domingo, 8 de janeiro de 2012

Algumas pessoas partem muito cedo...



Esse é um post muito pessoal e talvez não interesse para alguns... Não é sobre anime, mangá, cinema, é sobre meu tio mais querido. Segunda, eu volto para a programação normal do Shoujo Café (*ou tento*). Algumas pessoas sabem, e eu comentei por alto a questão no meu post de Ano Novo, que estava com alguém muito querido doente na família. Meu tio, um dos irmãos da minha mãe, faleceu ontem (sábado). Tio favorito de quase todos os sobrinhos e sobrinhas, irmão favorito de cada um dos seus irmãos e irmãs, excêntrico ao extremo (*acho que meu tio tinha TOC*), ele nunca se casou, morou a vida inteira com a minha avó e era uma espécie de grande servidor da família. Sempre que alguém precisasse, às vezes sem que mesmo tivéssemos que pedir, lá estava ele.

A perda foi muito rápida, súbita. Em finais de Julho, quando estive no Rio, ele estava bem e foi com minha mãe me pegar no aeroporto. Só tinha uma persistente dor no braço (*achava que era bursite*), minha avó sempre reclamando que ele não queria passar seus óleos "mágicos" que resolvem quase tudo. Por fim, quando a resistência em ir ao médico (*teimosia é um defeito de família*) foi vencida, veio a internação em início de outubro e, rapidamente, a vida foi fugindo... Morrer de câncer não tem nada de bonito, de poético, de tranqüilo. É feio, é doloroso, é sujo, expõe o quanto nós humanos somos frágeis, coisa nenhuma. Ver uma pessoa que sempre foi independente, que desde criança arrumava formas criativas para ganhar dinheiro e ajudar a minha avó, que era extremamente ativa, criativa, ficar impedida de usar suas mãos (*seus grandes instrumentos*), de andar, de fazer as mínimas coisas, deve ter sido massacrante para ele.

Nunca o verbo “descansar” fez tanto sentido na minha vida. Ele precisava ir para parar de sofrer. Foi a maior perda que tive até hoje; a primeira morte na família que presenciei como pessoa adulta de verdade, por assim dizer. Estar longe, em Brasília, me poupou de várias outras. Nenhuma delas, entretanto, seria tão dolorida, porque poucas pessoas da família são tão queridas e tão próximas. Poderia listar sem problema todas as outras: minha mãe, meu pai, minha avó materna, meu irmão e outro tio (*o 2º favorito*). De qualquer forma, a morte tão precoce do meu tio, a deterioração tão rápida de sua saúde foi algo inesperado. Afinal, ele levava uma vida saudável, nunca fumou ou bebeu, praticava exercícios físicos regulares, era quase vegetariano, não consumia açúcar, etc., etc., etc. Mal teve uma ou duas gripes na vida... E quando o câncer de pulmão deu sinal, já estava em metástase, inoperável, já era o fim. E eu o vi saudável e já no final do processo. A imagem nunca vai sair da minha cabeça. Fui o máximo de vezes ao hospital, porque queria estar com ele o maior tempo possível, porque o amava e sei que ele faria o mesmo por mim. Se eu fosse supersticiosa, diria que o nome do meu tio é de mau agouro. Afinal, o pai da minha mãe, que tinha o mesmo nome, morreu de forma súbita aos 28 anos, deixando para trás viúva e cinco filhos. O primo que nasceu no ano da morte do meu avô, e recebeu seu nome em homenagem, também está com sua saúde muito, muito precária. Acho que ninguém mais receberá o nome de Climério na família.

Mas o que vocês têm com isso? Bem, alguns leitores e colaboradores do blog (Anderson, Kotsuki, Pedro, Lina, Tanko, Natania, etc.), meus amigos e amigas, sabiam do drama e do quanto eu estava sofrendo. Também decidi fazer esse post, porque, talvez, sem esse meu tio, meu blog não existisse. Foi meu Tio Cli quem me deu meu primeiro caderno de desenho, quem me estimulava a contar histórias, que ouvia e, às vezes gravava (*fitas cassete*), as aventuras que meu irmão e eu inventávamos. Ele transformava a beliche do seu quarto em navio pirata para que nós "navegássemos" nele. Fazia com que placas de TV e rádio se transformassem em cidades de robôs. Durante muito tempo, meu irmão e eu acreditamos que ele era capaz de consertar qualquer máquina, de inventar qualquer coisa... Quase tudo que fosse mecânico ou eletrônico, ele era capaz de consertar. Foi ele quem me apresentou Jornada nas Estrelas, a primeira vez, quando eu tinha sete anos e não tinha condições de gostar daquilo, depois, mais uma vez, quando eu já era adolescente. Não larguei mais. Quando era criança, ele me apresentou e explicou Logan’s Run. Os poucos quadrinhos Disney que li na infância, eram dele. Sentávamos para assistir a animes juntos. Ele adorava Patrulha Estelar, mas não podia acompanhar, porque volta e meia ele estava embarcado, viajando pelo mundo.

