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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS Curso de Graduação em Farmácia-Bioquímica PROTETORES SOLARES: AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE E SEGURANÇA RELACIONADAS AO SEU USO Lana Yuri d’Avila Trabalho de Conclusão do Curso de Farmácia-Bioquímica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Orientador(a): Profa. Dra. Cristina Helena dos Reis Serra São Paulo 2020 0 SUMÁRIO Pág. Lista de Abreviaturas 1 RESUMO 3 1. INTRODUÇÃO 4 2. OBJETIVOS 7 3. MATERIAIS E MÉTODOS 7 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 7 4.1. Classificação de filtros solares 8 4.2. Riscos associados ao uso de filtros solares 9 4.2.1. Desenvolvimento de melanoma 10 4.2.2. Deficiência de vitamina D 11 4.2.3. Efeitos cutâneos 12 4.2.4. Permeação/penetração epidérmica e absorção sistêmica 13 4.2.5. Efeitos no desenvolvimento fetal e neonatal 16 4.2.6. Danos ao DNA e fotocarcinogênese 16 4.2.7. Alterações no sistema endócrino 17 4.2.8. Efeitos neurotóxicos 18 4.2.9. Efeitos inalatórios 20 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 27 6. CONCLUSÃO 31 7. BIBLIOGRAFIA 31 1 LISTA DE ABREVIATURAS 4-MBC 3-(4-metil)-benzilideno cânfora (enzacameno) 25(OH)D Calcidiol AChE acetilcolinesterase ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária Asp Aspartato AVO Avobenzona A/O Água em óleo BP-1 Benzofenona-1 BP-3 Oxibenzona DNA Ácido desoxirribonucleico EHMC p-metoxicinamato de octila EROs Espécies reativas de oxigênio ESZ Ensulizol FDA Food and Drug Administration GABA Ácido gama-aminobutírico Glu Glutamato GnRH Hormônio liberador de gonadotrofina HMS Homosalato LHRH Hormônio liberador do hormônio luteinizante O/A Óleo em água OC Octocrileno OMC p-metoxicinamato de octila PABA Ácido para-aminobenzoico SPF Sun Protection Factor 2 T3 Tri-iodotironina T4 Tiroxina TiO2 Dióxido de titânio TNF-α Fator de necrose tumoral-α TSH Hormônio estimulante da tireoide UV Ultravioleta Zn Zinco ZnO Óxido de zinco 3 RESUMO D AVILA, LY. Protetores solares: avaliação da toxicidade e segurança relacionadas ao seu uso. 2020. Trabalho de Conclusão de Curso de FarmáciaBioquímica – Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020. Palavras-chave: “sunscreen”, “safety”, “toxicity, “damaged skin” INTRODUÇÃO: A pele é o maior órgão do corpo humano e possui funções importantes de proteção para o organismo. Por ser o órgão mais externo, a pele está frequentemente exposta a inúmeras agressões, como à radiação ultravioleta (UV). A fim de proteger o corpo dos malefícios da radiação solar, indica-se o uso de protetores solares. A informação da necessidade do uso de fotoprotetores é amplamente propagada à população, porém pouco se fala sobre possíveis toxicidades associadas ao seu uso, incluindo em situações em que quando a pele não se apresenta íntegra, cenário comum entre diferentes populações, tais como crianças, atletas e portadores de doenças de pele. OBJETIVO: este trabalho tem como objetivo desenvolver uma revisão crítica, através da investigação na literatura, sobre a segurança e toxicidade relacionadas ao uso de protetores solares. MATERIAIS E MÉTODOS: Foi realizada uma revisão sistemática sobre o tema a partir de informações obtidas nas bases de dados PubMed, Isi Web of Knowledge, Google Scholar e Scielo, com seleção de artigos publicados entre 2000 e 2020. RESULTADOS: Protetores solares são formulações que possuem, em sua composição, filtros físicos e/ou químicos, os quais atuam espalhando, refletindo ou absorvendo a radiação solar. Por seu uso crônico e diário, foram levantadas preocupações a respeito de suas possíveis toxicidades. Os principais riscos identificados incluíram desenvolvimento de melanoma, deficiência de vitamina D, efeitos cutâneos, alterações na penetração dérmica e absorção sistêmica, efeitos no desenvolvimento fetal e neonatal, danos ao DNA e fotocarcinogênese, alterações no sistêmica endócrino, efeitos neurotóxicos e efeitos inalatórios. A avaliação destes, porém, é muitas vezes inconclusiva pela existência de informações limitadas e observação, em sua maioria, em cenário in vitro e in vivo utilizando animais, por um curto período e utilizando concentrações muito mais elevadas do que aquelas encontradas nas formulações hoje disponíveis. De forma geral, apesar das possíveis toxicidades identificadas, os benefícios dos filtros solares ainda superam seus riscos. Diversas estratégias e alternativas estão sendo desenvolvidas a fim de ampliar o espectro de ação de fotoprotetores e melhorar sua segurança, considerando individualidades de seus consumidores. CONCLUSÃO: Pesquisas relacionadas à obtenção de novas moléculas, com menor potencial alergênico e melhor fotoestabilidade, são necessárias para a produção de protetores solares que possam ser considerados ideais. Atualmente, os benefícios dos fotoprotetores superam os riscos potenciais do uso em longo prazo, no entanto, ainda são necessários estudos aprofundados a respeito da segurança e absorção para o completo entendimento das interações envolvidas com o uso de protetores solares. 4 1. INTRODUÇÃO A pele é o maior órgão do corpo humano e exerce importante função de proteção para o organismo, em função de seu aspecto impermeável. É composta por três camadas, sendo elas, a epiderme (epitélio estratificado queratinizado), derme (tecido conjuntivo) e hipoderme (tecido conjuntivo frouxo e adiposo). A hipoderme, camada mais interna da pele, formada em sua maior parte por células de gordura, tem função importante na manutenção da temperatura corpórea e no armazenamento de energia para funções biológicas. A derme, camada intermediária, é composta por diversas estruturas de funções variadas, como pelo colágeno, que confere elasticidade à pele, pelas glândulas sudoríparas, responsáveis pela produção de suor, e pelas terminações nervosas, que realizam a transmissão de estímulos ao cérebro, resultando nas sensações de frio e calor. Por fim, na camada mais externa, a epiderme, estão presentes o estrato córneo e os melanócitos. O estrato córneo é composto por células mortas queratizadas que funcionam como uma barreira do corpo, fornecendo proteção contra danos externos, entrada de organismos estranhos e dificultando a saída de água. Os melanócitos, por sua vez, são células que sintetizam melanina, um cromóforo capaz de absorver uma porção da energia da radiação ultravioleta, transformandoa em calor que se dissipa pelo corpo, diminuindo seu efeito negativo na pele (COELHO et al., 2015; SILVIA et al., 2010; SKOTARCZAK et al., 2015). Por ser o órgão mais externo, a pele está frequentemente exposta a inúmeras agressões, como, por exemplo, à radiação solar. Do espectro da radiação eletromagnética, apenas alguns comprimentos de onda são capazes de penetrar a camada de ozônio e atingir a superfície terrestre; nestes, estão incluídas a radiação ultravioleta (UV; 280 - 400 nm), a luz visível (400- 760 nm) e radiação infravermelha (760 nm - 1mm). Em termos de interação com a pele, a luz visível é responsável apenas por efeitos imediatos de pigmentação e produção de eritema. A radiação infravermelha induz poucas reações eritematosas que duram menos de 1 hora e não possui efeito sobre a pigmentação. A radiação UV, por sua vez, representa o componente de maior efeito sobre a superfície cutânea e comporta três categorias que dependem do comprimento da onda: UVA, UVB e UVC (SKLAR et al., 2013). 