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Curso de empreendedorismo resgata autoestima de mulheres vítimas de escalpelamento

08 julho 2021

  • Uma iniciativa de fomento ao empreendedorismo e ao empoderamento feminino convidou mulheres vítimas de acidentes de escalpelamento no Norte do país a participar de uma formação com foco no fortalecimento de sua autoestima e autonomia.
  • A iniciativa é fruto de uma parceria do Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá e do UNOPS, o organismo das Nações Unidas que presta serviços de infraestrutura, compras e gestão de projetos.
  • O curso foi recentemente reconhecido como o melhor projeto no Prêmio MPT de Diversidade. 
  • Além do diagnóstico e do curso, a parceria entre UNOPS e MPT deu origem a 31 planos de negócios e está fomentando a formação de uma rede de contatos entre as mulheres. 
  • Não há uma estimativa sobre o número total de vítimas de acidentes que provocam o escalpelamento no Brasil, mas as ocorrências costumam ser mais comuns na região Norte, devido à grande quantidade de hidrovias.
Legenda: Rosinete é uma das mulheres que fez a capacitação e, agora, sonha em aprimorar seu negócio de produção de perucas
Foto: © UNOPS

No Norte do país, um grupo de mulheres vítimas de acidentes de escalpelamento (quando há o arrancamento abrupto do couro cabeludo) participaram de uma formação com foco no fortalecimento de sua autoestima e autonomia. A iniciativa de fomento ao empreendedorismo e ao empoderamento feminino é fruto da parceria entre o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS) e o  Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT). O resultado foi a formação de uma poderosa rede de troca de informações e de solidariedade. 

Eliza Ferreira Bararuá, 27 anos, foi uma das participantes. A jovem moradora de Abaetetuba, no Pará, tinha acabado de completar 8 anos quando sofreu o acidente, que mudaria para sempre sua vida. Ao voltar de um culto evangélico com a família, a bordo de um pequeno barco, ela cochilou. Os longos cabelos enroscaram no eixo do motor da embarcação, fazendo com que a menina se tornasse mais uma vítima do escalpelamento.

"Durante pelo menos três anos, eu precisei ficar indo a Belém todas as semanas, para fazer o tratamento. É caro e muito doloroso", lembra ela, que também perdeu uma parte da orelha e sofreu com as sequelas emocionais do acidente. 

"Na adolescência, recebi apelidos e fui motivo de chacota. Hoje, aprendi a lidar com tudo e me sinto segura, embora triste com a falta dos cabelos", conta.

Não há uma estimativa sobre o número total de vítimas desse tipo de acidente no Brasil. As ocorrências costumam ser mais comuns na região Norte, devido à grande quantidade de hidrovias. Meninas e mulheres são as mais afetadas, por terem os cabelos longos, e carregam o estigma pelo resto de suas vidas, enfrentando, muitas vezes, dificuldades para dar continuidade aos estudos e se inserir no mercado de trabalho.

Parceria e diagnóstico - A situação dessas mulheres tem sido preocupação de várias entidades, entre elas o Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT) e o UNOPS, organismo das Nações Unidas que presta serviços de infraestrutura, compras e gestão de projetos. 

Este ano, o UNOPS realizou — a pedido do Grupo de Trabalho Escalpelamento por Embarcações, que é vinculado à Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário do MPT (Conatpa) — um diagnóstico completo sobre o perfil das vítimas desse tipo de acidente. Depois, as duas organizações ofereceram um curso inédito e gratuito de empreendedorismo e empoderamento feminino para as mulheres que passaram pelo trauma. 

"Eu tenho alguns cursos, mas, muitas vezes, o certificado fica lá, parado na gaveta. O diferencial dessa formação foi que ela despertou em mim uma vontade de correr atrás. É como se, agora, alguém tivesse dito 'o que você está esperando para ir lá e ganhar dinheiro? Você tem tudo nas mãos'", afirma Rosinete Serrão, 44 anos. Ela sofreu o acidente aos 20, quando voltava de uma festa de família. Assim como Eliza, cochilou próximo ao motor.

Um dos sonhos de Rosinete, que, ao longo da vida, se tornou uma ativista pelo direito das mulheres ribeirinhas, é aprimorar seu ateliê de produção de perucas. "No curso do MPT e do UNOPS, eu aprendi a usar melhor minha rede de contatos e as ferramentas digitais, como o Whatsapp", exemplifica. Ela planeja ir além. 

"Também aprendemos a olhar ao nosso redor, pesquisar quais são as necessidades das pessoas para vender nosso produto", acrescenta, contando que, no futuro, pretende abrir um negócio de alimentação ao lado do marido. 

Para Eliza, os aprendizados sobre ferramentas digitais também foram de grande valia. A jovem trabalhava com venda de roupas e costumava ir de casa em casa para oferecer seus produtos. Com a pandemia, a prática precisou ser adaptada. "Tirei muitas coisas boas para meu empreendimento, principalmente nessa parte de vendas on-line. Se fizermos sempre só o que todo mundo faz, não conseguimos avançar. É preciso ter novas ideias e não deixar a peteca cair", aponta.

Rede de solidariedade - Mesmo quem não tem o sonho de empreender se beneficiou da iniciativa. É o caso de Lana Paula Borges da Silva, 30 anos, que sofreu o acidente aos 8, quando voltava da casa de uma tia. Ao contrário de outras mulheres, Lana conta não ter sentido o preconceito de forma tão dura e acredita que o acidente lhe trouxe um propósito na vida: ajudar outras pessoas.

"Essa rede de mulheres contribui muito para a vida da gente. Conheci algumas que tinham dificuldade e vergonha de se relacionar, que se isolam. Para elas, eu falo que, antes de cobrar a aceitação dos outros, é preciso que a gente se aceite. Então, eu procuro ajudar falando da minha experiência", relata ela, que sonha em ser psicóloga.

Prêmio e perspectivas - O curso, feito por 32 alunas, foi recentemente reconhecido como o melhor projeto no Prêmio MPT de Diversidade. A iniciativa concorreu com outras 12, de todo o país, e ficou em primeiro lugar. Além do diagnóstico e do curso, a parceria entre UNOPS e MPT deu origem a 31 planos de negócios e está fomentando a rede de contatos entre as mulheres. Até o final do ano, haverá o acompanhamento das participantes, com apoio para que elas continuem investindo em seus empreendimentos e fortalecendo sua autoestima.

UNOPS

Carolina Vicentin

UNOPS
Assessora de Comunicação

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

UNOPS
Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos

Objetivos que apoiamos através desta iniciativa