Na adolescência, ele perguntava o que queria ganhar de Natal (*e não sei mais como teremos Natal em família sem ele*) e eu sempre pedi livros. 90% do que li entre os 13 e 16 anos foi presente dele: Os Três Mosqueteiros, Jane Eyre, quase todo Sherlock Holmes, etc. Quando conseguimos ter acesso ao videocassete, ele trazia filmes e filmes para casa. Muito do meu gosto pelo cinema foi alimentado pelo meu tio. Se do meu pai herdei o gosto pelo faroeste e pelos musicais, quase todo o resto veio dele... Ele estimulou meu interesse por ciência, porque sempre estava inventando alguma coisa, comentando alguma descoberta. Ele tinha uns livros fantásticos sobre grandes aventuras "históricas", sobre ovnis, e muitas outras coisas, que me emprestava e eu lia com avidez quando menina. Às vezes, ele me ligava em Brasília para comentar alguma notícia do telejornal ou uma descoberta científica, me mandava matérias de jornal por e-mail... Ele nos levava aos museus. A primeira vez que fui até Petrópolis, foi com ele. Recentemente, em uma das minhas férias, disse que queria ir até Parati – cidade histórica do Rio – e ele simplesmente disse “Por que não vamos amanhã?”. E ele simplesmente pegou o carro e nós - ele, meu irmão e eu - fomos mesmo. Mas ele não gostava de dormir fora de casa e, bem, ir e voltar no mesmo dia... :) Esse era meu tio... Cheio de manias, cismado com uma série de coisas, excêntrico, visto como meio maluquinho por algumas pessoas, mas o tio que todos os sobrinhos amavam ter por perto.

Desculpe ter escrito tanto, rodado tanto. Como escrevi, esse blog talvez só exista porque eu tive um tio tão legal e que estimulou tanto a minha imaginação, que valorizava as pequenas coisas que eu fazia, inventava, dizia, desenhava, que gostava de cinema, de quadrinhos, de livros de fantasia, de anime. Acreditem, eu estou sentindo um vazio enorme. E não acho que esse vazio vá ser preenchido por qualquer outra coisa, ou pessoa. Está doendo muito, porque cada vez que eu olho para o portão que dá para o quintal, imagino meu tio aparecendo de repente, com suas ferramentas, sempre ocupado com alguma coisa. Ou que ele vai chegar sorrateiro e nos surpreender a todos... Ele era dado a essas coisas. A casa da minha avó (*pobre da minha avó, que tinha toda a sua vida planejada para morrer antes do meu tio*) está cheia dele, das máquinas dele, dos livros, das centenas de fotografias que ele bateu desde que comprou sua primeira máquina... É isso... Não vou colocar foto do meu tio, porque, talvez, disso ele não gostasse (*ter seu rosto na internet*). Mas deixo o passarinho – colibri – que ele gostava tanto, usava no seu e-mail e achava que tinha um nome parecido com o seu (*Coli-Cli*)... Ele era como o passarinho, sempre voando de lá para cá, ligeiro, leve, alegrando nossa existência, e de vida curta demais...

14 pessoas comentaram:

Lamento muito por essa grande perda. Entendo o sofrimento dele, e o sofrimento da família toda. Meu pai era uma pessoa assim, inesquecível, forte, com defeitos e muitas qualidades, e sofreu muito, muito. Já tem 6 anos, mas ainda é como se fosse ontem. Com certeza eles estão bem, ao lado de Deus, sem mais sofrimento. E serão recompensados pelas boas coisas que fizeram. Abraço.

algumas pessoas realmente partem cedo demais. Receba meu afetuoso abraço. Daqui de longe, pouco posso fazer, mas tenha certeza que estarei torcendo para que seu coração se acalme e que o tempo logo possa transformar a dor da saudade em alegria por ter desfrutado ótimos momentos com seu tio "Cli". beijão!
Érika Apol.

Não se desculpe.

Nesse mundo com tanto odio, precisamos falar de amor, das pessoas que amamos, que nos fazem felizes tanto a que estão conosco, quanto as que ja foram.

Tenha nosso afeto e apoio, e que as lembraças boas ajudem a amenizar a dor da ausencia.

Sinto muito. Espero que a dor que você está sentindo se acalme logo, o mais rápido possível, até se tornar uma parte sua, que só de vez em quando, lembre que está ali.

