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Investigação mostra que tentaram despachar cocaína no Mucuripe
Reportagem

Investigação mostra que tentaram despachar cocaína no Mucuripe

Num flagrante acidental, operários descobriram cerca de 20 quilos da droga escondidos no motor de um contêiner refrigerado. O episódio reforça a nova prioridade das organizações criminosas, de ampliar remessas de cocaína do Brasil para outros continentes pelo mar
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[FOTO1]A manhã de 11 de outubro de 2018 não terminou como de costume no pátio do porto do Mucuripe. Era quinta-feira, véspera de feriadão. O principal píer da Capital estava na rotina do expediente, até a descoberta, acidental, feita numa inspeção normal por técnicos de manutenção de uma empresa que faz locação de contêineres.

Ao ligarem o motor de um dos equipamentos do tipo reefer (refrigerado), os funcionários se surpreenderam com o que caiu de dentro do maquinário. Vários pacotes foram jogados para fora do genset - um gerador a diesel individual que aciona a câmara fria. Espalharam-se pelo chão. Tinham o formato de tabletes, todos embalados em fita adesiva. [SAIBAMAIS]De cara, a indicação de que os embrulhos eram droga. Polícia e segurança interna acionadas e a constatação: no total, cerca de 20 quilos de cocaína pura.

O episódio foi confirmado ao O POVO pela Polícia Federal. "Houve a apreensão de 20 quilos de cocaína em um contêiner no Porto do Mucuripe, sendo instaurado o inquérito policial", informou o órgão, por email. Fora isso, nenhuma outra informação ou explicação do caso. Não foi possível assegurar se o contêiner já tinha destino definido. Estava vazio. Outros ao lado, também. A carga iria para onde? Quando? Enviada por quem e para quem?

A inspeção dos técnicos de manutenção teria acontecido antes de a câmara frigorífica ser ovada - ou seja, receber mercadoria para embarque num navio. Os contêineres reefers são usados principalmente para envio de cargas perecíveis, como alimentos, ou até na exportação de flores. A fiscalização aduaneira só é feita quando há produtos já despachados, com a devida nota fiscal e documentos de exportação.

A reportagem até buscou mais respostas da Superintendência Regional da PF sobre o registro deste e de outros casos de drogas traficadas pelos portos cearenses. O e-mail da Federal veio curto, porém, também não desmentiu outros detalhes apurados pelo O POVO.

A pequena quantidade de cocaína encontrada no Mucuripe, dentro dos padrões clandestinos registrados nos últimos cinco anos no País, não evidencia o Ceará como rota de tráfico pelo mar. Pelo menos ainda não - o histórico de casos é pequeno. Porém, o alerta está ligado. Porque há um itinerário náutico estabelecido pelos traficantes saindo das águas brasileiras.

A cocaína está no mar. O Atlântico é cada vez mais acionado pelas organizações criminosas para despachar encomendas de drogas e armas a clientes dos destinos África-Europa-Ásia. A localização geográfica do Ceará, numa das esquinas dos continentes, é privilegiada. "É que a logística dessas quadrilhas para esse fim ainda não está bem montada no Ceará" - explicou outra fonte.

Os investigadores locais falam pouco a respeito - pelo silêncio estratégico, mas também desinformação, materialidade ainda incipiente. O POVO apurou que esta deverá ser pauta em 2019 do novo Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública do Nordeste (CIISPR), inaugurado em Fortaleza no dia 7 de dezembro passado. "As investigações serão mais incisivas no porto daí", disse o membro de um órgão nacional de Inteligência em Segurança Pública, também com pedido de anonimato.

A apreensão no Mucuripe foi irrisória, não chegou nem perto do volume já movimentado em outros portos do Nordeste, como na Bahia e em Pernambuco na última década. "Bahia e de Pernambuco já estão com aportes melhores", confirmou um policial federal de São Paulo. Muito mais longe ainda das grandes remessas ilegais saídas do porto de Santos (SP). É o cais mais problemático do Brasil. Os portos não são território novo para o crime, mas têm sido priorizados.

As pessoas que se dispõem a viagens solitárias de alto risco, embarcando com drogas pelo corpo ou entre os pertences não deixaram de ser acionadas. Os flagrantes das "mulas" acontecem principalmente em aeroportos. Mas o esforço para repassar quantidades consideradas pequenas não estaria condizente às pretensões das quadrilhas. O tráfico pelas águas estaria mais favorável.

Sobre o caso no porto do Mucuripe, outras fontes disseram ao O POVO que não haveria denúncia naquele dia sobre drogas no pátio, mas oficialmente a PF afirmou que foi assim que interceptou os pacotes. Nega a versão de que a droga tenha sido achada casualmente.

Não se sabe quem fez o enxerto prévio no contêiner. Nenhuma câmera teria detectado o crime? Que horas teriam infiltrado os pacotes de cocaína no motor do contêiner? Foi no próprio pátio ou o contêiner já chegou abastecido com a droga? "O autor do delito ainda não foi identificado. A PF não divulga detalhes sobre destino e modus operandi", formalizou a Superintendência Regional na mesma resposta. As perguntas seguem em aberto. (Colaborou Maryllenne Freitas)

LEIA AMANHÃ

O que foi apreendido de cocaína nos principais portos brasileiros na última década, principais rotas e como a droga é embarcada para os destinos mais usados pelos criminosos. 

Sobre o conteîner

O POVO procurou a Companhia Docas do Ceará, que administra o porto do Mucuripe. O diretor, César Pinheiro, explicou que o local é alfandegado e que por isso preferia não falar sobre o tema da reportagem.

O contêiner refrigerado onde estava a cocaína seria da empresa francesa CMA-CMG, que aluga os equipamentos. Há uma filial no Ceará para operações. O POVO contatou a sede local, que recomendou procurar o escritório de São Paulo. O pedido foi reencaminhado para a França.

Da matriz em Marselha, a resposta por email foi igualmente sucinta: "Por razões de segurança, não comentamos este tipo de informação", informou a assessoria da empresa, especializada em transporte marítimo.

PECÉM EM NÚMEROS

Segurança

140

câmeras monitoram todos os ambientes internos e externos do porto do Pecém.

Dois operadores controlam uma central 24 horas/dia.

132

seguranças atuam no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, em três turmas no serviço de 12/36 horas.

100%

das cargas de importação e exportação são submetidas ao escaneamento no porto do Pecém.

Histórico de movimentação (em toneladas)

2014 - 8.274.657

2015 - 7.011.355

2016 - 11.230.429

2017 - 15.808.961

Principais cargas

Placas de aço, carvão mineral, minério de ferro, gás liquefeito (LNG), bobinas de aço, frutas, pás eólicas, calçados.

Alguns dos portos conectados

Internacionais - Portos dos Estados Unidos,

Holanda, Grã Bretanha, Espanha, Turquia, México,

Colônia, Coreia do Sul, China, Argentina, Canadá,

Marrocos, Itália, Alemanha, Japão, China.

Nacionais - Entre os principais portos:

Salvador (BA), Suape (PE), Vila do Conde (PA),

Manaus (AM), Itapoá (SC), Santos (SP), Navegantes (SC),

Itajaí (SC), São Francisco do Sul (SC).

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