5 Os raios UVA são os raios de maior comprimento de onda e são capazes de penetrar em camadas mais profundas da derme. São responsáveis pelo bronzeamento imediato através da produção excessiva de melanina pelos melanócitos e prejudicam o funcionamento normal de células pela produção de EROs (espécies reativas de oxigênio), que podem promover o envelhecimento prematuro da pele, supressão de funções imunológicas e até necrose de células endoteliais. Os raios UVB, de comprimento de onda intermediário, são absorvidos no estrato córneo pela melanina e são responsáveis pelos efeitos biológicos mais importantes, pois são capazes de danificar diretamente fitas de DNA (ácido desoxirribonucleico), resultando na distorção de mecanismos de reparo e, consequentemente, em mutações. Por último, os raios UVC, de menor comprimento de onda, são filtrados pela camada de ozônio sendo, portanto, menos prejudiciais (DONGKLIAR, DEORE, 2016; SKOTARCZAK et al., 2015). Assim, a exposição frequente à radiação leva a problemas cutâneos agudos na forma de queimaduras, rachaduras, hipersensibilidade, urticária e dermatite, e crônicos, como supressão imune, rugas, envelhecimento e câncer de pele. Apesar desta ter desenvolvido proteção própria aos efeitos imunossupressores e mutagênicos através do espessamento da camada dérmica, reparo de DNA, apoptose, enzimas oxidantes e pigmentação, a fotoproteção é fundamental para evitar tais problemas e inclui comportamento apropriado durante a exposição à luz solar. Vale ressaltar que os efeitos danosos da luz solar não são atribuídos somente aos comprimentos de onda isolados. A interação entre a luz visível, radiação UV e infravermelho apresenta um papel importante no desenvolvimento desses efeitos (BALOGH et al., 2011; DONGKLIAR, DEORE, 2016; SKOTARCZAK et al., 2015). As formas mais eficazes de se proteger contra a radiação solar são pelo uso de roupas que cubram a pele e por se abrigar na sombra, no entanto, nem sempre é possível ou conveniente optar por uma dessas alternativas. O uso de protetores solares é a opção mais comum para aqueles que realizam atividades ao ar livre ou em dias de temperatura elevada, onde a utilização de certos tipos de roupa pode ser incômoda (BALOGH et al., 2011; DONGKLIAR, DEORE, 2016; SKOTARCZAK et al., 2015). Protetor solar é definido, pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), como “qualquer preparação cosmética destinada 6 a entrar em contato com a pele e lábios, com a finalidade exclusiva ou principal de protegê-la contra a radiação UVB e UVA, absorvendo, dispersando ou refletindo a radiação” (RDC nº30, 2012). Tais preparações cosméticas podem ser encontradas na forma de emulsões óleo em água (O/A) ou água em óleo (A/O), em gel, bastões, aerossol e bastão, cada uma desenvolvida a fim de fornecer proteção duradoura, bom espalhamento, hidratação e alta estabilidade (BALOGH et al., 2011; NGOC et al., 2019). São compostas por filtros UV que devem ser capazes de fornecer uma proteção uniforme contra a radiação solar (JANSEN et al., 2013) e, idealmente, ser fotoestáveis e seguros para uso (LATHA et al., 2013). Os filtros são classificados como físicos e químicos e podem ser combinados de diversas formas com o objetivo de aumentar o espectro de proteção e garantir sua eficácia. Desde a sua primeira comercialização nos Estados Unidos em 1928, o uso de protetores solares se expandiu mundialmente como integrante da estratégia para fotoproteção (NGOC et al., 2019). O FDA (Food and Drug Administration) recomenda a aplicação de 2mg/cm² de produto para atingir o benefício máximo da proteção, com reaplicação a cada duas horas, bem como após suar, tomar banho ou nadar (LATHA et al., 2013). Uma extrapolação de dados de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 2007, sugere que 33 milhões de cidadãos estadunidenses usam protetores solares diariamente e 177 milhões aplicam ocasionalmente (MONTEIRO-RIVIERE, 2011). Muitos fatores influenciam a exposição a esse tipo de produto, como localização geográfica, estação do ano, estilo de vida e gênero (RUSZKIEWICZA, 2017). Muito se sabe sobre a importância e necessidade da utilização de protetores solares. No entanto, sua aplicação diária e a longo prazo levantou preocupações sobre possíveis toxicidades em função da absorção e permeação desses filtros, já que as preparações são frequentemente aplicadas em áreas grandes da pele, o que significa que até baixas taxas de penetração possam fazer com que quantidades significativas de protetor entrem no corpo (TAMPUCCI et al., 2018). O uso desses produtos enfrenta muitos desafios, incluindo deficiência na produção de vitamina D e carcinogênese (NGOC et al., 2019), porém pouco se fala sobre o assunto. A própria ANVISA, em seu regulamento sobre protetores solares, determina que a rotulagem dos mesmos contenha advertências e instruções de uso que mencionam, entre diversos itens, a necessidade de 7 reaplicação, o seu papel na prevenção de queimaduras solares e a informação de que protetores solares não oferecem nenhuma proteção contra insolação, porém, não apresenta definições sobre a menção de possíveis riscos associados ao seu uso crônico (RDC nº30, 2012). Diante do exposto, o objetivo da presente proposta é fazer uma revisão analítica em relação à segurança do uso de fotoprotetores e identificar estratégias para minimizar possíveis riscos. 2. OBJETIVO(S) O objetivo deste trabalho foi desenvolver uma revisão crítica, através da investigação na literatura, sobre a segurança e toxicidade relacionadas ao uso de protetores solares e identificar estratégias de minimização de riscos. 3. MATERIAIS E MÉTODOS Foi realizada uma revisão sistemática sobre o tema a partir de informações obtidas nas bases de dados PubMed, Isi Web of Knowledge, Google Scholar e Scielo. Foram selecionados os artigos conforme os seguintes parâmetros: 1) palavras-chave utilizadas foram: “sunscreen”, “safety”, “toxicity”, “permeability”, “photoprotection”, “stability”, “skin penetration”, “UV filters”, “damaged skin”, “permeation” e “skin wound”. 2) Critérios de inclusão: artigos científicos publicados entre 2000 e 2020 que tenham relação com o tema tratado neste trabalho; 3) Critérios de exclusão: artigos científicos publicados anteriormente ao ano 2000 e que não tenham relação com o objetivo desta revisão. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Através da busca na literatura, foram selecionados 19 artigos que contemplaram os critérios de inclusão. Tais artigos foram sistematizados por meio da classificação dos filtros solares e dos riscos associados ao seu uso. As toxicidades de fotoprotetores mais comumente identificadas, discutidas 8 separadamente a seguir, estão associadas ao desenvolvimento de melanoma, deficiência de vitamina D, efeitos cutâneos, alterações na penetração dérmica e absorção sistêmica, efeitos no desenvolvimento fetal e neonatal, danos ao DNA e fotocarcinogênese, alterações no sistêmica endócrino, efeitos neurotóxicos e efeitos inalatórios. A tabela 1 apresenta o resumo das principais informações obtidas nos artigos discutidas abaixo. 4.1. Classificação de filtros solares Protetores solares têm, em sua composição, filtros físicos e/ou químicos, que se diferem por seus mecanismos de ação (Fig.1). Fig.1. Adaptado de: McSWEENEY, P. The Royal Australia College of General Practitioners, 2016, 45(6). Filtros físicos são filtros inorgânicos, de origem mineral como os dióxidos de titânio (TiO2) e óxido de zinco (ZnO), e agem espalhando ou refletindo a radiação de todos os comprimentos de onda. Podem combinar diversos compostos para aumentar o espectro de proteção e evitar sua penetração na pele, pois devem possuir moléculas grandes o suficiente para não penetrarem, formando uma barreira na superfície, já que partículas micronizadas podem entrar em reações fotoquímicas produzidas por EROs e contribuir para diminuir a eficácia da proteção solar. Os filtros físicos não reagem com a pele e, portanto, não causam alergias, porém tendem a deixar uma camada branca e opaca, o que é inconveniente do ponto de vista estético para a cosmética (SERPONE, DONDI, 9 ALBINI, 2007; SKOTARCZAK et al., 2015; TAMPUCCI et al., 2018; VILELA et al., 2016). Os filtros químicos, por sua vez, são compostos orgânicos, com estrutura aromática, que agem absorvendo a radiação UV e dissipando sua energia na forma de calor ou luz. São classificados pela sua capacidade de absorver raios UVA, como benzofenonas, antralinatos e dibenzoilmetanos, ou UVB, tais como derivados de PABA (ácido paraminobenzóico), salicilatos, cinamatos e derivados de cânfora. Esses dois tipos de filtros são comumente utilizados de forma combinada com o objetivo de aumentar o espectro de absorção e, consequentemente, proteção. Existe uma tendência no aumento do uso de filtros inorgânicos em produtos cosméticos pelo seu baixo potencial em causar reações de irritabilidade e eficácia protetora (SERPONI, DONDI, ALBINI, 2007; TAMPUCCI et al., 2018). Exemplos de filtros de cada classificação são demonstrados na Figura 2: Fig.2. Adaptado de: LATHA, M.D. et al. The Journal of Clinical and Aesthetic Dermatology, 2013, 6(1):16–26. 