Dependência da internet está mudando nossas mentes. E todo o resto.

“Podemos dizer que o Twitter está para a argumentação racional, como o GTA está para roubar carros”

Credito: Light Field Studios/ Envato Elements

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Justin E. H. Smith é professor de história e filosofia da ciência na Universidade de Paris. Ele é autor de livros como: “Irrationality: A History of the Dark Side of Reason” (Irracionalidade: A História do Lado Sombrio da Razão); “The Philosopher: A History in Six Types” (O Filósofo: Uma História em Seis Tipos); e “Divine Machines: Leibniz and the Sciences of Life” (Máquinas Divinas: Leibniz e as Ciências da Vida).

A seguir, Smith compartilha cinco insights importantes de seu novo livro, “The Internet Is Not What You Think It Is: A History, a Philosophy, a Warning” (A Internet não é o que você pensa: uma história, uma filosofia, um aviso).

A internet não é o que você pensa

Claro, a internet é muitas coisas ao mesmo tempo, mas estou falando sobre como a usamos no dia-a-dia, a parte que se aproveita do nosso sistema de recompensa cerebral e produz dopamina, o que acaba levando ao vício. Falo das redes sociais, que não são os melhores ambientes para compreender os problemas do mundo e ter discussões saudáveis.

Na verdade, podemos dizer que o Twitter está para a argumentação racional assim como o GTA está para o roubo de carros. Ambos têm uma conexão com o tema em questão, mas são apenas uma simulação do conceito.

No entanto, enquanto as redes sociais forem o único lugar para discussões, não há escapatória. O único ambiente onde podemos ter alguma troca tem um dono, é comandado por algoritmos e tem como finalidade gerar lucro. Ou seja, a democracia está sob séria ameaça. E, por esta razão, devemos ser muito cautelosos.

Por que vemos a internet como um ambiente que nos aproxima?

O caminho para uma sociedade em que prevaleçam a paz e a discussão racional é muito longo, muito mais longo do que costumamos imaginar. Vejo o ano de 2011 como o momento em que ficou claro que esse sonho antigo estava ainda mais distante. Quando as várias revoluções da Primavera Árabe se transformaram em banhos de sangue, outras coisas importantes estavam acontecendo no mundo.

as redes sociais não são os melhores ambientes para se compreender os problemas do mundo e ter discussões saudáveis.

Foi nessa época que notei pela primeira vez que meu feed do Facebook não exibia mais o que as pessoas da minha rede publicavam. Em vez disso, certas postagens eram priorizadas com base em algoritmos – e não sabíamos como isso era feito, porque era segredo corporativo.

Não levou muito tempo e os algoritmos transformaram a situação, que já era ruim, em um fluxo constante de desinformação. Nossos feeds ficaram repletos de publicações que se dedicavam, sobretudo, ao caráter viral.

Em 2016, vimos o Brexit ganhando força e um troll da internet ser eleito presidente do país mais poderoso do mundo, além de vários outros acontecimentos que impossibilitaram o otimismo.

A ideia da internet é muito mais antiga do que você imagina

O conceito da internet, apesar de diferente do que temos hoje, surgiu na década de 1670. Mas, de muitas maneiras, sua história foi moldada durante centenas de milhões de anos de evolução – como as redes naturais subterrâneas, conhecidas como associações micorrízicas, que conectam as raízes das árvores.

A telecomunicação é algo que sempre existiu como uma aspiração e também, em certa medida, como realidade, através de redes comerciais de longa distância e assim por diante.

O fato de essas redes serem posteriormente conectadas por fios, e depois passarem a ser sem fio, não faz uma diferença significativa ou essencial para refletir sobre a fenomenologia ou a dimensão cognitiva e social da troca de informações à distância.

Essa conexão não é exclusiva da nossa espécie – é algo que vemos em toda a natureza. E enxergá-la como uma analogia ou como uma verdade literal depende de nós.

Somos totalmente dependentes da internet

A Wikipedia reformulou completamente nosso próprio aparato cognitivo. Sinto que tenho uma espécie de prótese externa da minha curiosidade. Sempre que surge a menor dúvida, procuro a resposta imediatamente e, em 10 ou 15 segundos, tenho, no mínimo, um entendimento básico do assunto. Com o tempo, isso alterou fundamentalmente minha relação com o conhecimento e também meu entendimento do que significa “saber”.

Esta é uma revolução comparável à invenção da imprensa. De repente, tínhamos a possibilidade de ter em mãos toda fonte de conhecimento: livros. Com a internet, essas maravilhosas e belas práticas cognitivas – como a “Arte da Memória”, de Frances Yates – foram simplesmente perdidas.

Hoje, estamos perdendo o hábito da leitura, embora muitos ainda tentem mantê-lo. Uma nova revolução já está acontecendo, e é comparável a outras que vimos no passado.

Velhas práticas cognitivas estão desaparecendo, mas novas estão surgindo. E muitos de nós, acostumados às antigas – como ler livros inteiros de capa a capa – se veem tristes em perdê-las. Meu livro tenta fazer uma análise honesta e pessoal do efeito que a internet tem sobre isso.


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