Lata Doida: Ritmo e Reciclagem em Realengo #RedeFavelaSustentável [PERFIL]

Perfil da Rede Favela Sustentável*

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Esta é a nossa mais recente matéria de uma série gerada por uma parceria, com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental em favelas. É também a mais recente na série de perfis de iniciativas da Rede Favelas Sustentáveis no Rio.

Nota da Editor: Logo após as entrevistas conduzidas para este perfil do projeto comunitário e socioambiental, Lata Doida, as atividades do projeto foram suspensas devido à pandemia do coronavírus. “Shows e oficinas acabaram sendo canceladas, [e também] ensaios, reuniões, grupos de produção de sabão, sessões de gravações em estúdios,” contou a fundadora do Lata Doida, Vânia Maria Nascimento, ao RioOnWatch, em abril. “Enfim, estamos fazendo algumas coisas online, mas nada comparado a antes.”O Lata Doida desde então deslocou seus esforços para a distribuição de cestas básicas e produção de máscaras caseiras para doações locais. “Nós ainda estamos para definir uma nova forma de funcionamento para o Lata Doida”, disse Vânia, “mas chegaremos lá”.


Iniciativa: Lata Doida
ContatoFacebook | YouTube | Instagram
Ano deFundação: 2008
Comunidade: Realengo
Missão: Promover experiências artísticas criativas, educacionais e sustentáveis, contribuindo para uma sociedade mais humana e menos desigual, que seja capaz de se desenvolver em harmonia com o meio ambiente.
Eventos Públicos: A Banda Lata Doida realiza shows por toda a cidade do Rio de Janeiro. O Lata Doida também organiza oficinas de música, artes e trabalhos manuais em Realengo.
Como Contribuir: Embora o Lata Doida normalmente não aceite doações monetárias, por conta da pandemia e da crise econômica, a organização está precisando de apoio para ajudar a cobrir os custos de aluguel e contas de energia. Contatar Vânia Nascimento, Vanielle Bethania, ou Vandré Nascimento através da Página do Facebook do Lata Doida.  

A cena musical do Rio de Janeiro é tão diversa e vibrante quanto seus moradores. Do samba à bossa nova e ao funk carioca, a cidade produz um universo de sons e estilos populares em todo o mundo. Na Zona Oeste do Rio, no subúrbio de Realengo, um grupo extraordinário de jovens músicos está deixando sua marca não só na cena musical carioca, mas também na luta pelo desenvolvimento sustentável nas periferias urbanas do Rio.

Seu nome é Lata Doida, e uma rápida visita ao seu canal no YouTube revela sua mescla única de estilos e ritmos afro-Americanos, incluindo funk, samba, maracatu e blues. O nome Lata Doida surgiu do uso de instrumentos construídos à mão a partir de resíduos e materiais descartados encontrados no bairro. De guitarras feitas de calotas e tábuas de corte à marimbas feitas de caixotes de madeira e garrafas PET, os instrumentos reciclados do Lata Doida se tornaram uma marca registrada da sua plataforma de sustentabilidade. 

De acordo com o músico e co-fundador Vandré Nascimento, “ficou esse nome Lata Doida por conta da oficina de música que a gente fazia desde o início, que acontecia com materiais que a gente tinha na mão. O que tem mais a ver com a sustentabilidade no trabalho da música é a preocupação com a reutilização de materiais. Também é uma forma da sustentabilidade econômica“. Ainda que hoje em dia o Lata Doida possa ser visto se apresentando em qualquer lugar, do Arpoador na Zona Sul à Praça XV no Centro, as raízes do grupo sempre pertencerão a Realengo.

Para os fundadores do Lata Doida—Vânia Maria do Nascimento e seus filhos, Vandré e Vanielle Bethania—música, arte e desenvolvimento comunitário sempre foram assunto de família. Desde jovens, Vandré e Vanielle foram apresentados ao mundo da música através de seu pai, também músico. Eles também cresceram vendo sua mãe profundamente envolvida em projetos sociais em Realengo. A preocupação com causas sociais e ambientais, como violência, lixo, enchentes e disseminação de doenças infecciosas levou Vânia a constantemente procurar meios de ajudar seus vizinhos e melhorar sua comunidade.

Essa rica história familiar inspirou Vânia, Vanielle e Vandré a formarem a organização Lata Doida. “Pelo interesse por música e por minha mãe estar sempre atuando na comunidade, também era nossa vontade criar transformação social“, explica Vanielle. Motivada por um amor à arte e ao seu bairro, além de uma indignação com as condições de vida de Realengo, Vânia e seus filhos começaram a trabalhar. Vânia logo encontrou uma casa para alugar, que se tornaria o centro cultural e estúdio do Lata Doida pelos próximos dez anos. Desde o começo, o Lata Doida focou em fornecer programas de educação interativa para as crianças de Realengo. Vânia conduziu atividades de arte e artesanato, enquanto Vandré e Vanielle realizaram oficinas de música.

