Microcrédito tem maior potencial em impacto na renda, diz Guimarães

Pessoas sem acesso a bancos pagam juros mensais de 20% a agiotas; com fundo garantidor, podem desembolsar a partir de 1,95%

O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães,
O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, afirmou que o Brasil deverá ser em alguns anos o 2º mercado mundial para microcrédito
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O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, disse ao Poder360 que o microcrédito digital é a medida com maior impacto potencial na renda dos brasileiros entre as anunciadas pelo governo na 5ª feira (17.mar.2022).

Assista a íntegra da entrevista (38min13s):

Ele afirmou que o resultado será muito significativo porque beneficiará pessoas negativadas (com nome sujo por inadimplência). Terão garantia para os empréstimos por meio de um fundo.

Poderão receber crédito de até R$ 1.000 a ser pago em 24 parcelas mensais a partir de 2ª feira (28.mar). A operação será feita por meio de aplicativo da Caixa.

Hoje elas pagam juros de 15% a 20% por mês em empréstimos a agiotas. Passarão a pagar, no menor patamar, 1,95% ao mês.

Isso equivale, segundo Guimarães, a deixar de pagar R$ 50 por mês e passar a desembolsar R$ 30. “A diferença vai 100% para o consumo. O efeito renda é muito grande”, disse.

Podem ser beneficiadas pelo programa 40 milhões de pessoas, na avaliação do  presidente da Caixa. Ele estima que o Brasil poderá se transformar no 2º maior mercado mundial de microcrédito em alguns anos, atrás só da Índia.

Leia a íntegra da entrevista de Pedro Guimarães ao Poder360:

Poder360 – Por que emprestar para pessoas com registro de inadimplência?

Pedro Guimarães – “Nós teremos 2 grupos de empréstimos: para pessoas físicas, até R$ 1.000 e para os MEI (microempreendedores individuais), até R$ 3.000. Para as pessoas físicas começa no dia 28 de março pelo celular, com o aplicativo Caixa Tem. Os MEIs precisam ir até uma agência da Caixa. A maioria dessas pessoas, exatamente por estar fora do sistema financeiro tradicional, toma empréstimo com agiotas. Normalmente pagando juros entre 15% e 20% ao mês. Queremos quebrar esse ciclo de juros exorbitantes, passando disso a algo a partir de 1,95%. Isso vai gerar um efeito renda muito grande”.

Quantas pessoas serão beneficiadas?

O potencial dessa oferta de crédito está ao redor de 40 milhões de pessoas. Esperamos que de 5 a 10 milhões de pessoas tomem crédito nos próximos meses. Poderemos ter até R$ 10 bilhões no total da operação em 6 meses. Já temos há 6 meses uma operação de microcrédito para meio milhão de pessoas com regras mais restritivas, a partir do risco da Caixa Econômica Federal. Essas pessoas não estão inseridas no sistema financeiro tradicional. Então não há histórico do crédito, a parte positiva. Dos 5 milhões que fizeram a demanda, 500 mil conseguiram. É uma taxa muito grande de não aceitação. E juros mais altos, em torno de 3% a 4% ao mês. Então estaríamos reduzindo essa taxa à metade.”

O que foi necessário mudar para emprestar para pessoas endividadas?

“Nós temos uma garantia implícita do fundo garantidor. Criou-se um fundo nos moldes do que existe no Pronampe [Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte] e do FGI [Fundo Garantidor para Investimentos]. Quando há uma garantia em que se limita a perda máxima do banco, a gente consegue ofertar para pessoas com um perfil de risco maior. A diferença aqui é que temos perda de 80% máximo.”

O que ajudou a cooperação entre a Caixa e o Grameen Bank, de Bangladesh?

“Eles tiveram grande aprendizado em 40 anos, 50 anos. Há parcerias. Nós vamos oferecer em troca o nosso sistema digital, que é muito mais avançado que qualquer banco em Bangladesh. Um outro grupo estará indo ao país na 3ª feira [22.mar] para Bangladesh e para o Quênia, visitar o Banco das Mulheres. Aqui, nós temos particularidades, com regiões metropolitanas de densidade populacional muito grande.”

