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Resgate e abrigos de animais no RS vão de coelho a calopsita; veja relatos e vídeo de voluntários

Bichos estão perdidos ou em espaços ‘anexos’ aos abrigos de suas famílias; conheça histórias

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Foto do author Priscila Mengue
Foto do author Leon Ferrari
Por Priscila Mengue,Leon Ferrari e Vincenzo Calcopietro
Atualização:

Do cavalo Caramelo a outros tantos anônimos, mais de 11,9 mil animais foram resgatados das enchentes que devastam o Rio Grande do Sul, de acordo com a Defesa Civil. O próprio governo do Estado tem destacado que os dados são parciais diante do alto número de salvamentos realizados por voluntários e organizações sociais, de modo que deve aumentar ao longo dos dias.

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Um mapeamento dos espaços que receberam esses bichos foi lançado na terça-feira, 14, pelo Gabinete de Crise da Causa Animal do Estado. Segundo voluntários, os resgates salvaram cães, gatos, cavalos, coelhos, calopsitas, porcos, galinhas e outras tantas espécies. Parte desse contingente se reencontrou com as famílias, enquanto outros estão em abrigos e lares temporários.

A força-tarefa de resgate e cuidados desses animais envolve milhares de voluntários, alguns até vindos de outros Estados, assim como agentes do poder público. Há médicos veterinários, biólogos e pessoas com as mais diversas profissões, muitas nunca antes ligadas à proteção animal.

As buscas ainda seguem em curso na região metropolitana de Porto Alegre, onde as enchentes persistem e reduzem em ritmo lento. Também há especial preocupação com a região sul do Estado, que vive o pior momento do desastre climático nesta quinta-feira, 16. Em Pelotas, por exemplo, os estádios dos dois times tradicionais de futebol — Esporte Clube Pelotas e Grêmio Esportivo Brasil — têm recebido animais de famílias moradoras de áreas evacuadas.

Entre voluntários, fala-se na necessidade de discutir medidas para as próximas semanas, a fim de facilitar o reencontro das famílias e — no caso daqueles que restarem sem lar ou já estavam em situação de rua — e a promoção de uma grande campanha de doação quando a situação estiver mais “normalizada”. Além disso, há a preocupação na continuidade e ampliação desses trabalhos também como uma medida de saúde pública.

Segundo os voluntários, os animais costumam chegar um pouco debilitados e estressados, com fome, molhados, às vezes machucados. Hospitais de campanha e ambulatórios veterinários improvisados foram criados nas proximidades das áreas de resgate, assim como em outros locais de referência, uma parte ligados à sociedade civil e outra ao poder público.

Os procedimentos básicos após o resgate dos pets são secar, alimentar, acolher e avaliar o estado de saúde. Se estão sozinhos, são destinados a abrigos ou lares temporários. No caso de famílias desabrigadas, parte dos bichos fica em áreas reservadas, principalmente aqueles de maior porte.

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Médica veterinária e professora da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Viviane Pinto, de 50 anos, é uma das veterinárias responsáveis pela área de animais de um abrigo no Jardim Lindóia, na zona norte de Porto Alegre. “Tanto tutores quanto os animais chegam com profunda tristeza”, conta. “O fato de (as pessoas) poderem estar perto de seus animais ajuda a amenizar”, avalia.

Com o passar dos dias e a possibilidade de um retorno gradual a uma “normalidade”, a veterinária teme uma redução ainda maior na força de trabalho. “Está bem difícil ter um número suficiente. O que mais precisamos é de voluntários”, aponta.

‘A gente vê aqui, todos os dias, pessoas que perderam tudo, mas que são extremamente gratas porque têm os seus animais’

Além dos espaços voltados a animais perdidos, também há os que funcionam como “anexos” dos abrigos para a população em geral. É o caso da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, na qual grande parte das famílias são do Humaitá e Navegantes, dois bairros afetados pelas enchentes na capital gaúcha.

Por lá, cerca de 70 animais têm recebido cuidados de pessoas ligadas ao Hospital de Clínicas Veterinárias e à Faculdade de Veterinária, além de voluntários em geral. “A gente consegue perceber nitidamente o papel importante que esses animais têm nessas famílias. Na verdade, os animais são da família”, conta a médica veterinária Gabriela da Cruz Schaefer, de 36 anos.

Embora parte deles fique separada dos seus pets, os desabrigados vão ao espaço para passear, dar atenção e ajudar nos cuidados. “A gente vê aqui, todos os dias, pessoas que perderam tudo, mas que são extremamente gratas porque têm os seus animais”, relata.

Segundo a veterinária, alguns animais somente aceitam ser medicados ou comer se o seu responsável estiver junto. “A gente percebe como é importante para essas famílias ter o animal próximo, porque acaba sendo um ponto de apoio.”

Abrigo de animais improvisado em um shopping de Porto Alegre Foto: Nelson Almeida/AFP

Montado às pressas diante do avanço da enchente pela cidade, o espaço tinha uma estrutura menos resistente a intempéries. Foi melhorado nesta semana após a doação de tendas e toldos por um influenciador digital.

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A médica veterinária destaca que esse trabalho também é importante como uma medida de saúde pública, para evitar a disseminação de doenças. No local, que conta com cerca de 50 voluntários, os animais recebem vermífugo, anti-pulgas e outros cuidados necessários e, quando há maior complexidade, são encaminhados para o hospital de veterinária.

Ela ressalta a necessidade de cuidados com o bem-estar desses animais, pois muitos vivenciaram situações traumáticas, ficaram na água ou passaram dias sem comida. Além de cães e gatos, também há um coelho e uma calopsita no local.