4.2. Riscos associados ao uso de filtros solares Produtos contendo filtros solares possuem um extenso uso durante o curso da vida pela necessidade de uso diário, com reaplicação a cada 2 horas, iniciados a partir de 6 meses de idade (MATTA et al., 2020; WANG et al., 2019). Um cálculo 10 realizado sugere que, com uma penetração máxima de 5%, identificada como segura para alguns filtros orgânicos, é possível absorver até 200mg de produto, ou 2,56mg/kg, após uma única aplicação, considerando um homem adulto de 78kg (RUSZKIEWICZ et al., 2017). Assim, a exposição prolongada levanta preocupações e a necessidade de obtenção de dados de segurança a respeito de possíveis toxicidades consequentes ao uso dos fotoprotetores. 4.2.1. Desenvolvimento de melanoma O uso de protetores solares está frequentemente associado à proteção contra cânceres de pele. No entanto, alguns estudos associaram produtos contendo filtros solares com o possível desenvolvimento de melanoma. Gorham et al. (2007) apontou que alguns protetores solares absorvem completamente a radiação UVB, mas transmitem grandes quantidades de radiação UVA, o que pode contribuir para o risco de melanoma em populações em latitudes acima de 40ºC (NGOC et al.2019). Além disso, foram identificados estudos de casocontrole, cujos resultados foram examinados em duas meta-análises. Atualmente, ainda não há estudos randomizados sobre o assunto (BURNETT M. e WANG S., 2011; LODÉN et al., 2011). A meta-análise realizada por Huncharek e Kupelnick (2002) incluiu 11 estudos de casos-controles comparando a incidência de desenvolvimento de melanoma maligno associada a diferentes frequências de uso de fotoprotetores (nunca utilizados, utilizados algumas vezes, frequentemente, regularmente ou sempre). O risco relativo final indicou que não foi encontrada diferença no risco de desenvolvimento de melanoma entre nenhuma das frequências de uso. Por sua vez, a meta-análise realizada por Dennis et al. (2003) incluiu 18 estudos de casoscontrole, dentre estes os 11 da meta-análise anterior, e comparou dados de pacientes que já utilizaram filtros solares e pacientes que nunca os utilizaram. A razão de possibilidades combinada (OR – odds ratio) encontrada indicou que agentes solares não apresentaram nem efeito protetor, nem efeito prejudicial no desenvolvimento de melanoma quando comparado com a não utilização do produto (BURNETT M. e WANG S., 2011). 11 Nove dos estudos incluídos em ambas as meta-análises identificaram um aumento do risco de desenvolvimento de melanoma com o uso do fotoprotetores, porém diversos fatores podem ter contribuído para esse resultado, tais como exposição intermitente ao sol, histórico de queimaduras de sol, exposição durante a infância e padrão de aplicação do produto, já que poucos seguem a recomendação de aplicar a concentração de 2mg/cm² (BURNETT M. e WANG S., 2011). A informação a respeito da relação entre protetores solares e proteção contra melanoma ainda é limitada, tornando inconclusiva a análise (BURNETT M. e WANG S., 2011; LODÉN et al., 2011). 4.2.2. Deficiência de vitamina D A vitamina D é essencial para a homeostase fisiológica do corpo humano e sua síntese endógena depende da exposição da pele à radiação UVB. Dessa forma, levantou-se o debate sobre a possível inibição de sua produção com o uso de agentes fotoprotetores (BURNETT M. e WANG S., 2011). Um estudo publicado em 1987 por Matsuoka et al. demonstrou que uma única aplicação de PABA foi suficiente para inibir a síntese de vitamina D in vivo e in vitro. Foram comparados níveis de 25(OH)D, ou calcidiol, produto da conversão da vitamina D3 no fígado para armazenamento, em pacientes com histórico de câncer de pele e que utilizaram PABA (ácido para-aminobenzóico) no último ano com níveis da molécula em pacientes-controle que não utilizaram o produto no ano anterior e que não tinham histórico de câncer de pele. Os resultados demonstraram que o nível médio de 25(OH)D em pacientes que utilizaram o filtro solar era menor do que 50% do de pacientes que não o utilizaram. No entanto, vale ressaltar que a exposição à radiação UV não foi controlada e que os padrões de comportamento dos grupos podem ter contribuído para a diferença observada. Por fim, dois estudos descreveram que a aplicação de protetor solar com SPF 15 (bloqueou completamente a produção de vitamina D após exposição à radiação UV, porém a diminuição nos níveis dos produtos da vitamina no corpo não foi suficiente para causar alterações significativas nos marcadores metabólicos ósseos (BURNETT M. e WANG S., 2011). 12 Apesar desses dados, um estudo de Marks et al. (1995) sobre o uso de protetores solares na vida real concluiu que, mesmo com a aplicação de protetor solar (SPF 17), não houve diferenças significantes nos níveis 25(OH)D plasmático quando comparado com o uso de creme placebo, indicando que os participantes do estudo que utilizaram protetor foram suficientemente expostos à radiação UV para produzirem vitamina D. Também em contraste, alguns estudos demonstraram um aumento dos níveis séricos de 25(OH)D com o uso de filtro solar (BURNETT M. e WANG S., 2011). A partir dessas informações, pode-se dizer que existe uma relação entre protetores solares e alterações nos níveis de vitamina D se considerado o uso correto do produto. No entanto, a maioria dos indivíduos não realiza as aplicações conforme o recomendado, o que, somado a um aumento do tempo de exposição ao sol, resulta em produção de vitamina D mesmo em uso de agentes fotoprotetores (BURNETT M. e WANG S., 2011). 4.2.3. Efeitos cutâneos Por sua aplicação tópica, é esperado que os filtros solares causem algum tipo de reação cutânea nos usuários. Apesar das dificuldades estéticas encontradas no uso dos filtros inorgânicos pelo tamanho de suas partículas e consequente opacidade dos produtos que os contêm, eles costumam apresentar vantagens por sua fotoestabilidade e baixas taxas de reações fotoalérgicas, sendo considerados relativamente seguro nesse quesito (BURNETT M. e WANG S., 2011). Os filtros orgânicos, todavia, não apresentam o mesmo perfil de segurança. Por estarem frequentemente ligados a reações alérgicas, dermatite de contato e produção de manchas na pele, sua porcentagem em formulações costuma ser limitada pelas agências regulatórias e, em casos como a oxibenzona (BP-3), a qual está constantemente envolvido em reações de hipersensibilidade, alguns países exigem, inclusive, a presença de um aviso nos produtos contendo o composto (SKORTARCZAK et al., 2015; TAMPUCCI et al., 2018). Além disso, houve uma correlação positiva entre o uso de protetores faciais contendo esse tipo de filtro por longos períodos e o desenvolvimento de alopecia fibrosante frontal 13 (KRUTMANN et al., 2020). Ademais, os filtros orgânicos são capazes de inibir a formação de eritema, o qual é um fator de evidência de irritação cutânea, fazendo com que os usuários fiquem expostos por mais tempo à radiação e, consequentemente, aos seus efeitos negativos (SKORTARCZAK et al., 2015). Reações alérgicas aos filtros solares, dermatites de contato e de fotocontato alérgicas, no entanto, não são comuns, ocorrendo, em sua maioria, pela presença de BP-3 na formulação. Filtros frequentemente associados à fotoalergenicidade, como PABA, o amil-dimetil-PABA e a benzofenona-10, não são mais utilizados, colaborando, então, com a redução dos casos de irritação à pele por uso contínuo de fotoprotetores (BALOGH et al., 2011). 