Povos indígenas sofrem com aumento do adoecimento mental; saiba onde buscar ajuda

Povos tradicionais tiveram agravo da saúde mental durante a pandemia e demandam serviço específico para evitar casos extremos como lesões autoprovocadas ou suicídio

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Indígenas
Legenda: Indígenas buscam fortalecimento também pelas práticas culturais e espirituais
Foto: Kid Júnior

O adoecimento da mente afeta as comunidades indígenas do Ceará com força preocupante. Casos de suicídios e lesões autoprovocadas cresceram na pandemia e evidenciam a necessidade de um atendimento de saúde mental considerando as crenças e culturas dos povos tradicionais para a preservação de vidas.

Casos de suicídio, ou tentativas, assim como de lesões autoprovocadas são problemas de saúde pública, têm tratamento e precisam ser acompanhados por profissionais capacitados para tais. No Ceará, existem várias unidades de saúde, públicas e privadas, assim como projetos que atendem pacientes e familiares. No fim deste texto há uma lista com endereços desses locais e contatos. 

Os dados ligados a esses problemas são, inclusive, contabilizados pelas autoriades sanitárias de todo o país. No Ceará, pelo menos 9 indígenas cometeram suicídio no Estado entre 2018 e 2022. E os números cresceram na pandemia: enquanto foram 2 mortes do tipo em 2019, em 2021 foram 4. Na crescente também estão os casos de lesões autoprovocadas, quando alguém fere o próprio corpo numa tentativa ou não de tirar a vida - foram 52 casos entre indígenas nos anos de 2018 a 2021.

Os dados, respectivamente, são do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) ligados ao Ministério da Saúde. O Ceará tem 24 Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSI).

O cenário, na verdade, poder ser mais intenso, como analisa a psicóloga Rayane Sales Nobre de Lima (CRP 11/11910) do Conselho Regional de Psicologia do Ceará.

"Nós trabalhamos com dados subnotificados, mas o que nós temos de informação é um aumento significativo no adoecimento psiquíco desses povos e nas taxas de suicídio", pondera. Isso revela a necessidade histórica de conhecer a realidade indígena.

Neto Pitaguary, trabalhador de saúde indígena e presidente do Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi), aponta que o agravamento de questões psicológicas se mostra na procura por medicamentos.

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"Nesse período de pandemia, a quantidade de psicotrópicos e atendimentos no ambulatório especializado aumentou quase 100%. Hoje é muito mais comum pessoas buscando calmante, remédios para dormir e o índice de ansiedade aumentou muito", observa.

Isso pode ter relação direta com a falta dos encontros para a realização de manifestações culturais e de fé entre indígenas, como analisa Eliane Tabajara, presidente do Conselho de Saúde Indígena.

"Essa pandemia maltratou demais, não só o fato da doença levar à morte, mas se isolar. Nós, indígenas, passamos longos períodos sem executar a nossa cultura e os nossos rituais, sem se encontrar com outros povos", frisa.

Na Aldeia Cajueiro não tinha internet e, assim que começou essa crise, a gente teve que correr atrás para que todas as famílias tivessem acesso e pudessem conversar. Não podemos ficar totalmente isolados
Eliane Tabajara
Presidente do Conselho de Saúde Indígena

O resultado mais extremo do adoecimento mental se vê na automutilação, nas tentativas e nos casos de suicídio, que impactam toda a comunidade. Na Aldeia Cajueiro, por exemplo, dois jovens perderam a vida assim durante a pandemia, além de adultos.

"Tiveram muitos casos sérios na nossa aldeia, de jovens tirarem a própria vida. Outros a gente percebeu que tinhamos de ter um olhar mais aprofundado por estarem se cortando e querendo ficar isolados", completa.

Saúde mental indígena

O atendimento de saúde mental para indígenas deve ser elaborado e executado conforme as particularidades dos povos tradicionais. “É essencial que qualquer política criada leve em consideração a própria dinâmica cultural desses povos, que também vão mudando de acordo com as suas práticas”, completa Rayane de Lima.

Visão compartilhada pela psiquiatra e professora na Universidade Federal do Ceará (UFC) Luísa Bisol. "Os serviços de saúde mental precisam se adequar ao contexto cultural dessas comunidades indígenas, respeitando o que eles acreditam e estabelecendo de fato parcerias. Nosso conhecimento vai ajudá-los e o conhecimentos deles a nós”, acrescenta.

Nós sabemos que as pessoas pertencentes aos povos indígenas do Estado já sofrem com essa questão de representar uma minoria e com problemas relativos à saúde mental, especialmente, depressão. Essas questões foram aumentadas durante a pandemia e certamente contribuíram para o aumento do número de suicídios
Luísa Bisol
Psiquiatra

Eliane Tabaja também enxerga a assistência de saúde mental como um serviço que deve ser ofertado de forma ampla e coerente com a cultura indígena. Na comunidade onde vive, houve articulação para ter apoio de uma psicóloga que agora atua com professores e deve atuar junto com os estudantes e famílias da região.

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"A saúde mental tem dois caminhos: a do psicológico, a do médico e desse apoio da saúde em si. E temos a espiritualidade com os nossos pajés e rezadores", indica.