Por que que o microcrédito demorou tanto para deslanchar no Brasil?

“Na minha opinião porque as pessoas estavam mais focadas em emprestar para grandes empresas antes desta gestão na Caixa. Houve empréstimo de R$ 50 bilhões no total para 3 grandes empresas. Uma delas entrou em recuperação judicial e não pagou à Caixa nem metade do que devia. Grandes empresas pagam o que um spread muito baixo e quando há um problema a perda para o banco é enorme. A Caixa não tem expertise em grandes empresas e não vai ter nesta gestão. O valor que ia para as grandes foi para mais de 500 mil micro e pequenas empresas. Na parte da pessoa física tinha o consignado. Em microcrédito havia uma operação com péssimo resultado, exatamente porque não tinha a parte digital, que é fundamental. No Brasil quem faz melhor, minha opinião, é o Crediamigo, do Banco do Nordeste, mas sem o digital. Parte dos pagamentos é nas lotéricas, na nossa rede de mais de 13.000 pontos de vendas. A Caixa já é parte disso. Mas queremos usar digital. Se não a gente não consegue chegar em 15 milhões de pessoas. Quando nós fomos a Bangladesh, visitamos uma vila no interior com 77 pessoas tomando crédito. Começava com 10.000 takas [moeda local]. Mas a pessoa com mais tempo já tinha 550 mil, 55 vezes o que tinha a menor. O pagamento é semanal. A pessoa que paga tem acesso a mais empréstimos. Isso é o que a gente quer aplicar aqui também. O fato de se começar emprestando R$ 1.000 não significa que é o limite no médio prazo. Há uma curva de aprendizado. No Grameen e no Banco das Mulheres a inadimplência é inferior a 5%. A consequência é de taxas de juros entre 20% e 25% ao ano, com uma inflação de 5% e taxa básica de juros de 7%. Este é o segredo: ter uma inadimplência menor possível e a consequência na taxa de juros a menor possível. Vai ser possível chegar a essas faixas aqui também em alguns anos, no dia em que nós tivermos taxas de inadimplência baixas assim, abaixo de 5%, com uma taxa básica de juros de 5% a 7% ao ano. Esse é o ideal. Dá resultado para Caixa e para a sociedade. À medida que essas pessoas crescerem e tiverem maior renda, elas vão se manter normalmente como clientes da Caixa.”

Como a pessoa faz para pegar o empréstimo de R$ 1 .000?

“As pessoas físicas podem acessar o Caixa Tem e fazer a demanda a partir de 28 de marco. Os MEIs devem ir às agências. O Caixa Tem é um aplicativo amplamente utilizado desde abril de 2020 com o início do pagamento do auxílio emergencial. Resolve-se tudo pelo aplicativo: faz a demanda e nós analisaremos o risco de crédito. Nós temos 109 milhões de contas correntes com CPFs únicos no Caixa Tem. É a mesma coisa para o saque do FGTS, que foi anunciado para 42 milhões de pessoas. Será pago também a partir do aplicativo. Pode-se realizar transferências pelo próprio aplicativo. Nós temos mais uso do Pix pelo aplicativo do Caixa Tem do que pelo aplicativo do internet banking normal para pessoas com maior renda. É uma operação muito próxima de um banco digital, com custo zero ou as menores taxas.”

Para quem não tem registro de inadimplência, vale a pena usar essa linha de crédito?

“Essa taxa de 1,95% ao mês [o patamar inicial] no crédito pessoal dificilmente você vai ter. Isso chega a ser menor até do que algum tipo de consignado. O microcrédito sem o fundo garantidor é ao redor de 3,9% ao mês. Nós retribuímos, devolvemos à sociedade em termos de menor taxa de juros, essa garantia que nós temos de até 80% do crédito.”

Qual o potencial de aumento de empréstimos consignados?