4.2.4. Permeação/penetração epidérmica e absorção sistêmica Por ser a primeira proteção do corpo, a permeabilidade na pele é um dos fatores mais importantes a serem considerados durante a formulação de produtos de uso tópico; por isso, estudos a respeito de toxicidades relacionadas ao uso de fotoprotetores são, em sua maioria, sobre capacidade de penetração e absorção sistêmica. Influenciam a absorção, o veículo, formulação, características físicoquímicas do ativo e diversos fatores relacionados à pele (TAMPUCCI et al., 2018; WANG e GANLEY, 2019). Além disso, a combinação com outras substâncias também deve ser feita com cautela: a aplicação simultânea de BP-3 com alguns componentes de repelentes, por exemplo, tal como DEET (N,N-dietil-mtoulamida), pode aumentar a penetração dérmica de ambos. Idealmente, produtos contendo filtros solares não devem penetrar a barreira cutânea para, assim, não ocorrer absorção sistêmica e passagem para outras partes internas do corpo. No entanto, estudos identificaram a presença de alguns filtros não só em camadas mais internas da pele, como também em fluidos corporais, como leite materno humano, urina, plasma e sêmen, e passagem pela barreira hematoencefálica, levantando algumas preocupações importantes (SUH et al., 2020; RUSZKIEWICZA et al., 2017). Filtros orgânicos, no geral, apresentaram maior permeação quando comparados aos filtros inorgânicos devido à sua lipofilicidade (RUSZKIEWICZA et al., 2017). O BP-3 foi o composto com maior menção nos estudos e é um dos 14 filtros UVA mais utilizados atualmente nos EUA (BURNETT M. e WANG S., 2011), com uma prevalência de exposição estimada de 96% (JANSEN, 2013). O BP-3 de baixo peso molecular apresentou boa habilidade de permeação e penetração na pele de acordo com estudos in vitro (TAMPUCCI et al., 2018) e foi encontrado na urina e plasma após aplicação em 75% da superfície corporal, sugerindo uma capacidade de atingir a circulação e, possivelmente, acumular (KRUTMANN et al., 2020; SKORTARCZAK et al., 2015; BURNETT M. e WANG S., 2011), o que pôde, de fato, ser observado em alguns órgãos de ratos em um estudo in vivo. Outros filtros, como avobenzona (AVO), octocrileno (OC), homosalato (HMS), octisalato e octinoxato também foram detectados no plasma após uma única aplicação, em concentração maior do que a recomendada pelo FDA, e o p-metoxicinamato de octila (OMC) pôde ser encontrado no plasma após 4 dias da aplicação inicial (MATTA et al., 2020; SKORTARCZAK et al., 2015). Janjua et al. conseguiram determinar que, apesar da detecção de BP-3, OMC e enzacameno (4-MBC) no plasma e urina, a presença sistêmica desses filtros pareceu não influenciar níveis de hormônios reprodutivos em homens jovens e mulheres pós-menopausa (JANJUA et al., 2004); faltam, entretanto, estudos mais assertivos a respeito dos efeitos produzidos por filtros solares após absorção, pois tais informações ainda são escassas e inconclusivas. Pelo tamanho de suas partículas, os filtros inorgânicos tendem a ser seguros por sua baixa capacidade de penetração dérmica, porém apresentam características desfavoráveis pelo mesmo motivo, tais como dificuldade de aplicação e aspecto branco e opaco. Assim, desde o início de 1990, foram desenvolvidas as micro e as nanopartículas (< 100nm), que melhoraram o aspecto físico dos protetores contendo filtros inorgânicos, mantendo qualidades fotoprotetoras, porém com a possibilidade de penetração cutânea (NGOC et al., 2019; MsSWEENEY, 2016). A penetração dérmica de TiO2 foi estudada tanto em emulsão A/O, quanto em O/A, e foi identificado que o filtro não apresentou penetração relevante in vivo e in vitro, sendo apenas observadas algumas partículas no estrato córneo. O produto aplicado utilizando movimentos de fricção, no entanto, pôde ser encontrado em camadas mais profundas do estrato córneo e folículos pilosos, indicando que o movimento mecânico pode influenciar a entrada de produto na 15 pele (MONTEIRO-RIVIERE et al., 2011). O ZnO, por sua vez, foi capaz de penetrar a pele humana, entrar na circulação e estimular resposta imune. Além disso, quantidades elevadas de zinco puderam ser encontradas no sangue e na urina de humanos, após aplicação de protetor contendo ZnO durante 5 dias (McSWEENEY, 2013). As evidências atuais, no entanto, sugerem que é pouco provável que protetores contendo nanopartículas sejam prejudiciais e mais estudos precisam ser realizados. É interessante mencionar que poucos estudos avaliaram a influência da integridade da pele na absorção de compostos. Protetores solares são frequentemente utilizados em situações em que a pele não se encontra íntegra, como durante a prática de esportes ao ar livre, nos quais é alta a possibilidade de lesão cutânea, exposição prolongada ao sol onde a própria radiação solar é capaz de lesionar a pele, ou por pacientes com doenças cutâneas, como psoríase. Para filtros inorgânicos, não houve demonstração de toxicidade após aplicação em pele intacta e saudável (BURNETT M. e WANG S., 2011), assim como não foi identificada penetração de TiO2 após lesão de pele de porco por técnica tape-stripping in vitro (MONTEIRO-RIVIERE NA et al., 2011). A influência de lesão por radiação UV, por sua vez, trouxe resultados contraditórios: um estudo concluiu que nano e micropartículas de filtros inorgânicos não penetram tanto na pele intacta de camundongos, quanto na pele envelhecida artificialmente por irradiação (TAMPUCCI et al., 2018), enquanto outro demonstrou um pequeno aumento da penetração de ambos os filtros em pele de porco, ainda que o material penetrado tenha permanecido apenas em camadas superiores do estrato córneo, sem absorção sistêmica. Os folículos pilosos, no entanto, podem apresentar um ponto frágil na barreira cutânea, podendo ser uma área de absorção e acúmulo de partículas (MONTEIRO-RIVIERE NA et al., 2011). Para filtros orgânicos, o BP-3 apresentou maior penetração em peles expostas à radiação UV, porém o envelhecimento causado por tempo não influenciou o comportamento de absorção. Resultados semelhantes foram observados para AVO, já que houve menor deposição do filtro em pele jovem de camundongos quando comparada à pele artificialmente envelhecida por radiação; no entanto, a captação folicular foi aumentada por radiação UVA e UVB e houve permeação da pele pela alta afinidade de AVO ao estrato córneo (TAMPUCCI et al, 2018). 16 Apesar dessas evidências, os níveis de filtros solares encontrados nas amostras humanas geralmente são baixos e ainda não há indícios de que essas pequenas quantidades absorvidas tenham efeitos tóxicos reais para os seres humanos (RUSZKIEWICZA et al., 2017). 4.2.5. Efeitos no desenvolvimento fetal e neonatal Por sua capacidade de atravessar a barreira sangue-placenta e entrar em contato com o líquido amniótico e leite materno, algumas preocupações a respeito do uso de BP-3 em mulheres grávidas foram abordadas, porém os resultados foram divergentes. Estudos de Wolff (2008) e colaboradores e Philippat e colaboradores (2012) identificaram uma correlação positiva entre a exposição de mulheres grávidas a BP-3 e o peso geral e circunferência da cabeça de bebês (RUSZKIEWICZ et al., 2017; SUH ET AL., 2020). Por outro lado, quatro outros estudos analisados por Suh et al. não constataram tal associação. No geral, os estudos apresentados por Suh e colaboradores não comprovaram nenhuma relação entre a concentração de BP-3 em mulheres grávidas e o peso no nascimento, desenvolvimento puberal, gordura corporal, quociente de inteligência e comportamento de bebês (SUH et al., 2020). 