Além disso, o suporte para atravessar momentos depressivos ou outros transtornos mentais passa pela compreensão de quem está próximo do paciente. "Uma pessoa com o psicológico afetado não vai pensar de forma sadia, então precisa de apoio, de alguém próximo para buscar uma solução, da família, dos amigos e da nossa própria cultura, que faz nos aproximarmos", conclui.

Impacto das lutas históricas na mente

O Diário do Nordeste abordou como a histórica falta de demarcação de terras e a violência são sentidas pelos povos tradicionais, que recebem o apoio de indigenistas. O Ceará tem 5 mil famílias de 14 cidades envolvidas em conflitos de terras no campo.

Esse agravamento, na verdade, acontece num contexto de sofrimento histórico dos indígenas, como avalia Rayane de Lima. "Há uma tentativa de aniquilamento desses povos com uma derrubada de direitos, um aviltamento de direitos humanos, que tem ocorrido com muito mais frequência dentro dos povos indígenas", observa.

É essencial considerar o protagonismo desses povos. Nós ainda vivemos em uma cultura de colonização e o saber branco, europeu e normativo é sempre colocado como superior. Isso também gera impacta na forma de vida dos povos indígenas
Rayane Sales Nobre de Lima
Psicóloga

“Uma das causas do adoecimento e agravos na saúde mental da população indígena é a principal luta do nosso movimento: a regularização fundiária”, avalia Neto Pitaguary. As disputas por terras e outras formas de violência que também chegam nas comunidades indígenas causam vítimas.

“A curva de violência contra povos indígenas vem muito alta e isso, de uma certa forma, faz com que o indígena entre em um estado de ansiedade e depressão. Essas doenças de base levam à tentativa ou o próprio suicídio”, completa Neto Pitaguary.

Por isso, os indígenas buscam acesso aos serviços, mas também o fortalecimento da comunidade por meio de celebrações culturais e espirituais. Esses elementos foram relevantes para atravessar, por exemplo, o período mais intenso da pandemia.

Atuação no serviço público

O Ceará tem 24 Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSI), que entre outras esferas também disponibiliza serviço de saúde mental, metade na Região de Fortaleza e metade na Região Norte.

A atribuição do cuidado com as comunidades tradicionais é da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, responsável por coordenar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.

“A saúde indígena é de responsabilidade federal, então cada região tem um distrito de saúde indígena, que é independente. No Ceará, isso abrange algumas comunidades, como Caucaia e Acaraú”, detalha Renata Pinheiro, coordenadora de Políticas de Saúde Mental da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).

Profissionais da saúde
Legenda: Profissionais da saúde receberam formação para atuar junto às comunidades indígenas
Foto: Isanelle Nascimento

Profissionais ligados aos municípios também atuam em comunidades indígenas e o grupo recebeu formação no Curso Básico Construindo Redes de Atenção em Saúde Mental entre os Povos Indígenas do Ceará, da Sesa em parceria com a Escola de Saúde Pública (ESP). 

“Existem também as equipes multiprofissionais de saúde indígena, ligadas à saúde básica do município, e nós visualizamos o aumento da taxa de suicidio nessa população, que é 4 vezes mais alta se comparamos com outras raças”, frisa Renata.

O encontro de profissionais da saúde aconteceu de forma virtual com debate sobre as demandas específicas dos povos tradicionais. “A cultura diferenciada e as crenças indígenas foram considerados no curso, que envolvia desde a atenção à diversidade dos povos indígenas no Ceará”, completa.

Caso você esteja se sentindo sozinho, triste, angustiado, ansioso ou tendo sinais e sentimentos relacionados a suicídio, procure ajuda especializada em sua cidade. É possível encontrar apoio em instituições como o Centro de Valorização da Vida (CVV), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O CVV funciona 24 horas pelo telefone 188 e também atende por e-mail e chat (acesse www.cvv.org.br). Os Caps oferecem ajuda profissional. No Ceará, procure os Caps (veja a relação completa das unidades de Fortaleza) e o Hospital de Saúde Mental, telefone: (85) 3101.4348.

• Postos de saúde: as unidades são portas de entrada para obter ajuda especializada, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
 
• Centro de Valorização da Vida – CVV
Atendimento 24h 
Contatos: 188 | https://www.cvv.org.br
 
• Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE)
Contato: 193 
Endereço: Núcleo de Busca e Salvamento Av. Presidente Castelo Branco, 1000 – Moura Brasil – Fortaleza-CE
 
• Hospital de Saúde Mental de Messejana
Contatos: (85) 3101.4348 | www.hsmm.ce.gov.br 
Endereço: Rua Vicente Nobre Macêdo, s/n – Messejana – Fortaleza/CE
 
• Programa de Apoio à Vida – PRAVIDA/UFC
Contatos: (85) 3366.8149 / 98400.5672 | www.pravida.com.br  | contato.pravida@gmail.com Endereço: Rua Capitão Francisco Pedro, 1290 – Rodolfo Teófilo – Fortaleza/CE
 
• Instituto Bia Dote
Contatos: (85) 3264.2992 / 99842.0403 | contato@institutobiadote.org.br / institutobiadote@gmail.com | www.institutobiadote.org.br 
Endereço: Av. Barão de Studart, 2360 – Sala 1106 – Aldeota – Fortaleza/CE

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