Doria reduz peso de universidades no Condephaat; meio vê desmonte

Composição do conselho de patrimônio foi modificada em decreto desta terça (16)

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O edifício Louveira, na praça Vilaboim, região central de São Paulo, é um dos bens tombados pelo Condephaat
O edifício Louveira, na praça Vilaboim, região central de São Paulo, é um dos bens tombados pelo Condephaat - Danilo Verpa/Folhapress
 
São Paulo

Um decreto do governador João Doria (PSDB) publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, nesta terça (16), modificou a composição do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico). 

A alteração era aguardada com apreensão por profissionais ligados à preservação do patrimônio, que temiam o que de fato aconteceu: uma diminuição dos representantes indicados pelas universidades paulistas para o conselho.

​À Folha, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa, à qual o conselho é ligado, disse que "todas as modificações foram cuidadosamente estudadas e analisadas com a finalidade de garantir que o conselho seja mais eficiente e eficaz, acelerando as decisões e aumentando o rigor técnico em benefício da sociedade". 

Antes da mudança representada pelo decreto 64.186 de 15 de abril de 2019, eram 12 representantes das universidades, em uma mesa de 30 conselheiros; agora, eles serão 4, de um total de 24, além de um representante do MAE, Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, que já tinha um assento.

Uma petição pela revogação do decreto já circula na internet. Ela foi iniciada por Marcelo Tupinambá, a partir de uma carta que circulava desde cedo em e-mails.

Coordenador do Museu Casa de Mario de Andrade, que pertence ao estado, Tupinambá diz que publicou a petição como "se estivesse cumprindo uma função digital do pessoal analógico, da velha guarda".

Ele vê as mudanças no bojo do posicionamento do governo do estado com relação à cultura; um contingenciamento na área, ameaçando o funcionamento de equipamentos como a Casa Mario de Andrade, chegou a ser dado como certo, o que o governo depois negou.

"Estamos lutando pela discussão pública. O governo do estado tem de compor com a opinião pública e com os profissionais que estão há muito tempo trabalhando nisso. Estamos nos mobilizando para que haja pelo menos uma conversa com esses setores."

Ainda segundo a secretaria, "o compromisso é fazer o Condephaat responder adequadamente e rapidamente aos anseios da população paulista".

"Buscou-se também a premissa de tornar o Conselho paritário, ou seja, ter número equivalente de membros do governo e da sociedade civil – o que, por princípio, deveria ser a composição deste e de todos os Conselhos de Estado - garantindo um equilíbrio plural."

O arquiteto Walter Pires, do DPH (Departamento do Patrimônio Histórico), que recebeu a carta e a enviou a Tupinambá, trabalhou no Condephaat na década de 1980 e foi conselheiro do órgão.

Há mais de 20 anos atuando no patrimônio municipal, Pires disse ter repassado a carta pois acha que ela representa bem a visão dos colegas da área.

Em um seminário realizado nesta terça, diz ele, todos os que ouviu foram "unânimes em considerar que o decreto é um retrocesso em relação à representação especializada dentro do Condephaat".

Além de pedir a revogação do decreto, a petição diz que o Condephaat sofre um desmonte e deixa de ser um conselho de Estado para se tornar de governo. 

Até a modificação, as três universidades estaduais —USP, Unesp e Unicamp— indicavam nomes de seus departamentos de história, geografia, antropologia ou sociologia e história da arquitetura ou equivalente.

Com isso, representavam o principal corpo de saberes técnicos nas áreas defendidas pelo Condephaat.

Segundo a secretaria de cultura, "as universidades terão presença proporcional à de outros órgãos da sociedade civil". "Serão 5 representantes em um total de 24 conselheiros, ou cerca de 20% do total" —a conta inclui o MAE, único órgão que representa estritamente a arqueologia nas duas composições.