4.2.6. Danos ao DNA e fotocarcinogênese Para garantir seu papel na proteção contra a radiação solar, espera-se que agentes fotoprotetores sejam quimicamente inertes e fotoestáveis. Alguns estudos, no entanto, demonstraram que alguns filtros solares são capazes de formar radicais livres, os quais possuem atividade carcinogênica. O retinil palmitato, forma de armazenamento de retinol (vitamina A) na pele humana, é altamente utilizado em produtos cosméticos e protetores solares. Diversos estudos in vitro foram publicados pelo FDA, a respeito desse composto, indicando a formação de EROs após a exposição à radiação UV. Num contexto real, a pele humana produz um ambiente capaz de anular as ações negativas das EROs pela atuação em conjunto de antioxidantes enzimáticos e não-enzimáticos; no entanto, essa interação cooperativa não é observada em um ambiente 17 laboratorial isolado, no qual alguns antioxidantes instáveis inclusive demonstraram efeitos pro-oxidativos (BURNETT M. e WANG S., 2011). Para avaliar o potencial carcinogênico do retinil palmitato in vivo, um estudo foi realizado utilizando ratos expostos ao composto em duas concentrações diferentes ou placebo e, então, irradiados com baixas e altas doses de radiação UV. No grupo que recebeu baixas doses de radiação, o retinil palmitato induziu maiores incidências de lesões malignas em todos os grupos. Por outro lado, não houve diferenças significativas no grupo que recebeu altas doses de radiação, tornando o estudo inconclusivo referente ao potencial fotocarcinogênico da molécula (WANG, DUSZA, LIM, 2010). Outros filtros orgânicos frequentemente utilizados em protetores solares também apresentaram capacidade de formação de radicais livres, tais como Padimato O, OMC e PABA, sendo que esses dois últimos foram capazes de induzir a formação desse tipo de molécula instável na ausência de luz (SERPONE et al., 2007; TAMPUCCI et al., 2018). No entanto, esse risco fotocarcinogênico não se limita aos filtros orgânicos, já que a produção de EROs livres após exposição à radiação UV também foi identificada para o TiO2 e levou a danos em plasmídeos de DNA e núcleos de células cutâneas humanas e morte celular in vitro (SERPONE et al., 2007). 4.2.7. Alterações no sistema endócrino Considerando a possibilidade de absorção sistêmica, alguns estudos levantaram preocupações a respeito da interação entre filtros e hormônios. Foi identificado que o OMC exibiu, em roedores, atividade androgênica, diminuição da liberação hipotalâmica do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) e do hormônio liberador do hormônio luteinizante (LHRH) e redução nos níveis de tiroxina (T4), além de efeitos significativos nos níveis de testosterona e estradiol em humanos. Efeitos androgênicos também foram apresentados por Padimato O (RUSZKIEWICZ et al., 2017; TAMPUCCI et al., 2018). A maior preocupação, porém, é proveniente do potencial de alterações hormonais do BP-3, cuja absorção sistêmica já foi demonstrada. Estudos in vitro com células de câncer de mama evidenciaram atividade antiandrogênica e estrogênica de metabólitos de BP-3, com um aumento da transcrição de genes 18 regulados por estrogênio e inibição de ativação de gene dependente de dihidrotestosterona após a exposição ao composto. Conjuntamente, um estudo in vivo avaliou os efeitos estrogênicos do BP-3 através da pesagem do útero de ratos após ingestão de alimento contendo o filtro. Ainda que os objetos não tenham apresentado toxicidades agudas durante o estudo, houve um aumento de 23% no peso de seus úteros. Vale ressaltar, no entanto, que a dose utilizada é incomparavelmente mais alta do que a recebida por seres humanos durante a utilização de protetores solares (BURNETT M. e WANG S., 2011; JANJUA et al., 2004). Contraditoriamente, um estudo do uso tópico de produto contendo BP-3 em humanos de ambos os sexos demonstrou que, ainda que os homens tenham apresentado níveis relativamente mais baixos de estradiol e testosterona e um pequeno aumento de inibina B durante as primeiras 4 horas após aplicação, e as mulheres tenham apresentado uma pequena redução de testosterona nas primeiras 24 horas, essas alterações não foram observadas depois de 4 dias da aplicação e não houve perturbação da homeostase hormonal como consequência delas (BURNETT M. e WANG S., 2011; JANJUA et al., 2004). Além disso, dois estudos de coorte prospectivos avaliaram o potencial de modificação endógena do BP-3 pela medição da idade de início da puberdade de jovens, porém o efeito do composto nessa investigação foi inconclusivo, pois um estudo encontrou uma associação positiva e o outro uma associação negativa entre níveis de BP-3 na urina e início da puberdade (SUH ET AL., 2020). Por fim, Kang e colaboradores (2019) estudaram alguns compostos capazes de causar alterações no sistema endócrino, dentre eles o BP-3 e seu metabólito, benzofenona-1 (BP-1), e seus possíveis efeitos renais de através da obtenção da razão albumina/creatinina (RAC), um marcador de função renal. Foi identificada uma associação positiva entre BP-1 urinário e baixa RAC, indicando uma potencial contribuição do composto para lesão renal (KANG et al., 2019). Apesar desses dados, testes padronizados para avaliar o real potencial de filtros UV como desreguladores endócrinos ainda não estão disponíveis (KRUTTMAN et al., 2020). 4.2.8. Efeitos neurotóxicos 19 Devido a suas estruturas e lipofilicidade, alguns filtros orgânicos possuem certa facilidade em serem absorvidos na pele, atingirem a circulação sistêmica, acumularem em órgãos, como o cérebro, e atravessarem a barreira hematoencefálica, o que gerou uma preocupação a respeito de possíveis efeitos neurotóxicos (RUSZKIEWICZ et al., 2017). Estudos identificaram que o OMC causa alterações no sistema neuroendócrino e que essas são dependentes de gênero. Através de uma observação in vitro de células hipotalâmicas de ratos machos e fêmeas, viu-se que o OMC inibiu a liberação de neurotransmissores aspartato (Asp) e glutamato (Glu), mas não de ácido gama-aminobutírico (GABA) em fêmeas, ao passo que diminuiu a liberação de Glu e aumentou a de GABA em machos. Além disso, após a exposição de ratos a OMC durante a gravidez ou lactação, apresentaram-se uma diminuição da atividade motora em proles femininas de ratos e um aumento da aprendizagem espacial em proles masculinas, sugerindo que o desenvolvimento neuronal foi afetado. Tal hipótese foi reforçada através de estudos com células de neuroblastoma expostas a altas concentrações de OMC que demonstraram aumento de apoptose e diminuição de viabilidade celular, o que também foi observado em neurônios em contato com BP-3 (RUSZKIEWICZ et al., 2017). Semelhantemente ao OMC, foi verificado que o 4-MBC causou alteração na liberação hipotalâmica de Glu e Asp na prole masculina de ratos que receberam administração cutânea do composto durante a gravidez, com inibição do eixo testicular durante a fase pré-puberal e estimulação do mesmo durante a fase peri-puberal. Adicionalmente, o comportamento sexual de ratos do sexo feminino foi prejudicado com a ingestão de dieta contendo 4-MBC e a expressão de genes relacionados a estrogênio alterada (RUSZKIEWICZ et al., 2017). Alterações causadas por filtros orgânicos também foram observadas em estudos com peixes, nos quais foi verificada a inibição de atividade da enzima acetilcolinesterase (AChE), afetando o desenvolvimento neuronal em embriões expostos a 4-MBC, e danos à expressão de genes relacionados ao desenvolvimento e metabolismo no cérebro de peixes expostos a OC (RUSZKIEWICZ et al., 2017). 20 4.2.9. Efeitos inalatórios Apesar de o contato filtros solares ser mais frequente através da pele, é importante considerar outros meios de exposição, como a gastrointestinal, levando em conta o hábito das pessoas de comer e beber com as mãos contaminadas com protetores solares, e pelas vias aéreas. Os filtros inorgânicos, como TiO2 e ZnO, são frequentemente produzidos como nanopartículas e armazenados em forma de pó; consequentemente, trabalhadores de manufaturas ficam sujeitos à inalação desses produtos, o que pode trazer riscos à saúde. Uma revisão revelou dados que indicaram que a concentração de TiO2 respirável pode chegar a 150µg/m3 no local de trabalho em que se manipula esse tipo de produto (RUSZKIEWICZ et al., 2017) e estudos experimentais indicaram que a inalação de nanopartículas aerossóis pode resultar em alterações pulmonares e sistêmicas (LATHA et al., 2013). Também foi demonstrado que uma única inalação de 10 – 30min de alta dose de aerossol de nanopartículas de ZnO levou a um aumento dos níveis de citocinas inflamatórias no fluido de lavagem broncoalveolar. Apesar dessas evidências, a exposição ocupacional é crônica e a baixas concentrações, então seus efeitos ainda não são completamente conhecidos (RUSZKIEWICZ et al., 2017). 