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Clarissa Gandour

Desmatamento zero: sabemos o caminho, falta vontade política

É urgente fortalecer o controle ambiental e o ordenamento territorial

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Clarissa Gandour

Doutora em economia (PUC-Rio), atua como coordenadora de Avaliação de Políticas Públicas de Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio e pesquisadora associada ao Projeto Amazônia 2030

O Brasil sabe como proteger a Amazônia, pois já fez isso antes. Após alcançar 27.772 km2 em 2004, a taxa de desmatamento caiu 84% em oito anos principalmente devido a esforços de política pública. Três merecem destaque.

A capacidade de enxergar a perda florestal em tempo quase real, fruto de um pioneiro sistema de monitoramento por satélite, aliada à maior segurança jurídica para aplicação da lei e à focalização de áreas prioritárias, revelaram-se fundamentais. Como o desmatamento na Amazônia é predominantemente ilegal, o recado é claro: reduzir impunidade reduz desmatamento. Além disso, o país condicionou o acesso ao crédito rural a requisitos ambientais e de titulação de terras e protegeu áreas sob risco de desmatamento, formando um escudo para a floresta.

O sucesso passado aponta caminhos para que o Brasil consiga, novamente, combater o desmatamento. De imediato, deve-se recuperar o que se mostrou efetivo. A prioridade é fortalecer o controle ambiental. O país tem excelente sistema de monitoramento florestal e arcabouço jurídico para aplicação da lei ambiental. É imprescindível que as autoridades voltem a fiscalizar e punir quem a descumpre.

O ordenamento territorial também é urgente. Mais de 140 milhões de hectares de áreas não designadas, entre florestas públicas não destinadas e registros irregulares de terras privadas, concentraram 40% do desmatamento da última década. Essas áreas precisam ser destinadas ou regularizadas a partir de critérios transparentes e consistentes.

O Brasil deve, ainda, aprofundar o uso de incentivos financeiros para favorecer aqueles que cumprem a lei ambiental.

Apesar de indispensáveis, essas medidas não serão suficientes para zerar o desmatamento. É preciso explorar novos caminhos. Criminalidade e violência explodiram na Amazônia, em parte relacionadas à destruição da floresta. Compreender como esses fatores interagem é primordial para desmantelar redes criminosas e combater seus impactos sobre a região.

Segmentos específicos requerem novas estratégias. Assentamentos rurais concentram quase 20% da área desmatada na Amazônia, mas o combate ao desmatamento nesses territórios deve ser associado à viabilidade da produção local. Cadeias produtivas, em particular a pecuária, precisam caminhar rumo à rastreabilidade completa. Isso é tecnicamente factível e uma importante condição para impulsionar a demanda por produtos livre de desmatamento.

Há também outros fenômenos relevantes para a proteção da Amazônia. Anualmente, a degradação florestal afeta área pelo menos tão extensa quanto o desmatamento. Já a vegetação secundária é invisível aos atuais sistemas de monitoramento e está vulnerável. É imperativo que a política pública contemple diversas frentes de atuação.

Proteger a Amazônia não é tarefa simples, mas é possível. Para tal, temos o arcabouço de política pública, a experiência de execução e a ampla evidência que nos aponta caminhos. Devemos agir agora, antes que seja tarde.

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