Agora, as universidades, às quais se somou a Unifesp, devem apresentar ao secretário da Cultura e Economia Criativa, pasta da qual depende o conselho, uma lista tríplice, acompanhada do currículo dos indicados, para que o governador escolha a partir dela os representantes e suplentes —suplentes são outra novidade trazida pelo decreto.

O mesmo procedimento vale para a indicação do nome que representará o MAE.

O conselho terá um presidente e um vice-presidente, ambos designados pelo governador, e a Secretaria de Cultura e Economia Criativa terá quatro assentos, em vez de cinco.

Além disso, têm lugar no conselho a Secretaria de Governo e as pastas da Fazenda e Planejamento, Infraestrutura e Meio Ambiente, Habitação, Desenvolvimento Regional e Turismo, além da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e a Cetesb.

Os nomes serão indicados pelos dirigentes de cada instância.

Além da redução dos representantes das universidades, o novo conselho contará com a participação de profissionais de notório saber nas áreas de história da arte e arquitetura, urbanismo e patrimônio imaterial.

Esses nomes serão indicados diretamente pelo secretário de Cultura e Economia Criativa e designados pelo governador.

Ainda segundo a pasta da cultura, "a inclusão prevê suprir a necessidade de opiniões especializadas sobre temas específicos, contribuindo nas discussões e na agilidade das decisões do conselho".

Os três profissionais, diz a secretaria, "serão definidos por meio de exigente avaliação de seus conhecimentos na área de preservação do patrimônio cultural e comprovação de atuação profissional relevante".

Na nova composição, a APM (Associação Paulista de Municípios) ganhou um assento. Para Walter Pires, isso é um equívoco.

Na opinião do arquiteto, os municípios, que podem ser afetados pelas decisões de tombamento, devem ser ouvidos posteriormente a essas decisões, "no âmbito administrativo", cabendo ao conselho a discussão técnica.

Para a secretaria, a APM "representa o interior do Estado, pouco representado na configuração anterior".

SEM DELIBERAÇÕES

No começo do ano, as entidades que detinham assentos no Condephaat deveriam ter recebido cartas solicitando indicações para o novo biênio, o que não ocorreu, porque Doria preparava a mudança. 

Com isso, o órgão já está há mais de um mês sem deliberar, embora tenha mantido suas funções administrativas, exercidas por servidores da Secretaria de Cultura e Economia Criativa.

Procurada pela Folha, a secretaria havia dito, no último dia 12, que a mudança por vir visava "formar uma comissão paritária e, ao mesmo tempo, representativa", garantindo "a qualidade técnica do conselho" e aumentando "sua eficiência, eficácia e agilidade".

A questão da representatividade já havia marcado o biênio anterior do conselho, cuja composição fora alterada em 2017 por decreto do governador Geraldo Alckmin (PSDB), também sem discussão prévia com o corpo de conselheiros.

Em entrevista à revista Veja em setembro do ano passado, o então presidente do Condephaat, o arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin, havia dito que o fato de haver 12 professores universitários entre os 30 conselheiros fazia com que os encontros do órgão parecessem “reuniões de departamento” e que faltava “dinâmica do resto da sociedade”.

O episódio ocasionou uma moção de desagravo por parte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP —Faggin é livre-docente do departamento de história da faculdade. 

Segundo o texto da petição que circula na internet, a nova composição "garantirá hegemonia do governo Doria, por meio de seus indicados diretos e indiretos".

​"Com a maioria, será possível reverter decisões históricas, arquivar tombamentos sob critérios políticos, clientelistas e espúrios, e aprovar projetos dos grandes interesses políticos e econômicos. Todos causarão imensuráveis e irreversíveis danos ao patrimônio cultural e natural paulista —seja de imóveis isolados às áreas naturais, de bairros a centros históricos", diz o texto.

A carta diz ainda que "Doria promove na prática o desmonte de um dos órgãos de patrimônio mais consolidados no Brasil, reconhecido pela sociedade e pela academia e comprovado na bibliografia nesses 50 anos de existência" —o órgão comemorou seu cinquentenário em 2018.

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