21 Tabela 1 – Resumo dos dados de literatura que descrevem os riscos associados ao uso de fotoprotetores. Risco Filtro Conclusão dos autores Fonte BURNETT M. e Desenvolvimento de melanoma Geral Inconclusivo: protetor solar não teve nem efeito protetor, nem prejudicial no desenvolvimento de WANG S., 2011; melanoma LODÉN et al., 2011 Deficiência de vitamina D Geral Bloqueio completo da produção de vitamina D após exposição à radiação UVB BURNETT M. e indução de alterações significativas nos marcadores metabólicos ósseos WANG S., 2011 creme placebo. Pacientes que utilizaram protetor solar com SPF 17 receberam radiação UV suficiente para produzir adequadamente vitamina D Aumento dos níveis séricos de 25(OH)D com o uso de protetores solares (Orgânico) Efeitos cutâneos Efeitos inibitórios após uma aplicação de PABA Retinil Aumento exponencial de vitamina D com aplicação de camada fina de retinil palmitato após palmitato exposição a raios UVB, indicando que a aplicação de camadas espessas pode causar uma (Orgânico) diminuição de níveis de vitamina D e levar à deficiência Geral Orgânicos WANG S., 2011 Efeito supressor nos níveis de 25(OH)D, produto da conversão da vitamina D3, porém sem Não houve diferença nos níveis séricos de 25(OH)D com uso de protetor solar com SPF 17 e PABA BURNETT M. e BURNETT M. e WANG S., 2011 BURNETT M. e WANG S., 2011 BURNETT M. e WANG S., 2011 LATHA et al., 2013 Uso de protetores faciais, por longos períodos, foi ligado a alopecia fibrosante frontal perto da KRUTMANN et linha do cabelo, principalmente em mulheres al., 2020 Inibição de eritema, fazendo com que as pessoas passem mais tempo expostas à radiação SKORTARCZAK et al., 2015 TAMPUCCI et BP-3 Na União Europeia, consumidores devem ser avisados se formulações contiverem BP-3 pelos al., 2018; (Orgânico) casos frequentes de hipersensibilidade SKORTARCZAK et al., 2015 22 OMC Risco de dermatite de contato, portanto a concentração máxima permitida em formulações é de TAMPUCCI et (Orgânico) 10% al., 2018 PABA Uso limitado pela capacidade de deixar manchas na pele e risco de dermatite de contato SKORTARCZAK (Orgânico) (concentração máxima de 5%) et al., 2015 Padimato O (Orgânico) Permeação/penetração epidérmica e absorção sistêmica Orgânicos Avobenzona (Orgânico) Por causar reações alérgicas, sua concentração máxima permitida é de 8% TAMPUCCI et al., 2018 Detecção de filtros orgânicos no plasma após aplicação em 75% da superfície corporal em KRUTMANN et condições de uso máximo al., 2020 Houve menor deposição de AVO em pele jovem de camundongos quando comparada à pele artificialmente envelhecida, a captação folicular foi aumentada por radiação UVA e UVB e houve permeação da pele em todos os casos pela alta afinidade de AVO ao estrato córneo TAMPUCCI et al., 2018 BP-3 Metabólitos acumulados no fígado, rim, baço, testículos, intestino, estômago, músculo, coração e BURNETT M. e (Orgânico) glândulas adrenais de ratos WANG S., 2011 Absorção sistêmica em mulheres pós-menopausa e em homens, sem acúmulo no plasma BURNETT M. e WANG S., 2011 BP-3 de baixo peso molecular apresentou boa habilidade de permeação e penetração na pele (in TAMPUCCI et vitro) al., 2018 AVO, BP-3 e ESZ em emulsão O/A como filtros livres ou em complexo com β-ciclodextrina demonstraram permear a pele de ratos em quantidade significativa (in vivo), tendo o ESZ a maior capacidade de permeação TAMPUCCI et al., 2018 O comportamento da penetração de BP-3 não foi alterado por envelhecimento artificial da pele de camundongos, porém as radiações UVA e UVB aumentaram tanto a permeação quando TAMPUCCI et deposição do filtro nos folículos. BP-3 apresentou penetração cutânea e alcançou a circulação, o al., 2018 que foi agravado com a radiação de luz UV BP-3, OMC e 4-MBC foram detectados no plasma e urina, indicando que há penetração sistêmica substancial, captação sistêmica e excreção urinária, mas a presença sistêmica desses filtros JANJUA et al., pareceu não influenciar níveis de hormônios reprodutivos em homens jovens e mulheres pós- 2004 menopausa BP-3 encontrado na urina e plasma após 4 dias da aplicação tópica, sugerindo capacidade de SKORTARCZAK 23 OMC (Orgânico) atingir o sistema circulatório e apresentar efeitos e acúmulo em outros órgãos et al., 2015 HMS, EHMC, OC, 4-MBC e BP-3 foram encontrados no leite materno em 46 de 54 amostras RUSZKIEWICZ recolhidas, sendo EHMC e OC os mais prevalentes et al., 2017 Detecção no plasma após 4 dias da aplicação tópica inicial SKORTARCZAK et al., 2015 Detecção de OMC e BP-3 na urina, sangue, sêmen, líquido amniótico e leite materno, mas não se SUH ET AL., sabe se a presença desses compostos na circulação sistêmica indica riscos para a saúde 2020 Octinoxato Por apresentar alta lipofilicidade, mais de 90% ficou retido no estrato córneo, assim como OMC, TAMPUCCI et (Orgânico) AVO e BMZ (in vitro) al., 2018 TiO2 e ZnO (Inorgânicos) Não houve demonstração de toxicidade após aplicação em pele intacta e saudável BURNETT M. e WANG S., 2011 TiO2 em emulsão A/O permaneceu no estrato córneo de pele humana excisada e estudos in vivo MONTEIRO- e in vitro com peles humanas demonstraram que não houve penetração em camadas epidérmicas RIVIERE N.A. et viáveis al., 2011 TIO2 em emulsão O/A aplicada em culturas organotípicas humanas (in vitro) e no antebraço de MONTEIRO- humanos (in vivo) apresentou maior penetração in vitro, porém as partículas permaneceram RIVIERE N.A. et apenas nas camadas do estrato córneo sob forma de um filme fino. al., 2011 TiO2 aplicado em pele de porco e humana por movimentos de fricção leves foi encontrado entre MONTEIRO- três e cinco camadas superiores do estrato córneo e a 400um nos folículos pilosos, indicando que RIVIERE N.A. et o movimento mecânico influencia na penetração do produto al., 2011 Pele normal e lesionada de porco foram expostas a quatro tipos diferentes de TiO2 (35-250nm) in vitro e não houve penetração de TiO2 no fluido receptor Estudo em pele saudável e psoriática demonstrou que o titânio penetra profundamente o estrato córneo desorganizado da pele psoriática, mas não atinge camadas viáveis da epiderme MONTEIRORIVIERE N.A. et al., 2011 MONTEIRORIVIERE N.A. et al., 2011 Estudo in vitro e in vivo com pele de porco danificada artificialmente por queimadura por radiação MONTEIRO- UVB demonstrou que houve um pequeno aumento da penetração de TiO2 e ZnO; TiO2 apresentou RIVIERE N.A. et maior capacidade de penetração, ainda que o material de ambos que foi capaz de penetrar tenha al., 2011 24 permanecido nas camadas superiores do estrato córneo, não havendo absorção sistêmica Nano e micropartículas não penetraram tanto na pele intacta de camundongos, quanto na pele TAMPUCCI et artificialmente envelhecida e irradiada com UV al., 2018 Detecção de quantidades elevadas de zinco no sangue e urina de participantes de ensaio humano McSWEENEY, após aplicação durante 5 dias de protetor contendo nanopartículas de ZnO 2013 Pequena quantidade de Zn foi capaz de penetrar a pele humana e entrar na circulação, estimulando resposta imune. Macrófagos realizam um papel dominante na proteção do corpo contra efeitos citotóxicos do ZnO em estudo in vitro McSWEENEY, 2013 Efeitos no BP-3 Níveis de BP-3 em amostras de urina de gestantes foram positivamente correlacionados com RUSZKIEWICZ desenvolvimento fetal e (Orgânico) peso geral e circunferência da cabeça do bebê et al., 2017 Associação estatisticamente irrelevante entre exposição pré-natal a BP-3 e peso no nascimento, SUH ET AL., desenvolvimento puberal, gordura corporal, quociente de inteligência e comportamento 2020 neonatal Fotocarcinogênese/danos OMC ao DNA (Orgânico) PABA (Orgânico) Padimato O (Orgânico) Retinil palmitato (Orgânico) Indução de formação de radicais livres em solução tamponada