Delegado Giniton Lages foi surpreendido ao ser afastado do caso Marielle
Diferenças entre policial da DH e o atual diretor da especializada pode ser um dos motivos; ele ficou sabendo de notícia através do colunista Lauro Jardim
Chico Otavio e Vera Araújo
13/03/2019 - 21:16
/ Atualizado em 14/03/2019 - 10:45
RIO — Responsável pelo inquérito do crime mais complexo que a Polícia Civil do Rio já enfrentou, o assassinato da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, o titular da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital, Giniton Lages, está deixando o caso. Depois de cumprir o que ele chamou de primeira etapa da investigação, com provas técnicas contra os suspeitos de atirar e outro de dirigir o Cobalt prata usado na emboscada, o delegado irá tirar seis meses de férias. No fim do ano passado, Giniton já havia demonstrado cansaço, mas não havia sinais de que sairia antes de achar o mandante do crime e nem de descobrir a motivação. Nos corredores da especializada o comentário é de que o fator decisivo para a sua saída foram as diferenças entre ele e o atual diretor do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP), Antônio Ricardo Lima Nunes. Giniton foi surpreendido pela notícia, e ficou sabendo através da
publicação feita na coluna de Lauro Jardim
.
Giniton, homem de confiança do ex-chefe de Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, foi escolhido por ele para ser o titular da DH. Logo de cara, recebeu a incumbência de elucidar o caso Marielle, três dias após o crime. As reviravoltas durante a investigação causaram um certo desgaste de Giniton, mas ele seguia firme focado no caso. Até que, com a mudança de governo, Antônio Ricardo assume a direção do DGHPP, criado pelo secretário de Polícia Civil, Marcus Vinicius Braga. O pano de fundo para os desentendimentos entre Giniton e Antonio Ricardo foram justamente as investigações do homicídio da parlamentar e do motorista.
Para manter sigilo total, o titular da DH só abria o caso para dois investigadores da sua inteira confiança e as duas promotoras do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O medo de vazamento era grande. Antônio Ricardo, que não escolhera Giniton para o cargo, mas teve que aceitá-lo porque o secretário de Polícia Civil e o governador Wilson Witzel confiavam no trabalho do delegado, não se sentia à vontade em não participar do passo a passo da investigação. Embora fosse o diretor, o seu acesso aos dados do inquérito, inclusive por computador, era bloqueado. A atmosfera ficou pesada entre os dois. Giniton e Antônio Ricardo não se pronunciaram a respeito.
No entanto, num evento no Palácio Guanabara nesta quarta-feira, o governador, Wilson Witzel, disse que, em reconhecimento ao trabalho de Giniton no caso Marielle, sugeriu que o delegado se dedicasse a um “programa de intercâmbio” com a polícia italiana. Ao fim da cerimônia, no qual pesquisadores do Museu Nacional tiveram bolsas de emergência outorgadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Witzel afirmou que Giniton foi convidado pessoalmente por ele na terça-feira, após a coletiva deles sobre a prisão do policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz, suspeitos do homicídio de Marielle e Anderson.
Witzel afirmou que Giniton estava “esgotado” após conduzir as investigações da primeira etapa do caso e, que tinha a chance de “trocar experiências” entre o Rio e outras instituições estrangeiras, como a polícia italiana e o FBI. O delegado terá a oportunidade de ter quatro meses para participar de iniciativas nesse sentido.
— O delegado Giniton trabalhou nesse caso e acumulou muita informação. Nós já estávamos trabalhando em um programa de intercâmbio com a polícia italiana e dos EUA, inclusive ontem recebi o FBI aqui. Então estamos com vários intercâmbios para fazer. Como ele está com experiência adquirida e nós estamos com esse intercâmbio com a Itália exatamente para estudar máfia e movimentos criminosos, ele vai fazer essa troca de experiência. Eu ontem fiz esse convite, para saber se ele poderia ser o elemento de ligação com este convênio e passar quatro meses no intercâmbio, montando um programa de aperfeiçoamento dos nossos delegados — disse o governador.
Witzel descartou qualquer indicação de que Giniton foi afastado ou exonerado, afirmando que o delegado apenas assumirá novas funções, iniciando o que chamou de “nova fase”. De acordo com o governador, autoridades italianas também virão ao Brasil para a colaboração, previamente acertada com a ministra da Defesa italiana, Elisabetta Trenta. O convite, ainda segundo ele, não compromete o futuro das investigações, ainda que o delegado tenha acompanhado o caso ao longo dos últimos meses, sendo um dos principais nomes:
“Fiz o convite porque ele estava cansado, esgotado. O conhecimento da investigação foi compartilhado com outros delegados. Não foi o Giniton que colheu as provas, mas quem direcionou”
Wilson Witzel
Governador
— Fiz o convite porque ele estava cansado, esgotado. O conhecimento da investigação foi compartilhado com outros delegados. Não foi o Giniton que colheu as provas, mas quem direcionou. Neste momento, você colocar outra pessoa que esteja até mais tranquilo para continuar é natural. É uma questão até de melhoria da capacidade investigativa. Neste momento ele tem outra missão: colaborar para disseminar o que foi adquirido.
O governador também não quis dar o nome do substituto de Giniton na fase da investigação para descobrir o mandante do crime, uma vez que “não interfere” em decisões do tipo.