“Mais de R$ 60 bilhões só nessa parte do consignado. O que nós faremos agora é a entrada no consignado de empresas privadas, que nós não tínhamos. No caso do INSS, dos funcionários públicos ela se mantém. A Caixa agora que vai causar uma competição no mercado com a entrada do consignado para os funcionários de empresas privadas. Tem um risco maior, porque a pessoa pode ser demitida. A consequência é uma taxa maior. Mas esse é um mercado muito grande em que a Caixa tem próximo de zero de participação. A Caixa tem uma capilaridade muito grande e isso também foi uma decisão desta gestão. Nós preferimos ter relação com empresas em todos os Estados do Brasil. Quando a gente oferece um consignado para as empresas privadas, ele não vai ficar concentrado em São Paulo. Ele vai pra Pacaraima (RR), vai pra Brasiléia (AC), na fronteira, Tabatinga, na tríplice fronteira, no meio da Amazônia. Isso tem um caráter social e econômico muito melhor.”

Como será o pagamento dos até R$ 1.000 do FGTS por pessoa?

“São 42 milhões de pessoas e o total dá até R$ 30 bilhões. Começa em 20 de abril para os nascidos em janeiro e vai até o dia 15 de junho para os nascidos em dezembro. Também será pelo Caixa Tem: a pessoa não precisa ir à agência. É muito fácil fazer Pix.”

Há estimativa do resultado macroeconômico que terão as medidas anunciadas pelo governo?

“Em 2020 o impacto ficou muito claro [com o pagamento do auxílio emergencial]. Mas o impacto mais importante em termos de volatilidade, de expectativa no crescimento da economia é o que está acontecendo na Ucrânia: até que ponto isso vai impactar nos preços, por exemplo de fertilizante na própria oferta efetiva. Então o ponto importante é não só o tamanho da oferta de crédito, mas a redução das taxas de juros e a mudança estrutural. A maior operação aqui na minha opinião é o microcrédito. O consignado é excelente, mas 90% já têm. Então você está expandindo a uma taxa muito menor. O microcrédito pega pessoas que tomam empréstimos à margem do sistema financeiro, com taxas abusivas. Elas se inserem na economia formal, com um efeito renda brutal porque vão sair do pagamento de 15% a 20% ao mês para um 1,95% ao mês. A maior medida, mais importante na minha visão, essa inclusão social e se fará com o microcrédito.”

O senhor acha que o microcrédito pode ser maior no Brasil do que em Bangladesh?

“Certamente. Em Bangladesh são 32 milhões de pessoas tomando empréstimos, 9,5 milhões no Grameen Bank. Nós já temos 5 milhões de pessoas que pediram. Na minha opinião nós vamos chegar neste ano a 10 milhões de pessoas. Deveremos chegar em 3 anos a 40 milhões de pessoas. Nesta gestão o microcrédito será o principal ponto de expansão do crédito.”

Que lugar o Brasil poderá vir a ter no ranking mundial em microcrédito?

“Há a Índia, com 1,4 bilhão de pessoas. Nós iremos à Índia e ao Paquistão. A China não tem essa dinâmica de microcrédito. Se vier a ter obviamente passará o Brasil. Eu diria que, tirando a China e a Índia, o Brasil seria o maior do mundo. E de forma consistente, porque isso seria feito digitalmente, aprendendo 50 anos de história, por um banco está no Brasil inteiro com 26.000 pontos de venda. Tem que ser feito digitalmente, mas também tem que ser feito o olho no olho, em especial nas comunidades no interior do Norte e do Nordeste onde o uso do aplicativo é menor.”

A Caixa está expandindo crédito rural. Há carência de financiamento nessa área?

“Muita carência. Em especial para os pequenos produtores, em tudo, e até para os médios, na infraestrutura, silos, armazéns, correção de solo. Então a estávamos neste fim de semana no 133º Caixa Mais Brasil, viajando. Agora estivemos no interior do Espírito Santo e fizemos a 1ª visita a um criador de pimenta do reino, também ao cacau, café em todos eles, pequenos produtores, talvez 1 ou 2 médios produtores. Há potencial enorme de crescimento.”

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