Lamento por isso.
Não sei o que falar nessas horas, mas saiba que estarei sempre aqui, de braços abertos para lhe dar um abraço forte.
Fique bem ♥

Como comentei no facebook, perdi minha tia favorita em 2009. Ela era a pessoa que mais combinava com a palavra bondade na minha família. Sempre com uma palavra amiga, muito amável, engraçada e companheira. Tinha um sorriso lindo... Ela começou a emagrecer no final de 2008, mas assim como o seu tio, não se importou muito. Até que quando finalmente admitiu que algo estava estranho, foi ao médico. Câncer no intestino. 1 ano depois essa pessoa maravilhosa partiu.
Uma outra tia teve crueldade de me informar que minha tia morreu decepcionada com o fato de eu ser gay, mas eu logo lembro que, apesar do seu preconceito, ela mudou a cabeleireira dela por uma cabeleireira transexual e sempre se referia à ela de uma forma muito amável, apesar de não achar a condição dela correta. E senti mais orgulho dessa pessoa tão linda.
Val, eu não fui tão corajoso e não tive coragem de visitar ela quantas vezes eu acho que deveria ter visitado e tenho ciência que ela sentiu falta disso. Talvez viver a situação com a minha mãe na infância tenha me acovardado. Eu tenho muito orgulho de você Val por ter sido tão amiga dessa pessoa tão bonita e interessante que era o seu tio.
Um grande abraço minha querida. Essa pessoa que você tanto sente e irá sentir falta deixou muito dele em você. E isso será eterno ^^

Força. Sei realmente como essas coisas são barra pesada.

Se segura aí. :(

Meu comentário se junta aos outros aqui: de força e apoio. É como se fosse um abraço solidário de conforto, mesmo sendo virtual. Por ser conjunto, espero que chegue até você como algo bom.

Meus pêsames. Sei como é perder uma pessoa tão importante, mas realmente o conforto vem do fato que agora a pessoa não está sofrendo mais. Sinto muito mesmo.

Sinto muito, Valéria. Também perdi meu tio favorito de repente. Ele teve um infarte fulminante. Se a sua morte foi rápida e sem sofrimento, sua vida foi repleta deles. Parece compensasão, mas acho que é isso mesmo. Depois de uma vida tão triste (lutando contra o alcolismo, uma coisa que é terrível, que só quem vive sabe) ele finalmente descançou.
A gente só pode desejar força nessas horas e agradecer por você compartilhar conosco seus sentimentos.

Ôh, Valéria! Nem sei o que dizer...

Com suas palavras, até eu me senti meio sobrinha aqui agora.

Agradeço o seu tio por ter te ajudado a ser quem você é e você nos mostrar isso diariamente aqui no Shoujo-café, pois você é única pra nós também. =)

Força!

Lamento muito Valéria, no ano passado perdi minha vó materna, é muito difícil perder uma pessoa querida e amada principalmente qdo é da família.

Bola pra frente.
Força.

Utena-Sama, estou aos prantos aqui. Quando cheguei nos último parágrafo, minhas lágrimas não deixavam mais eu ler. Não sei o que dizer e sei que nada que eu fale ou faça, irá preencher este vazio que sentes agora. Mas estarei orando por ti e pela alma do seu Tio.

Muito obrigado por estar compartilhando este fragmento singelo e tão fundamental da sua vida conosco.

Saiba que adoro ler sobre você, talvez até mais do que sobre shoujos e afins, por que você é de carne, osso e sentimento e é isso que mais interessa pra mim.

Eu te adoro linda, e tudo que eu mais queria agora, era estar aí agora e poder te dar um abraço de urso, dizendo que vai ficar tudo bem.

Um abraço no coração!

PS: Este começo de ano sempre me deixa sensível, e o fato de esta ouvindo "Yesterday's Gone" do The Cranberries não ajudou muito.

Eu fiquei sabendo agora, pelo Twitter. Isso é muito triste, Valéria. Eu sei como é a falta que a pessoa mais querida, que um quase irmão, amigo e mentor desses faz (a minha pessoa especial, eu perdi há quase 18 anos de modo extremamente violento, e nunca, nada conseguiu diminuir o vazio que ficou).

Tudo o que eu posso dizer agora é: estou aqui por você, para o que precisar. Se se quiser apoio, colo, incentivo, qualquer coisa agora, pode contar comigo. Sei que não sou nada nesta vida, mas ao menos sou um nada que gosta de você e entendo o que é essa dor.

E, sem problemas do texto pessoal no blog. Primeiro, que foi um texto lindo, uma homenagem muito justa a seu tio Cli. Segundo, que isso apenas mostra que você é humana e sabe reconhecer a bondade e a amizade. É uma virtude.

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