Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1441/20.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
Sumário:A acção considera-se proposta na data em que é apresentado o pedido de nomeação de patrono.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

R..., nacional do Egipto, vem interpor recurso da sentença datada de 18/12/2020, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu o Ministério da Administração Interna da instância.
Apresentou as seguintes conclusões com as alegações de recurso:
“1. O Recorrente, com as limitações geradas pelo próprio contexto em que decorreram os factos sobre a actividade probatória, para efeitos da previsão do art. 3.º, e do art. 5.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Lei n.º 27/2008, inequivocamente: (i) encontra-se fora do país da sua nacionalidade; (ii) apresentou um receio fundado (de perseguição); (iii) foi perseguido; e (iv) não pode beneficiar (por razões óbvias) da protecção do Estado da sua nacionalidade.
2. Verificam-se, portanto, todos os requisitos de que depende a concessão de protecção subsidiária.
3. Por outro lado, o tribunal a quo reconhecendo abstractamente possível a aplicação da previsão do art. 7.º, da Lei n.º 27/2008, sustentou não ser possível apreciar a causa suscitada, com fundamento num argumento formal-legal, considerando estar demonstrado preenchimento da norma daquele artigo no presente caso, rejeitando apreciar o recurso e absolvendo da instância o R nos termos do artigo 89.º, n.os 2 e 4, alíneas i) e k), do CPTA.
4. Existem elementos nos autos e fora deles que põem em causa, de forma objectiva a asserção retirada pelo tribunal a quo e impõem outra interpretação da lei, apoiada na indispensável osmose da realidade notória que vivemos e ninguém, muito menos um tribunal enquanto bastião da salvaguarda do Estado de Direito e dos direitos liberdades e garantias fundamentais pode recusar, e a credibilidade do Recorrente não pode igualmente ser posta em causa, sem apoio em quaisquer factos ou elementos contrários, como não existem.
5. Caso tivesse sido respeitado o acervo normativo acima citado, incluindo o ponto 204, do Manual de Procedimentos do ACNUR, o processo não teria sido liminarmente indeferido e teria sido admitido para a segunda fase, nela se procedendo à adequada instrução dos autos que permitiria a averiguação mais aprofundada dos factos alegados pelo Recorrente, com vista à decisão final sobre o seu pedido.
6. Ao não entender assim, o douto acórdão recorrido viola o disposto nos art.º s 7.º, n.º 2, e art. 5.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º 27/2008, devendo por isso ser revogado e substituído por outra decisão que salvaguarde os direitos legalmente consagrados na lei para o recorrente e outras pessoas em condições idênticas às do recorrente e a atribuição de residência provisória até à decisão final sobre a pretensão do Recorrente, após a instrução e sem prejuízo da liberdade de decisão a final sobre a matéria. Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, e revogada a douta sentença recorrida, COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA!”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O Digníssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que concluiu pela improcedência do recurso por entender que o Recorrente, para além de não ter impugnado a matéria de facto, não invoca qualquer situação de justo impedimento, de relevante valoração, que permitisse ilidir a procedência da excepção de caducidade do direito de acção.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção de Contencioso Administrativo para decisão.
Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se o Tribunal a quo errou ao ter declarado a procedência da excepção de caducidade do direito de acção.
*
Dos factos.
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:

1. Em 23.06.2020, o A. apresentou um pedido de protecção internacional junto do R., o qual foi autuado sob o n.º 547/20 (cf. cópia da declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional junta a fls. 107 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

2. Em 07.07.2020, foi proferido despacho pelo Senhor Director Nacional Adjunto do SEF, considerando o pedido de protecção internacional a que se alude no ponto anterior inadmissível, com base nos artigos 19.º-A, n.ºs 1, alínea e), e 2, e 33.º, n.º 6, ambos da Lei n.º 27/2008, de 30.06 (cf. cópias da informação e decisão juntas a fls. 159-163 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

3. Em 10.07.2020, o A. foi notificado da decisão referida no ponto anterior (cf. cópia do termo de notificação junta a fls. 165 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

4. Em 16.07.2020, através de correio electrónico, o A. remeteu, em nome próprio, um pedido de apoio judiciário junto dos serviços de segurança social tendo em vista a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e a nomeação e pagamento da compensação de patrono (cf. cópias da mensagem electrónica, requerimento de apoio jurídico e ofício juntas a fls. 167-171 e 645-647 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

5. Em 04.08.2020, a Ordem dos Advogados nomeou o apresentante da petição dos presentes autos de acção administrativa urgente para patrocinar o A. (cf. cópia do ofício junta a fls. 22 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