de fosfato na ausência de luz Indução de formação de radicais livres em solução tamponada de fosfato na ausência de luz Risco de liberação de radicais livres (danos ao DNA) Geração de espécies reativas de oxigênio quando exposto à radiação UV (in vitro) Aumento da incidência de lesões malignas em ratos expostos a retinil palmitato e baixa dose de radiação UV e ausência de diferenças estatisticamente significativas após exposição a alta dose de radiação. O estudo foi inconclusivo a respeito do potencial fotocarcinogênico da combinação de retinil palmitato e radiação UV (estudo in vivo) SKORTARCZAK et al., 2015 SKORTARCZAK et al., 2015 TAMPUCCI et al., 2018 BURNETT M. e WANG S., 2011 WANG, Steven Q.; DUSZA, Stephen W.; LIM, Henry W, 2010 TiO2 Produção de EROs livres após exposição à radiação UV, levando a danos em plasmídeos de SERPONE et (Inorgânico) DNA e a núcleos de células cutâneas humanas (in vitro) al., 2007 Partículas de TiO2 não encapsulado induzem dano oxidativo ao DNA, causando morte celular SERPONE et al., 2007 25 Alterações no sistema BP-3 Aumento da atividade estrogênica de metabólitos de BP-3 em células humanas de câncer de BURNETT M. e endócrino (Orgânico) mama (in vitro) WANG S., 2011 Atividade antiandrogênica e efeitos estrogênicos de BP-3 em células humanas de câncer de BURNETT M. e mama (in vitro) WANG S., 2011 Aumento da transcrição de genes regulados por estrogênio em células humanas de câncer de mama expostas a BP-3; ligação de BP-3 em receptores de estrogênio e inibição da ativação de gene dependente de dihidrotestosterona por BP-3 em células de câncer de mama (in vitro) WANG S., 2011 Sem toxicidades agudas com a exposição de ratos a BP-3, porém houve um aumento do peso BURNETT M. e uterino (in vivo) WANG S., 2011 Alterações significativas na inibina B e estradiol (redução) em homens e testosterona (aumento) em ambos homens e mulheres após exposição a BP-3 em creme, porém as alterações não foram relacionadas ao protetor solar (estudo em humanos) Associação positiva e negativa entre níveis de BP-3 na urina e início da puberdade JANJUA et al., 2004 SUH ET AL., 2020 Associação positiva entre razão albumina/creatinina (marcador de função renal) e BP-1 KANG et al., (metabólito de BP-3), sugerindo potencial fator contributivo do BP-3 para lesão renal 2019 OMC Atividade estrogênica em roedores (in vitro e in vivo) e efeitos estatisticamente significativos nos RUSZKIEWICZ (Orgânico) níveis de testosterona e estradiol em humanos et al., 2017 Interação com eixo hipotálamo-hipófise-tireoide: diminuição nos níveis de T4, sem alterações nos RUSZKIEWICZ níveis de T3 e TSH em ratos (in vivo) et al., 2017 Diminuição da liberação hipotalâmica de GnRH e LHRH em ratos (in vitro) Padimato O (Orgânico) Efeitos neurotóxicos BURNETT M. e 4-MBC (Orgânico) Risco de atividade androgênica Comportamento sexual proceptivo e receptivo feminino prejudicado em ratos (in vivo) Alteração da expressão de genes relacionados a estrogênio em ratos (in vivo) Alteração da liberação hipotalâmica de Glu e Asp na prole masculina, inibição do eixo testicular na RUSZKIEWICZ et al., 2017 TAMPUCCI et al., 2018 RUSZKIEWICZ et al., 2017 RUSZKIEWICZ et al., 2017 RUSZKIEWICZ 26 prole masculina durante a fase pré-puberal e estimulado durante o estágio peri-puberal em ratos et al., 2017 (in vivo) BP-3 (Orgânico) Inalatório Atividade de AChE inibida e comprometimento do desenvolvimento muscular e neuronal precoce RUSZKIEWICZ em embriões de peixes et al., 2017 Diminuição da viabilidade celular de neurônios RUSZKIEWICZ et al., 2017 OC Expressão prejudicada de genes relacionados ao desenvolvimento e metabolismo no cérebro em RUSZKIEWICZ (Orgânico) peixes et al., 2017 OMC Diminuição de atividade motora na prole feminina de ratos e aumento da aprendizagem espacial RUSZKIEWICZ (Orgânico) na prole masculina et al., 2017 TiO2 e ZnO (Inorgânicos) Alterações pulmonares e cardiovasculares em ratos após inalação de produto contendo TiO2 LATHA et al., 2013 Inalação única de 10-30min de alta dose de aerossol de ZnO em exposição ocupacional levou a RUSZKIEWICZ um aumento de níveis de IL-6, IL-8 e TNF-α no fluido de lavagem broncoalveolar et al., 2017 4-MBC: 3-(4-metil)-benzilideno cânfora (enzacameno); 25(OH)D: calcidiol; AChE: acetilcolinesterase; A/O: água/óleo; Asp: aspartato; AVO: avobenzona; BMZ: ; BP-1: benzofenona1; BP-3: benzofenona-3 (oxibenzona); DNA: ácido desoxirribonucleico; EHMC: 2-etil-hexil-4-trimetoxicinamato; EROs: espécies reativas de oxigênio; ESZ: ensulizol; Glu: glutamato; GnRH: hormônio liberador de gonadotrofina; HMS: homosalato; IL-6: interleucina-6; IL-8: interleucina-8; LHRH: hormônio liberador do hormônio luteinizante; O/A: óleo/água; OC: octocrileno; OMC: p-metoxicinamato de octila; PABA: ácido para-aminobenzoico; PC: ; SPF: sun protection factor; T3: tri-iodotironina; T4: tiroxina; TiO2: dióxido de titânio; TNF-α: fator de necrose tumoral-α; TSH: hormônio estimulante da tireoide; UV: ultravioleta; Zn: zinco; ZnO: óxido de zinco 27 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso de protetores solares é amplamente recomendado por sua proteção contra os malefícios da radiação solar. Devido ao seu uso crônico e diário, preocupações a respeito de possíveis toxicidades relacionadas aos filtros solares foram levantadas. As evidências científicas disponíveis, no entanto, são muito recentes e ainda não estão bem sistematizadas, sendo, por vezes, até contraditórias. Além disso, a utilização de fotoprotetores em situações em que a pele não se encontra íntegra é raramente abordada, sendo estudada em apenas 4 dos artigos aqui mencionados. Diante do exposto, vários estudos têm relatado formas de garantir maior segurança aos protetores solares. A fotoestabilidade dos agentes fotoprotetores é um fator importante para que seja garantida a proteção contra a radiação solar e a segurança contra radicais livres. Filtros inorgânicos são conhecidos por sua instabilidade, pois se tornam inativos por radiação UV, perdendo características fotoprotetoras, podendo até se tornar agentes foto-oxidantes. Essa questão pode ser manejada pela combinação de dois ou mais agentes fotoprotetores ou outras substâncias, que trabalham em sinergia para se manterem estáveis (SERPONE, DONDI e ALBINI, 2007). As formas micronizadas do dióxido de titânio e do óxido de zinco podem sofrer reações fotoquímicas que comprometem sua eficácia, levando a danos ao material genético ou alterando a homeostase celular. O revestimento das partículas com óxido de alumínio, dimeticone ou sílica promove a estabilidade das mesmas, minimizando a formação de EROs e aderência dos compostos a células, reduzindo tais efeitos negativos. Algumas novas propostas surgem para elevar a qualidade dos fotoprotetores inorgânicos, como, por exemplo, o encapsulamento destes com cera de carnaúba. A cera de carnaúba contém cinamatos que, em conjunto com o dióxido de titânio, gera dispersão estável, com viscosidade adequada e com significativo aumento tanto do valor de FPS quanto da proteção UVA (BALOGH et al, 2011; JANSEN et al., 2013). Os filtros orgânicos, por sua vez, também não estão livres dessa instabilidade. A avonbenzona, por exemplo, sofre significante degradação quando exposta à luz. A redução de 50 a 90% da efetividade do produto pode ser observada após apenas 60 minutos de exposição 28 à radiação UV. A fotoestabilização da formulação pode ser realizada pela adição de um filtro solar com boa proteção UVB, como o salicilato de homomentila (BALOGH et al, 2011). O desenvolvimento de novos filtros com maior espectro de proteção e que levem em consideração a interação entre os diferentes comprimentos de onda da luz solar tem sido incentivado. Além disso, devem-se considerar a segurança e benefícios adicionais, tais como hidratação e propriedades de rejuvenescimento, e atender às necessidades particulares da população, considerando idade, tipo de pele, fisiologia, e risco de doenças com base em perfil genético e fatores de susceptibilidade, a fim de aumentar