— Não interfiro na indicação de delegados e autoridades da Polícia Civil. O máximo que posso fazer é discutir uma estratégia de investigação a partir da minha experiência como juiz criminal, como no caso Marielle. Haviam elementos para a prisão dos executores, então minha orientação foi a de que fizéssemos imediata prisão, até para não perder essa prova — disse o governador.
Sobre acusações que classificou como “o maior absurdo”, Witzel também afirmou que nunca “vilipendiou” a memória de Marielle Franco. Sobre a nova fase da investigação, o governador afirmou que ela se baseará mais em análise de documentos que na utilização da telemática, técnica que cruza serviços de telecomunicação e que foi utilizada para encontrar os dois executores.
Nesta quarta-feira, Witzel participou de uma reunião com os pais de Marielle e representantes da Anistia Internacional. Segundo Marinete, mãe da vereadora morta, ele se desculpou por estar em ato em que dois candidatos a deputado rasgaram a placa com o nome de Marielle.
A vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes são mortos a tiros por volta de 21h na Rua João Paulo I, no Estácio. Os tiros partiram de um Cobalt Prata que emparelhou com o Chevrolet Agile Branco no qual a vereadora seguia para sua casa.
O velório (15/03/2018)
Milhares de pessoas acompanham o velório na Câmara Municipal de Vereadores. Os corpos chegam por volta de 14h30 e são recebidos sob aplausos. Após a cerimônia, o cortejo com segue para o Cemitério do Caju, onde Marielle é enterrada. Anderson foi levado para Inhaúma.
A repercussão (15/03/2018)
O presidente Michel Temer afirma que os assassinatos são como um “atentado ao Estado de Direito e à democracia”. Na ocasião, ele coloca o ministro Raul Jungmann e a Polícia Federal para auxiliar nas investigações. Artistas e jornais estrangeiros também se manifestam sobre crime.
Mentiras na internet (16/03/2018)
Mentiras sobre Marielle pipocam na internet. Sites afirmam que a vereadora teria sido casada com traficante Marcinho VP e eleita com dinheiro do tráfico, entre outras informações. Todos os boatos foram desmentidos, com suas origens identificadas e acionadas judicialmente.
As homenagens (18/03/2018)
Em show no Rio, cantora Katy Perry homenageia Marielle com imagem em telão. No mesmo dia, vereadora foi lembrada por padre durante missa em Ipanema e roda de samba no Bip Bip, em Copacabana. Padre e dono do bar foram atacados por homenagens.
As duas testemunhas do crime foram localizadas pelo GLOBO e revelaram dados como horário e local exatos, detalhes da abordagem, rota de fuga dos criminosos, além de características do autor dos disparos.
Marcelo Siciliano e Orlando de Curicica (08/05/2018)
Um homem que trabalhou para um dos mais violentos grupos paramilitares do Rio conta à polícia, em troca de proteção, que o vereador Marcello Siciliano (PHS) e o ex-PM Orlando Oliveira de Araújo queriam a morte da vereadora Marielle.
Lentidão (11/07/2018)
Os membros da comissão da Câmara dos Deputados que acompanha a investigação dos assassinatos criticam a morosidade dos trabalhos. Segundo eles, desde que a comissão foi criada, na manhã seguinte ao crime, não houve nenhuma resposta concreta das autoridades competentes relacionada ao caso.
Cachorro louco (24/07/2018)
A polícia prende o policial militar reformado Alan de Morais Nogueira, conhecido como Cachorro Louco. Ele é suspeito de ser um dos ocupantes do carro em que estavam os executores da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. No mesmo mês, outros dois suspeitos de envolvimento com o caso foram presos.
Escritório do crime (18/08/2018)
A polícia descobre a existência de um grupo de elite de matadores no Rio. Formado por policiais e ex-policiais, o grupo é altamente especializado em execuções por encomenda, sem deixar pistas, e é apontado como possível autor dos assassinatos.
Um vídeo gravado no domingo anterior à eleição mostra o então candidato Wilson Witzel (PSC) junto com Daniel Silveira, eleito deputado federal, e Rodrigo Amorim, deputado estadual mais votado do Rio - ambos do PSL -, com placa em homenagem à Marielle partida no meio durante ato de campanha em Petrópolis.
Polícia sob suspeita (07/11/2018)
Em entrevista ao GLOBO, Orlando Curicica afirma que a Polícia Civil não tem interesse em elucidar o caso Marielle. Segundo ele, o chefe Rivaldo Barbosa e outros policiais montaram uma rede de proteção a criminosos envolvidos em assassinatos. Declarações levaram à entrada de Polícia Federal nas investigações.
Censura (17/11/2018)
A TV Globo é notificada de decisão judicial que impede a emissora seja proibida de divulgar o conteúdo de qualquer parte do inquérito policial que apura os assassinatos. Na sentença, o juiz diz que "o vazamento do conteúdo dos autos é deveras prejudicial", por supostamente expôr testemunhas e prejudicar investigações.
Mangueira (05/03/2019)
No enredo sobre os heróis esquecidos do Brasil, a homenagem a Marielle era um dos momentos mais esperados. Na pista, as referências à vereadora apareceram na comissão de frente e na última ala. Torcedores exibiam placas com os dizeres que lembravam a parlamentar. Após levar o Estandarte de Ouro de Melhor Escola, a Mangueira se sagrou campeã com o desfile.
Quem matou? (12/03/2019)
O PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz são presos na operação Lume, feita pela Polícia Civil em parceria com o Ministério Público Estadual. Eles são apontados como suspeitos de participarem da executar Marielle e Anderson. Porém, os mandantes do crime continuam desconhecidos.