6. Em 18.08.2020, o A. apresentou a juízo a petição inicial dos presentes autos de acção administrativa urgente, através do Ilustre Mandatário nomeado (cf. comprovativo de entrega do articulado junto a fls. 1-2 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).”
Direito
Da caducidade do direito de acção.
Alega o Recorrente que a sentença recorrida sofre de erro de julgamento ao ter declarado a caducidade do direito de acção e absolvido o Recorrido da instância.
Para tanto, diz quefoi inibido de cumprir o prazo de meros 4(!) dias plasmado na lei pelo facto de os serviços da segurança social estarem encerrados para atendimento ao público, o que é um facto do domínio público que não pode ser ignorado” e que “só após várias insistências infrutíferas para ser atendido presencialmente, incluindo a vã tentativa de obter marcação e cumprir o prazo de 4 dias, que é uma probatio diabólica de empreender e demonstrar detalhadamente pelo Recorrente nesta sede dado tudo se passar em comunicação telefónica, que em desespero de causa o Recorrente solicitou via e-mail, ainda assim contra as advertências dos serviços da segurança social, a concessão de apoio judiciário para impugnar jurisdicionalmente a decisão do R.”.
Através de despacho datado de 07/07/2020, o Director Nacional Adjunto do SEF decidiu que o pedido de protecção internacional subsequente que o ora Recorrente apresentou é inadmissível à face do disposto no art.º 19.º-A, n.º 1, al. e) e n.º 2 e ainda do art.º 33.º, n.º 6, ambos da Lei de Asilo, aprovada Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio.
Tal despacho foi comunicado ao Recorrente a 10/07/2020.
O Recorrente tinha quatro dias para intentar a acção (art.º 33.º, n.º 6 da Lei de Asilo).
Estatui o artigo 33.º, n.º 4.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
A 16/07/2020, o Recorrente formulou o pedido de apoio judiciário, que remeteu para os serviços da Segurança Social, por meios electrónicos, em que pediu a dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e a nomeação e pagamento da compensação de patrono.
Nesta última data já tinha decorrido o referido prazo de quatro dias para intentar a acção, que terminou a 14/07/2020.
O Recorrente não invoca qualquer razão que o tivesse impedido de apresentar o pedido de apoio judiciário por via electrónica ainda dentro do prazo de quatro dias de que dispunha.
O Recorrente em 29/01/2017 apresentou pedido de protecção internacional, que foi considerado infundado por despacho de 12/10/2017. Impugnou esse despacho junto do TAC de Lisboa (proc. n.º 2895/17.0BELSB), não tendo obtido ganho de causa. A 29/11/2018 apresentou um pedido subsequente de protecção internacional que foi considerado inadmissível por despacho de 16/01/2019. A 22/08/2019 apresentou novo pedido subsequente de protecção internacional, que foi considerado inadmissível por despacho de 28/10/2019. Tendo recorrido deste último despacho para o TAF de Coimbra (proc. n.º 717/19.6BECBR), não obteve provimento.
No âmbito dos referidos processos judiciais, o Recorrente foi assistido por patrono nomeado no âmbito do apoio judiciário (cfr. fls. 64 a 67 do P.A. a fls. 268 do SITAF, o P.A. de fls. 192 do SITAF e ainda as petições iniciais dos referidos processos nºs 2895/17.0BELSB e 717/19.6BECBR, no SITAF), pelo que não se trata de pessoa desconhecedora dos meios que a ordem jurídica lhe confere para assegurar os seus direitos. Apesar de, em anteriores procedimentos, ter beneficiado do apoio do CPR, constata-se que no âmbito do procedimento em que foi praticado o despacho que agora vem impugnar, não autorizou que se desse conhecimento ao CPR do pedido subsequente de protecção internacional por ele apresentado (fls. 43 do P.A. de fls. 192 do SITAF).
Para além disso, o Recorrente não suscitou a questão que agora invoca junto do TAC de Lisboa. Apesar de ter sido notificado por esse Tribunal para, querendo, se pronunciar sobre a indiciada caducidade do direito de acção, nada disse (cfr. fls. 649 e 652 do SITAF).
Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – cfr. ac. do TCA Sul de 22.9.2016, proc. n.º 13594/16. Veja-se, no mesmo sentido, o ac do STA de 27/4/2016, proc. n.º 0288/15 ou o ac. do STJ de 14.5.2015, proc. n.º 2428/09.1 TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Pelo que não se pode formular qualquer censura à sentença recorrida, que se mantém.

Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Sem custas – art.º 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.

Lisboa, 18 de Março de 2021

O relator consigna, nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Juízes Desembargadores que integram a formação de julgamento.

Jorge Pelicano

Celestina Castanheira

Carlos Araújo

(em substituição)