adesão de uso. A susceptibilidade dos indivíduos à radiação solar varia com as diferenças na formação de dímeros induzida por radiação UV e com a capacidade de corrigir esses danos no DNA. Os ruivos, por exemplo, estão mais suscetíveis a esse tipo de lesão e pessoas de pele mais escura possuem maior facilidade de reparação. Assim, acredita-se que as futuras formulações poderão ser mais personalizadas, com base no perfil genético e identificação de fatores de susceptibilidade particulares dos consumidores (KRUTTMAN et. al, 2020). Para a produção de filtros mais eficazes e seguros, é necessário que as metodologias de previsão num cenário da vida real sejam mais confiáveis e eficazes. É necessário, também, que a concentração de filtro seja a menor possível, com mínimo impacto ambiental, e que haja a produção de ingredientes inovadores para complementar a proteção UV (KRUTTMAN et. al, 2020). Novos filtros BEMT (bisetil-hexiloxifenol metoxifenil triazina), metileno bis-benzotriazolil tetrametilbutilfenol (MBBT) e butilmetoxi-dibenzoílmetano (BMDBM), ainda não aprovados pelo FDA, apresentaram ação instantânea, longa duração de proteção, com efetividade contra raios UVA e UVB de comprimento de onda entre 280 e 400nm, e melhor aparência cosmética. Esses novos agentes foram formulados para serem mais lipossolúveis, a fim de ajudar na eficácia e atividade em amplo espectro. São conhecidos por prevenir a formação de radicais livres em nível significativo e, além de serem fotoestáveis, minimizam eritema e fornecem excelente efeito antienvelhecimento, bem como protegem o sistema antioxidante e defesa do corpo. Não realizam bioacumulação exibindo, portanto, bom perfil de segurança (KRUTTMAN et al. 2020). 29 A utilização de outras substâncias, também, pode ser uma escolha interessante para a complementação da proteção UV e segurança. Extratos de plantas são ricos em compostos com diferentes níveis de fotoproteção e atividade antioxidante, porém apresentam baixo coeficiente de absorção, sendo bons complementos para filtros sintéticos. A patente nº 6.440.402B1, desenvolvida nos Estados Unidos, revelou um efeito sinérgico de absorção do extrato da raíz de Kaempferia galangal (gengibre) na exposição prolongada ao sol, sugerindo que a adição de uma quantidade suficiente do extrato a um fotoprotetor pode aumentar fotoestabilidade e eficácia do produto. Ainda, melanina derivada de bactérias demonstrou fornecer significante proteção a células fibroblásticas contra UVA. Esse pode ser um produto promissor para ajudar a manter pele irradiada por UVA de livre de pigmento escurecedor, útil especialmente para peles fotossensíveis. No mesmo campo de estudo, pesquisas recentes evidenciaram a introdução das enzimas fotoliase e endonuclease em fotoprotetores, as quais são produzidas a partir de bactérias, e são capazes de reparar danos no DNA causados pela exposição à radiação UV e estimular regeneração e reconstrução da pele. Um estudo realizado por Emanuele et al. (2013) obteve sucesso ao aplicar fotoliase de Aspergillus nidulans e endonuclease de Micrococcus luteus para reverter os eventos moleculares relacionados ao envelhecimento cutâneo e carcinogênese devido à exposição à radiação UV (KRUTTMAN et al. 2020; LATHA et al., 2013; NGOC et al., 2019; SKORTARCZAK et al., 2015). Além disso, foi realizado um estudo com filmes contendo DNA que identificou que estes são capazes de atenuar a luz UV, ao mesmo tempo que se mantêm transparentes, e conservam a pele hidratada ao reduzir a taxa de evaporação de água da pele coberta. Essa pode ser uma boa opção para peles lesionadas, pois, além de fornecer fotoproteção, permitiria monitoramento de lesões sem a necessidade de remoção da cobertura, evitando exposição ao meio ambiente e promovendo melhor cicatrização (GASPERINI et al. 2017). Ademais, é interessante considerar alternativas complementares aos protetores solares tópicos. Produtos de fotoproteção oral contêm princípios ativos de diferentes mecanismos de fotoproteção, principalmente relacionados à ação antioxidante, e visam combater os efeitos a longo prazo da exposição solar relacionados à imunossupressão, inflamação crônica e fotocarginogênese. Os 30 fotoprotetores orais não protegem diretamente a pele dos danos induzidos por fótons de alta energia, mas possuem diversas vantagens, pois são de fácil utilização, sua performance não é afetada por condições externas como suor e, ao contrário de agentes tópicos, não dependem do grau de absorção da pele (PARRADO et al., 2018). O licopeno, por exemplo, é um carotenoide com alta capacidade antioxidante e diversos investigadores reportaram seu efeito em humanos. Um estudo realizado por Stahl et al. (2001) identificou que pacientes tratados com licopeno oral por 10 semanas apresentaram 40% menos formação de eritema após exposição à radiação UV quando comparados com pacientes não tratados Além disso, um estudo recente de Grether-Beck e colaboradores (2017) descreveu que o tratamento oral com complexo nutritivo de tomate rico em licopeno inibiu a expressão de genes ativados por UVA/B que mediavam a resposta cutânea à radiação. O uso oral de nicotinamida, por sua vez, previne foto-imunossupressão. Essa capacidade protetora da nicotinamida foi demonstrada em um ensaio clínico de fase III de Chen et al. (2015), que revelou que pacientes tratados com a vitamina apresnetaram taxas de novos cânceres de pele não-melanoma 23% menores e 11% menos ceratoses actínicas do que paciente tratados com placebo. Por fim, é interessante apontar que o consumo oral de flavonóis de cacau tem um potente efeito anti-inflamatório, antioxidante e fotoprotetor, o que foi estudado em um ensaio clínico com dois grupos de mulheres saudáveis com pele tipo II na escala Fitzpatrick e que identificou que houve uma diminuição do grau de eritema pós-radiação solar com a ingestão de bebida rica em flavonóis de cacau. Apesar dos dados apresentados, o potencial oral de fotoprotetores, no entanto, ainda não foi completamente analisado e deveria ser investigado mais profundamente (PARRADO et al., 2018). Espera-se que essas novas estratégias sejam capazes de atenuar os efeitos negativos relacionados ao uso de fotoprotetores e que os novos produtos atendam às diversas necessidades da população. Mais estudos a respeito da exposição repetida, a longo prazo e a baixas doses a compostos únicos e misturas de vários filtros são necessários para elucidar possíveis toxicidades e avaliar o dano real dos protetores atuais. 31 6. CONCLUSÃO É inegável a importância da utilização de fotoprotetores devido a seus inúmeros benefícios frente aos efeitos agudos e crônicos da radiação solar. Existe um esforço para o desenvolvimento de novos produtos em busca de formulações seguras e eficazes e que se adequem às necessidades de subgrupos da população. Pesquisas relacionadas à obtenção de novas moléculas, com menor potencial alergênico e melhor fotoestabilidade, são necessárias para a produção de fotoprotetores que possam ser considerados ideais. Apesar dos riscos identificados, os benefícios dos fotoprotetores, hoje, superam os riscos potenciais do uso em longo prazo, no entanto, ainda são necessários estudos aprofundados a respeito da segurança e absorção para o completo entendimento das interações envolvidas com o uso de protetores solares. Os estudos atualmente disponíveis ainda são escassos e são, em sua maioria, realizados in vitro ou in vivo com animais, num curto período de observação. É preciso que haja maior esclarecimento sobre os efeitos da utilização a longo prazo, considerando, também, situações em que a pele não se encontra íntegra, cenário que se aproxima à realidade do uso de fotoprotetores. 7. BIBLIOGRAFIA ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução da diretoria colegiada - RDC nº 30, de 01 de junho de 2012. Disponível em:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2012/rdc0030_01_06_2012. html> Acessado em: 15 abr. 2020. BALOGHI, T. S. et al. 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