Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Caso do anestesista preso por estupro nos lembra o valor das enfermeiras

Precisamos ainda enfrentar estereótipos, como os que associam a profissão a um objeto sexual

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Nesta semana acompanhamos horrorizadas o estupro de uma mulher no momento de seu parto. Giovanni Quintella Bezerra estupra a vítima na sala de parto e com a presença de outros profissionais de saúde.
É uma cena estarrecedora e aviltante à humanidade da violentada. O estuprador foi preso em flagrante na segunda após ser filmado cometendo o abuso.

A equipe de enfermagem desconfiou do anestesista em outros partos de que ele participou e decidiu pôr um aparelho celular em lugar estratégico para registrar a violência. Importante notar que o estuprador foi preso por causa do trabalho dessa equipe de enfermagem feminina, atenta e sensível.

Na ilustração de fundo rosa, aparecem duas mãos, negras, com unhas cor de rosa e manga de blusa cor laranja, se entrelaçando às mãos de uma enfermeira, de pele negra clara. Parte do busto da enfermeira aparece e ela usa um uniforme verde-água e um estetoscópio pendurado no pescoço.
Publicada nesta quinta-feira, 14 de julho de 2022 - Aline Souza

Mesmo assim, alguns veículos noticiaram que a equipe médica foi a responsável por barrar o então anestesista ou se referiam a elas no masculino.

O trabalho de enfermeiras, técnicas e auxiliares ainda não recebe a valorização que merece, como aponta a enfermeira mestre em saúde pública e ativista Alva Helena de Almeida. Em sua coluna no site da Carta Capital, Almeida afirma que trabalhadoras da enfermagem são, em sua maioria, invisibilizadas.

"A pouca participação política das trabalhadoras da enfermagem retroalimenta a não compreensão do papel social da profissão: somos a maior categoria a produzir os 'cuidados', a fim de recuperar ou manter a vida e a força de trabalho dos demais trabalhadores e, consequentemente, o sistema de produção na sociedade. As desigualdades vivenciadas no mercado de trabalho constituem 'violência simbólica' em função do gênero. O trabalho desenvolvido não é por 'vocação' ou 'extensão' do papel feminino, mas uma prática exercida por profissionais qualificadas, que merecem receber um rendimento compatível com essa qualificação, com a importância social desse trabalho e que garanta o acesso e desfrute dos demais bens sociais produzidos."

Gostaria também de ressaltar o importante trabalho de Berenice Kikuchi, enfermeira e doutora em saúde e desenvolvimento.

Soube da sua trajetória por ser uma das organizadoras do livro "Uma Nova História Feita de Histórias: Personalidades Negras Invisibilizadas no Brasil", publicado em 2021 pelo selo Sueli Carneiro na editora Jandaíra e que selecionou, a partir de edital, histórias de figuras negras representativas para a história do país.

Quem conta sua história é o sociólogo Reinaldo José de Oliveira. Kikuchi é uma das grandes referências para a promoção de políticas públicas para as pessoas com anemia falciforme, que acomete majoritariamente pessoas negras.

Hoje o exame de detecção da anemia falciforme em recém-nascidos é lei, que dá direito ao atendimento integrado a pacientes pelo SUS. Segundo Oliveira: "O percurso social, político e intelectual de Berenice Kikuchi é central na história da saúde da população negra, em especial de políticas públicas nas áreas de saúde e educação no quadro da anemia falciforme. Nos últimos 40 anos, a interlocutora dedicou-se mais precisamente à produção e à reprodução de capital social, cultural e político em torno da promoção de políticas públicas para as pessoas com doença de anemia falciforme. Berenice e a Associação de Anemia Falciforme do Estado de São Paulo (Aafesp) empreenderam a pesquisa científica e a militância social negra na zona leste da capital paulista, em múltiplas frentes. Além do território da zona leste, o trabalho social e intelectual da pesquisadora obteve forte alcance nos territórios da capital paulista, recentemente no estado de Mato Grosso do Sul, no Brasil e no mundo. No entanto, o apagamento e a invisibilidade que Berenice vem percebendo em sua vida social se reflete, direta e indiretamente, na Aafesp".

Alva de Almeida e Berenice Kikuchi são mulheres negras e ambas apontam como o não reconhecimento devido às profissionais da enfermagem está ligado diretamente ao fato de serem profissões femininas e negras.

Além disso, torna-se necessário enfrentar uma série de estereótipos criados em torno da profissão, como os que associam enfermeiras a um lugar de objetificação sexual.

Em 12 de julho, conforme noticiado nesta Folha, foi aprovado o piso salarial para enfermagem em primeiro turno na Câmara.

"O projeto cria um piso de R$ 4.750 para os enfermeiros. Técnicos em enfermagem receberiam 70% desse valor, e auxiliares de enfermagem e parteiras, 50%. De acordo com a proposta, o valor será corrigido anualmente com base no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor)."

Ainda será votado em segundo turno, porém não se pensou até o momento em como financiar esse novo piso salarial. É muito importante que haja mobilização da sociedade para que essa PEC seja efetivada.

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