiveram o coordenador nacional do movimento Pachakutik, Marlon Santi, e o dirigente estudantil indígena, Jairo Gualinda, como anunciou a Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (Confeniae). De acordo com a organização, a polícia equatoriana dissolveu com violência a manifestação pacífica.

Já a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), em nota, responsabilizou a ministra do governo, María Paula Romo, e o próprio presidente pela “detenção seletiva de lideranças indígenas”.

Romo também anunciou a detenção de Calderón, líder dos taxistas que rechaça acordo com o governo. Ele foi preso por “delito de paralisação do serviço público”. Junto a ele foram detidos outros dois dirigentes do setor de transportes.

5) Destituição de Moreno e novas eleições

Diante da situação vivenciada no país, a parlamentar oposicionista Gabriela Rivadeneira pediu que o presidente da Assembleia Nacional, César Litardo, convoque uma sessão extraordinária para debater a destituição de Lenín Moreno e a  antecipação  das eleições presidenciais, previstas para 2021.

“Se a Assembleia não está à altura do povo equatoriano, todos a apresentar as renúncias”, disse Gabriela.

6) Rafael Correa

O ex-presidente do país, Rafael Correa, que vive exilado na Bélgica, também se pronunciou sobre a crise.

E um vídeo satírico, ele canta “Lenín Chao” (Lenín, tchau), em uma paródia à música Bella Ciao. Veja:

Correa é o maior opositor de Lenín Moreno, que venceu as eleições apadrinhado por ele e depois se voltou contra o correísmo e a chamada Revolução Cidadã, direcionando seu governo para a direita, o que gerou um racha no partido Alianza País, criado pelo ex-presidente.

O ex-mandatário tem uma ordem de prisão decretada no Equador pelo suposto envolvimento no sequestro de um ex-deputado da oposição em 2012 na Colômbia.

*Vanessa Martina Silva é editora da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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