‘Voluntariado não terminará após os resgates’

A designer de interiores Marina Pilotti Rosa, de 33 anos, está na organização de um abrigo exclusivo para gatos (o que também é chamado de gatil). O espaço foi montado em cerca de dois dias em um imóvel cedido por uma empresa diante da necessidade de separar os felinos dos demais animais resgatados. Em parte, funciona como uma primeira parada antes de serem encaminhados para um lar temporário ou a identificação de suas famílias.

Gatil temporário foi criado em imóvel para receber felinos resgatados em Porto Alegre Foto: Arquivo pessoal/Marina Pilotti Rosa

Segundo ela, os animais são oriundos de resgates que desembarcam em Porto Alegre, o que inclui ilhas e bairros da capital gaúcha e os municípios vizinhos de Eldorado do Sul e Guaíba. “Estamos resgatando todos os bichos, galinhas, porcos, cavalos, javalis, toda a vida importa por aqui, não estamos deixando ninguém para trás”, diz Marina, que antes estava como voluntária nas áreas de resgates.

Como outros tantos voluntários neste momento, a designer não atuava em uma organização de proteção aos animais ou algo do tipo. “Com a enchente, a necessidade fez com que eu passasse a me doar 100%”, diz. “Muitos veterinários de outros estados vieram e muitos outros estão por vir.”

Além disso, destaca que os trabalhos seguirão por semanas, até meses. “O voluntariado não terminará após os resgates, a maioria das pessoas perdeu suas casa e não pode retornar e nem estar novamente com seus bichinhos. Muitas famílias mal recebem os suprimentos e os atendimentos necessários das prefeituras. O sentimento de impotência e exaustão é enorme por aqui”, conta.

“Acredito que, após os resgates, teremos tratamentos longos com alguns bichinhos e teremos que reestruturar nossos abrigos para poder abrigá-los e poder encaminhá-los para um lar novamente.”

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‘Só com a coragem, um bote, um caiaque e mais o meu amigo’

Dirceu Ramos, de 44 anos, começou a ajudar os atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul por meio da arrecadação de roupas e alimentos. Com o avanço das águas por Porto Alegre uma maior mobilização, decidiu-se então se unir aos trabalhos de resgate de pessoas e animais atingidos.

Profissional autônomo e morador de um bairro não afetado pela inundação, diz-se totalmente voltado aos resgates. No início, o material utilizado era mais improvisado. “Estava só com a coragem, um bote, um caiaque de dois lugares, eu e mais o meu amigo — que está comigo nessa desde o início — dois coletes e dois remos. Esse era o nosso equipamento.”

Arquivo pessoal/Dirceu Ramos Foto: Arquivo pessoal/Dirceu Ramos

Com as doações e uma vaquinha ainda em curso, conseguiram roupas de neoprene, a fim de se proteger das baixas temperaturas da água, ainda mais com a queda de temperatura dos últimos dias. Mesmo assim, algumas coisas ainda faltam, como luvas e lanternas. Mesmo com as dificuldades, diz que “não faz mais do que a obrigação”.

‘Cuido deles da forma que gostaria que cuidassem da minha cachorra’

Moradora de um bairro não atingido em Porto Alegre, a funcionária pública Vittoria Ben, de 27 anos, está há mais de uma semana como voluntária na parte voltada a animais de um abrigo no bairro Jardim Lindóia, na zona norte. O espaço é voltado a acomodar os gatos e cachorros das pessoas que estão vivendo no local por tempo indeterminado.

“Sei que, em muitos casos, como o meu, os animais são a principal companhia das pessoas. Vou ao abrigo cheia de amor e carinho, e cuido deles da forma que gostaria que cuidassem da minha cachorra”, relata. “O principal desafio é garantir o mínimo bem-estar para todos em condições tão difíceis, tendo que mantê-los presos durante muito tempo do dia. Cada animal tem um jeito diferente, e é preciso entender como cada um reage”, completa.

Vittoria é voluntária na parte de cuidados com animais de um abrigo em Porto Alegre Foto: Arquivo pessoal/Vittoria Ben

Embora não seja veterinária, ela se sentiu mais preparada para se voluntariar na parte de cuidado com os bichinhos, em funções de limpeza, organização, passeios e alimentação. “Tenho uma cachorrinha que é o amor da minha vida. Sempre gostei muito de animais e sempre tive uma certa sensibilidade com eles. Sinceramente, não sei o que eu faria se tivesse me separado dela nas enchentes. Só de imaginar sinto uma dor absurda”, justifica.

Porto Alegre tem abrigo improvisado até em escolinha de inglês

Auxiliar técnico em uma escolinha de futebol, Brayan Barreto, de 22 anos, é voluntário em um abrigo montado na garagem de uma escola de inglês no Três Figueiras, bairro que não foi inundado em Porto Alegre. O espaço está com cerca de 26 cães de diferentes portes, separados com separações feitas com pallet, a fim de evitar conflitos.

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Uma parte também é destinada a lares temporários. “Tem animais de médio até grande porte. Chegam nervosos ou estressados, mas, geralmente, só ameaçam, não brigam.”

Com seis cães e sete gatos em casa, o jovem está entre os voluntários que se dividem em três turnos no local. São cerca de 15 pessoas para cada período. “Sempre recolhi animais da rua. Tento ajudar a causa animal”, conta.

Uma parte dos animais que chegam ao abrigo são, depois, destinados a lares temporários. Nesses casos, responsáveis provisórios se cadastram e ficam responsáveis pelos animais. Por enquanto, ao menos dois foram encontrados e voltaram para suas famílias.

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