Sociedade

Patrulha Maria da Penha, no Rio, garante proteção efetiva a vítimas de abuso

As equipes reúnem 250 policiais, todos voluntários, e estão distribuídas por todos os batalhões do estado

Teste. O projeto saiu do papel há quatro meses e atendeu mais de 4 mil mulheres no período. Os policiais militares recebem treinamento e atendem em dupla. Foto: Philippe Lima
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A cada 20 minutos, em média, uma medida protetiva é concedida a mulheres vítimas de agressão doméstica no estado do Rio de Janeiro. Foram mais de 13 mil determinações judiciais somente no primeiro semestre, de acordo com dados do Tribunal de Justiça. O número, que sempre corre para alcançar aquele de denúncias de violência contra a mulher – foram 20 mil registradas pela Polícia Civil de janeiro a setembro – também pode gerar ceticismo quando levado à prática: em muitos casos de agressão e feminicídio, a vítima tinha medida protetiva determinada contra o agressor reincidente, de modo que, mesmo amparada legalmente, ela não encontrou a devida guarida das forças de segurança. 

Para fazer valer essas medidas protetivas, o estado colocou na rua há quatro meses a Patrulha Maria da Penha, especializada em violência contra a mulher. Formada por 250 policiais voluntários, de forma que cada batalhão no estado tenha uma equipe formada preferencialmente por dois agentes do sexo oposto, o principal objetivo da patrulha é “evitar a reincidência da violência contra a mulher e o feminicídio”, nas palavras da major Cláudia Moraes, uma das responsáveis pela iniciativa. Desde o início em agosto, foram mais de 4 mil mulheres atendidas e perto de 1,4 mil inscritas no programa de acompanhamento, em uma configuração presente em outros estados brasileiros, mas que ainda não tinha a sua versão fluminense, apesar de o Rio de Janeiro concentrar um grande volume de casos de violência doméstica. 

De acordo com o Instituto Igarapé, com base em dados públicos de segurança, houve um aumento de 317% nos casos de feminicídio no Rio de Janeiro entre 2016 e 2018, mesmo com o deferimento de medidas protetivas. “A Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores do mundo na proteção às mulheres, mas em vários casos percebemos que a medida protetiva, apenas, não era 100% efetiva para evitar uma nova agressão”, aponta Moraes, que também é mestre em Ciências Sociais. Atualmente, cerca de 30% das ocorrências atendidas pelo Serviço 190 no estado correspondem a casos de violência doméstica.

Apenas agentes que passaram por um curso de 40 horas, ministrado por juízes, defensores públicos e outros agentes da polícia, podem integrar a patrulha, cujo apoio é oferecido a mulheres assim que a medida protetiva é expedida por um tribunal. O batalhão mais próximo à vítima é avisado e um primeiro contato é feito pelos policiais, que consultam a mulher e, em caso de aceitação do acompanhamento, marcam a primeira visita. Os agentes têm dois questionários para se balizar, um de acolhimento, que dá conta de um aspecto de cunho mais emocional, e um de risco, que avalia as possibilidades de um novo caso de agressão acontecer, além do quão vulnerável é a vítima. O acompanhamento é contínuo e realizado pelos agentes em parceria com os serviços de assistência social, explica Moraes, que atenta para a característica de prevenção do programa.

A Patrulha Maria da Penha foi criada em parceria com o Tribunal de Justiça do estado, que tem divulgado dados específicos sobre processos que envolvem violência doméstica. “Fizemos reuniões entre integrantes da casa, do Executivo e de setores da sociedade, de forma a elaborar um estudo que durou dois anos ao todo”, explica a juíza criminal Tula Mello. “A partir daí foi realizado um piloto na cidade de Três Rios, em que verificamos uma queda expressiva dos casos de reincidência de agressões”, acrescenta, ressaltando que os números que dizem respeito à eficácia do programa em escala estadual ainda não foram reunidos e organizados por conta do início recente. 

Mello elabora, no entanto, um diagnóstico dos efeitos culturais que um destacamento exclusivo da polícia pode ter para mulheres vítimas de agressão. “Tanto essas mulheres se sentem mais protegidas quanto a sociedade fica mais à vontade para denunciar casos de violência dessa natureza, o que ainda pode ser difícil”, afirma a magistrada. “Um dos tipos de violência é a psicológica, que não deixa marcas na pele, mas é igualmente poderosa e alimenta o medo. Àmedida que a vítima passa a saber que há uma lei que lhe oferece uma medida protetiva e uma patrulha específica, finalmente se sentirá mais segura.”

Mesmo com números incipientes, a obtenção de dados é uma preocupação do programa e é possível fazer um recorte do perfil das vítimas nestes quatro meses de funcionamento. A maior parte das mulheres atendidas é negra ou parda, tem entre 25 e 39 anos, sendo em sua maioria estudantes, empregadas domésticas ou donas de casa, com um nível de escolaridade que não costuma ir além do Ensino Médio, diz ela, em um perfil que reflete dados nacionais reunidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a partir de números das Secretarias Estaduais de Segurança. “Isso aponta, em princípio, para uma condição mista de pobreza e baixa escolaridade que diz muito sobre a vulnerabilidade dessas vítimas, o que não pode ser ignorado”, diz Cláudia Moraes. 

Combater o machismo ostensivo e contribuir para a diminuição da violência contra a mulher desde o início é o que chama a atenção da psicóloga Maria Luiza Cordeiro, coordenadora da área de Psicologia do Hospital da Mulher e integrante do serviço estadual SOS Mulher, de apoio a vítimas. Há, afirma, uma série de tabus que ainda fazem parte da

realidade dessas mulheres e que devem ser combatidos diariamente, entre eles o receio de que o ex-companheiro seja preso ou que tenham seus testemunhos diminuídos ou colocados em dúvida. “Se duvidarem do que conta essa vítima, ela sentirá vergonha e dificilmente se abrirá outra vez, por isso é necessário que não a julguemos nunca e, ao contrário, haja um profissional que diga não haver constrangimento na sua condição, mas apenas na posição do agressor.”

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