Hoje em dia, Vânia costuma focar mais na reciclagem e assuntos ambientais, enquanto Vandré e Vanielle se concentram na música. Contudo, todos os três continuam a colaborar com tudo o que precisa ser feito. “A gente faz tudo. A gente limpa. A gente lava junto. A gente cata material na rua“, diz Vânia. O que torna o trabalho dedicado do trio mais impressionante é o fato de que eles também conseguiram manter suas carreiras profissionais. Vânia é agente de saúde em uma clínica local e trabalha de perto com os catadores de lixo reciclável. Vandré e Vanielle são professores. Como o trabalho necessário para manter o Lata Doida pode demandar muito, Vânia, Vandré e Vanielle recebem apoio constante de amigos, família e membros da banda.

Foi durante as oficinas musicais de Vandré e Vanielle que a Banda Lata Doida nasceu, com a participação de diversos alunos das primeiras oficinas que depois se tornaram membros fixos da banda. Realizando shows profissionais por toda a região metropolitana do Rio, a Banda Lata Doida traz um alto grau de visibilidade para Realengo. As músicas criadas pelo grupo tratam da comunidade e seu significado para cada um dos nove membros da banda. Sua arte, que inclui shows ao vivo, gravações e até um curta metragem chamada “O Chapeuzinho Verde na Mata Atlântica“, são transmitidos em programas de televisão e publicações escritas, do Medium, Extra e TV Brasil. Sempre que eles se apresentam ou publicam materiais, o Lata Doida faz questão de contar à sua audiência de onde eles vieram e os desafios que sua família e vizinhos enfrentam no dia a dia. 

Acima de tudo, os membros do Lata Doida procuram enfatizar a força e talento dos moradores de Realengo. “Nossa fonte de resiliência, eu acredito, somos nós mesmos”, afirma Vanielle. Com apoio limitado do governo, o Lata Doida e outras iniciativas comunitárias dirigidas por moradores estão melhorando a qualidade de vida em Realengo, uma ação de cada vez.

Embora, talvez a banda permanece o aspecto mais famoso do Lata Doida, a organização atua em uma variedade de frentes. Atividades e projetos incluem as oficinas musicais e de artesanato citadas anteriormente, assim como a promoção e suporte de eventos políticos locais focando no meio ambiente e justiça social. Sob a direção do Lata Doida, lideranças comunitárias e ativistas ocuparam uma área pública abandonada que tinha se tornado um depósito de lixo e transformaram-no no Parquinho Verde: uma área comum para o lazer e recreação. Em tempos de crise, os membros do Lata Doida se organizam para providenciar apoio para os vizinhos que estejam passando necessidade. Quando uma chuva forte devastou Realengo e outros bairros no entorno, no começo de março de 2020, Vânia se apressou para montar uma campanha de doação para ajudar famílias afetadas. 

Movidos pelo objetivo de fomentar o crescimento de Realengo como um centro de criatividade e produção artística na região, o Lata Doida providencia equipamento musical e apoio logístico para festivais locais e eventos culturais, incluindo o Festival de Música e Cultura de Rua de Bangu e o Sarau do Calango. Além do mais, a organização frequentemente colabora com artistas locais e os recebem para que gravem no estúdio do Lata Doida. Por fim, Vânia, Vandré e Vanielle adoram compartilhar seus conhecimentos e recursos com uma rede de coletivos e iniciativas em Realengo (ex. o Espaço Cultural do Viaduto do Realengo e o Parque de Realengo Verde), que estão todos lutando pela causa do desenvolvimento sustentável. “Todo mundo no perrengue, mas se ajudando, fazendo as coisas acontecerem aqui. Se a gente não fizer, nada acontece.“, reflete Vandré.

Todas as atividades do Lata Doida, sejam apresentação em shows, organização de oficinas, ou embelezamento de espaços públicos, servem ao objetivo de construir um mundo mais justo. Vânia acredita que ela, seus filhos, e todos os outros membros do Lata Doida podem gerar uma mudança positiva através de “muito amor, muita poesia, muita música, muita coisa bonita, muita arte“. Com uma década de trabalho ao lado de seus vizinhos, Vânia, Vandré e Vanielle são testemunhas do potencial coletivo de Realengo. “A gente acaba aprendendo que a gente tem força. Temos força juntos. Um enxergando outro. Um vendo a potência do outro. A gente aprende que a gente tem força“, declara Vanielle.

De acordo com Vandré, através das ações coletivas do Lata Doida e outras iniciativas comunitárias da Zona Oeste, moradores das periferias urbanas estão construindo suas próprias perspectivas e soluções sustentáveis. Este processo está resultando em um maior grau de autoestima coletiva, bem como uma maior autonomia em relação ao Centro da cidade. Por fim, isso amplia a habilidade da periferia de não só sobreviver, mas prosperar. Através da formação de fortes laços com os vizinhos, o Lata Doida espera construir um Realengo com um ambiente mais saudável e com menos doenças, inundações, violência, e mais parques, áreas recreativas e mais arte. Em última análise, o Lata Doida tem uma visão de Realengo como uma comunidade auto-sustentável na qual seus moradores podem encontrar emprego, educação, saúde, lazer e arte. Com instrumentos artesanais à mão, o Lata Doida está levando sua visão para cada esquina do Rio, um show de cada vez.

*Lata Doida é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)—a organização que publica o RioOnWatch—como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook. Leia outros perfis dos projetos da Rede Favela Sustentável aqui. Participe da Rede se inscrevendo aqui.


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